sábado, julho 19, 2025

#TOLERÂNCIA202 - A PANDEMIA DA INTOLERÂNCIA

 #TOLERÂNCIA202 - A PANDEMIA DA INTOLERÂNCIA

"A intolerância como padrão de resposta colectiva".

O Pedro Almeida Vieira e eu tornámo-nos "amigos" no Facebook. Há muito tempo que somos "amigos" no Facebook. O Facebook tem-me permitido conhecer pessoas muito interessantes. Uma delas, que não reconheci na primeira vez que estive com ela face a face, foi o linguista Fernando Venâncio, que faleceu recentemente. Acabámos por nos tornar muito amigos, ele tratava-me por Fernandinho e ele para mim era o Fernandíssimo.

O Pedro Vieira de Almeida é jornalista, escritor e investigador; e é director do jornal Página Um. Hoje ele escreveu um texto acerca dum tema bem actual, de difícil manejo. Recomendo tão vivamente a sua leitura que o transcrevo para aqui, numa espécie de colaboração externa na minha peregrinação pela geografia da Tolerância. Depois de terminar o artigo, ele faz um convite: "Partilhe esta notícia nas redes sociais." Sim, vou fazê-lo aqui, no Facebook, no Blogger e no Instagram. Obrigado, Pedro! Parabéns pelo texto!

Título: "A pandemia da intolerância: da covid à imigração, não há adversários – apenas inimigos"(1)

De repente, uma estranha simetria une dois dos fenómenos sociais mais fracturantes do nosso tempo recente: a pandemia de covid-19 e a actual crise em torno da imigração. À primeira vista, parecem realidades inconciliáveis: uma, sanitária e de impacte global; outra, demográfica e de impacte nacional.

Mas, ao observarmos os mecanismos sociais, políticos e comunicacionais, que ambas desencadearam, partilham algo de essencial: a intolerância como padrão de resposta colectiva. E daí parte-se para uma hostilidade crescente não apenas em relação às posições extremas opostas, mas — talvez ainda mais

inquietante — contra quem tenta compreender, dialogar ou propor soluções de equilíbrio.

Durante a pandemia, bastava levantar uma dúvida sobre a proporcionalidade das medidas, questionar os confinamentos, interrogar a eficácia das vacinas ou simplesmente defender direitos constitucionais elementares para ser etiquetado de “negacionista”, “antivacinas”, “irresponsável” ou mesmo “assassino”. A emotividade pública, catalisada por uma comunicação social subserviente e por peritos promovidos ao estatuto de sacerdotes da verdade, interditava qualquer subtileza. O dogma instalou-se com uma eficácia capaz de ombrear com a Inquisição: quem não se ajoelhava perante o altar do medo era excomungado da vida cívica.

Hoje, algo semelhante sucede com o debate sobre imigração. Quem aponta os efeitos reais — e documentados — da imigração desordenada sobre o sistema de saúde, habitação, educação ou segurança, corre o risco de ser acusado de xenofobia ou racismo. Mas o contrário também se verifica: quem rejeita o alarmismo identitário e sublinha os direitos humanos, as histórias de vida dos migrantes ou a necessidade de políticas de integração bem desenhadas é de imediato classificado como “globalista”, “vendido ao sistema” ou “traidor da pátria”.

Pior ainda está quem ousa interrogar ambas as visões com prudência, tentando distinguir entre migração legal e tráfico humano, entre integração e guetização, entre impacto económico e vulnerabilidade social. Este é aquele que acaba por ser atacado de todos os lados — por traidor, por frouxo, por centrista táctico.

Na verdade, nos debates sobre a pandemia e agora sobre a imigração — e talvez noutros tantos campos — aquilo que se perdeu foi precisamente o que garante a sanidade de uma democracia: a capacidade de pensar o meio-termo, de analisar com rigor, de propor soluções ponderadas que evitem tanto a repressão cega como a permissividade ingénua.

A pulsão de radicalização em ambos os lados — alimentada por redes sociais, algoritmos de indignação e agendas políticas maniqueístas — transforma tudo em trincheira. Já não há adversários: há inimigos. E a posição intermédia, que sempre foi mais difícil de construir do que os extremos, parece hoje terreno minado.

Na pandemia, quem procurava uma via equilibrada — por exemplo, defendendo a protecção dos mais vulneráveis sem destruir as liberdades fundamentais — foi marginalizado, insultado, silenciado. Ou processado — como eu, que ainda este ano terei de responder judicialmente em três processos.

Na questão migratória, quem procura agora aplicar políticas sérias de controlo de fronteiras, mas ao mesmo tempo defender a dignidade humana — tanto dos imigrantes como dos autóctones —, sofre a mesma sorte: é demasiado duro para os progressistas e demasiado mole para os populistas.

O consenso tornou-se heresia.

Há nisto um paradoxo revelador. Se, teoricamente, os extremos se combatem melhor a partir do centro (não me refiro ao espectro ideológico) — com racionalidade, dados e proporcionalidade —, o que vemos hoje é o contrário: os extremos prosperam precisamente porque conseguiram minar o prestígio do centro, esvaziar-lhe a credibilidade, converter a prudência em tibieza e o pensamento crítico em traição. É a vitória do ressentimento contra o equilíbrio. Do ruído contra o discernimento. Do algoritmo contra o argumento.

As redes sociais, que durante a pandemia foram usadas como instrumentos de controlo emocional e repressão simbólica, agora funcionam como aceleradores de pânico moral e de fúria identitária. A lógica binária de “salva vidas” versus “negacionistas” foi apenas substituída por outra: “defensores da pátria” versus “traidores pró-imigração”. O molde é o mesmo; apenas se trocam os actores. E, mais curioso e preocupante, muitos daqueles que na pandemia sofreram penalidades por serem minorias, estão agora na linha da frente para serem algozes dos que pensam diferente na imigração.

E, como antes, quem tentar desmontar o jogo, desmontar o medo, desmontar a encenação, é eliminado do palco.

Talvez estejamos a assistir a um processo mais profundo: o esgotamento da razão pública como espaço de construção comum. O velho ideal iluminista de que podemos, pela razão e pela evidência, fundar consensos mínimos para enfrentar problemas complexos, está em erosão. Em seu lugar, estão a erguer-se afectos inflamados, tribalismos digitais e dogmas emocionais. E com eles vem a recusa do diálogo, a humilhação do outro, a purga dos moderados.

Na pandemia, fomos empurrados para o medo absoluto como forma de controlo. No debate migratório, estamos a ser empurrados para o medo difuso como forma de fragmentação. Em ambos os casos, o efeito é idêntico: o desaparecimento da política como espaço de ponderação e a sua substituição por actos reflexos emocionais e moralistas. No limite, deixa de haver verdade: apenas versões armadas da verdade.

É por isso que, mais do que escolher entre extremos, importa reconstruir o valor do meio. Não o meio-termo cómodo e inócuo, nem sequer ideológico, mas o meio ponderado, exigente — aquele que resiste à emotividade e se ancora na realidade.

A pandemia ensinou-nos, ou devia ter ensinado, que a histeria colectiva não é boa conselheira. A questão migratória exige agora essa mesma lição: sem tabus, mas também sem ódio. A liberdade — e a civilização — moram nesse equilíbrio precário que os radicais de ambos os lados querem demolir. Mas é lá que vale a pena continuar a construir. Mesmo que seja mais difícil — ou sobretudo por isso.

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(1) https://paginaum.pt/2025/07/19/a-pandemia-da-intolerancia-da-covid-a-imigracao-nao-ha-adversarios-apenas-inimigos?fbclid=IwY2xjawLoi9JleHRuA2FlbQIxMABicmlkETBkSkJEd1JhNGU0cHVMRHRyAR5w30xRSHeJju23j-X5Ogd-A22VCgdFZwAtfGg3r9Z_0KLeGVuklhXgx9XtyQ_aem_C9gqw-Kes-SPcUtJeIJmjw

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