sábado, dezembro 31, 2011

Ainda a entrada em 2012 - A SIMPLICIDADE DA AMIZADE


Minha querida Sandra,
Está por fazer o estudo sociológico que mostre quantas vezes os desejos intensamente formulados à entrada de cada novo ano se transformaram em realizações concretas que mudaram ou marcaram a vida das pessoas no sentido antecipado nesses votos. Queres que eu te diga qual é a minha ideia? Nunca! É isso, nunca!
Por isso, e se tomasse para mim o sentir, muito cético, muito descrente, de um dos personagens escritores de Fernando Pessoa, eu diria que a passagem de ano não é nada mais do que um divertimento. Um divertimento que, tal qual como o Natal, está fortemente marcado por seduções para gastarmos dinheiro.
As diferenças com o Natal são basicamente duas: a primeira é que, enquanto no Natal somos levados a gastar dinheiro com os outros, na Passagem de Ano, gastamos o dinheiro connosco próprios. A outra diferença é que o Natal pede recolhimento em família e o Ano Novo pede expansão para a “molhada”.
Pela minha parte, sou um fervoroso defensor da festa do Natal. Sabes que mais, neste ano, o ano em que a “Crise”, a crise que económica (e política… e moral…) nos tocou como há muitos anos não acontecia – provavelmente, desde que me dou conta de estar vivo, a crise mais injusta de todas -, as prendas que pus nos sapatinhos dos meus familiares e amigos nunca custaram tão pouco dinheiro, coisa curiosa!, se há coisa que poderá perdurar por muitas gerações futuras da nossa família são precisamente essas prendas!
Quanto à festa de Ano Novo, é verdade, quando tinha a tua idade, e durante alguns anos depois, entusiasmei-me e aprumei-me para as festas de Passagem de Ano. E diverti-me muito com elas, claro!
Por isso, Sandra, te digo: diverte-te! Entusiasma-te com o momento de cair o Ano Velho e entrar triunfalmente o Ano Novo! Mas não ponhas na ilusão dos votos que agora formulas uma intensidade que depois se arrisque a trazer (não será mais correto dizer: renovar?) desapontamentos da mesma medida.
Se a algum de nós os dois cabe pegar no papel do Velho do Restelo, naturalmente é a mim, não a ti. Aqui estou, por isso, a cumprir-me.
Pela consideração e carinho que tu me mereces; pela ilusão genuína e sincera que é natural que tenhas da vida; e porque muito repeti a curta troca de palavras que o meu Mestre João dos Santos tantas vezes repetiu aos seus alunos, em que ele se interrogava se um projeto em que punha muita ambição não seria uma utopia, e a sua amiga Violante lhe respondeu: “Utopia?... Pois que seja, se é uma utopia, é precisamente por aí que é o caminho!...”; portanto, querida Sandra, por isto tudo, vou alinhar contigo e vou sinceramente formular dois votos para 2012.
O primeiro, vou deduzi-lo de um conto tradicional africano.
Diz assim o conto, que tem o título “A simplicidade da amizade”:
“Dois amigos viviam em duas aldeias distantes uma da outra. Uma noite veio uma grande tempestade e não havia luar. Mas um dos amigos levantou-se e sentiu vontade de ir visitar o outro. Pôs-se a caminho, embora tivesse medo que um raio lhe caísse em cima ou o fantasma da noite o viesse comer. Não parou enquanto não chegou junto da cabana do amigo. Estava todo molhado, como se tivesse caído a um rio, mas levou para a cabana lenha seca e enxuta. Entrou e acendeu uma fogueira. Depois começou a cozer arroz para oferecer ao amigo, que entretanto tinha acordado.
O amigo, ao vê-lo junto da fogueira, perguntou-lhe:
- Porque é que vieste de noite, com este temporal?
- Porque senti desejo de estar junto de ti. Será que o temporal te pediu licença para vir?"
Ora, o primeiro desejo que formulo para 2012 é precisamente este: que tenhamos – e sejamo-lo nós também – amigos que se cheguem a nós, mesmo durante a tempestade.
Quanto ao segundo desejo, faço-o a partir da notícia que ouvi hoje de manhã no telejornal. Já ontem à noite a tinha ouvido também. Faço votos que em 2012 nasçam mais bebés que em 2011, que foi, desde que há registos sistemáticos, um dos dois anos com mais baixo número de nascimentos.
Mil beijinhos, Sandra! Tenho a certeza de que nos encontraremos, não obstante as tempestades!
(Esta carta segue praticamente sem ser revista, eventualmente ainda a corrigirei num ou outro ponto, é preciso é que não perca oportunidade. Tenho de ir para a cozinha tratar de fazer uns miminhos para esta noite… é menos por ser a passagem de ano, é mais porque o meu sobrinho açoriano mais velho nasceu precisamente na noite de passagem de ano, ainda cheirava a fogo de artifício. Que renovação maior se pode querer quando se passa de um ano para o outro?)

A chegada do ano 2012

Em jeito de diálogo entre mim e a minha querida aluna Sandra Vozone, no Facebook, a escrever na água, no seu sentido quase mais literal.

SANDRA VOZONE:

Boas entradas minha gente! Espero que todos aqueles que estiverem aqui marcados entrem em 2012 com o pé direito e que ao longo do novo ano tenham tudo aquilo que desejam, até mesmo dinheiro que sei que vai ser difícil. Como não tenho tempo para agradecer um a um por fazerem parte da minha vida, agradeço em conjunto... OBRIGADA ao todos por me aturarem durante este ano nada fácil para mim. Obrigada aos amigos de longa data, obrigada ao novos amigos, obrigada também aos que deixaram de ser, todos contribuíram para o meu crescimento contínuo! Obrigada aos professores mencionados! Obrigada pelos sorrisos, pelos momentos, por tudo! :D ♥
Peço desculpa se falta alguém mas não tenho boa memória!


FERNANDO PINTO
Ôi, @Sandra Vozone! Que volta é que a gente há de dar a isto?... Provavelmente, com a mesma sinceridade que nos desejas tudo de bom para 2012, desejaste também para 2011... Os votos para o ano novo são - quantas vezes? - votos de ilusão. Quantas vezes são verdadeiramente votos de confiança? Ainda por cima, para azar nosso, a passagem de ano é puramente arbitrária, nem sequer está ligada a nenhum momento de renovação natural ou biológica. Por mim, alinharia numa festa de renovação de confiança numa data entre o Entrudo e a Páscoa. E nem estou a ser nada criativo com isso! Basta olhar para a história dos homens e dos seus rituais.
É por isso que, muito sinceramente, minha querida Sandra, aceita o que a seguir escrevo como uma contribuição pessoal ao voto que formulas. Acabei de receber um email que traz uma citação de um(a) autor(a), Stacia Tauscher [ainda não sei bem quem é este(a) autor(a)]r, que diz assim: "We worry about what a child will become tomorrow, yet we forget that he is someone today". No fundo, é como dizer: não nos comprometamos demasiadamente com as ilusões do futuro; isso sim, apreciemos e consolidemos as relações do presente. Assim, verdadeiramente, estaremos a construir o futuro.
Grande beijinho, Sandra, espero ver-te em breve. Estou a contar contigo para a minha Bolsa de Voluntários, que já está em marcha na nossa escola. ♥

SANDRA VOZONE

Professor Fernando Pinto, sempre tão sábio nas suas palavras. Não posso deixar de concordar com o que diz, claro, é tudo verdade mas eu sou (e não confesso com o maior orgulho) daquelas pessoas em que os votos de ilusão, como diz, lhe parece o melhor e mais sincero para dizer nestas alturas. Quanto à Bolsa de Voluntários, assim espero fazer parte desse seu projecto que deve ser muito enriquecedor a todos os níveis. ♥
Sempre tão perfeccionista professor! (:


FERNANDO PINTO
‎Sandra Vozone, quando criei o blogue que acompanhou a nossa viagem a Estrasburgo, o lema que juntei foi este: "Para ser grande, sê inteiro: nada / Teu exagera ou exclui. / Sê todo em cada coisa. / Põe quanto és / No mínimo que fazes. / Assim em cada lago a lua toda / Brilha, porque alta vive." (Odes de Ricardo Reis. Fernando Pessoa). Como poderia eu fazer de outro modo, sem correr o risco de tornar ocas as palavras que escrevo? Não sei se sou perfecionista; isso sim, tento acrescentar algo que valha a pena, mas certamente nem sempre o consigo.

quarta-feira, dezembro 21, 2011

Natal 2011 - Confissão de um alquimista


O meu menino jesus deste ano.
No que diz respeito ao Natal, há muito que tenho o espírito e o entusiasmo de um alquimista. Se bem me conheço,  tenho e sempre continuarei a ter esse espírito e esse entusiasmo. Pegar em reagentes que, em si, praticamente são nada e fazê-los, misturando-os, transformarem-se em ouro, não, isso não me interessa. É verdade, isso não me interessa, ou melhor, sou suficientemente sábio para me reduzir ao pouco que valho e, assim, só me resta admitir para mim próprio que não conseguirei nunca fazer o que tantos, muito melhores do que eu, têm tentado, há milhares de anos, repetidamente, obter, sem sucesso.
Vou fazer-vos uma confissão: a minha alquimia, o meu grande desejo, é juntar o Menino Jesus e o Pai Natal num só. Pronto,  já disse!... Está dito!
De há 2 ou 3 anos a esta parte, o Pai Natal não tem parado de escrever aos meus alunos, até já das Maldivas, nas férias de Verão deste ano, ele escreveu! Sim senhor, o Pai Natal escreveu aos meus alunos, ali está bem marcado nos postais, o carimbo de correio das Maldivas, carimbo verdadeira, sem enganar ninguém! E assinadinho à mão: P-a-i-N-a-t-a-l! Há dias, recebemos mais um postal, este agora – só podia ser! -  da Finlândia! Escrevi-lhe, logo de seguida, para Rovaniemi, um email a agradecer e ele já me respondeu a dizer que esperasse, que não era tudo! Que a caminho vinha outro postal dele, escrito em finlandês, imagine-se. Postal escrito sem medo que a gente não o percebesse! O Pai Natal sabe que a gente usa a Internet e sabe que conhecemos e usamos o tradutor do Google. Esta ferramenta da Net dá mesmo jeito!
Todos os anos – e este ano não foi exceção, até para os meus alunos do 12.º ano -, o Pai Natal, de cada vez que eu leio, ou faço ler, as suas cartas nas aulas, fica sujeito ao desdém de quem, de cara desconfiada e boca torcida para o lado, os dentes exibidos em insolência quase agressiva, arranha as venenosas palavras: “Isso é tudo treta!... Foi o “stôr” que escrever a carta, o Pai Natal não existe!...” O Pai Natal está habituado a estas saídas da malta jovem. Ouve e sorri, cheio de carinho e tolerância.
Seguem-se sempre, depois, confrontos de argumentos, em que o desafio a que me proponho é convencer sem nunca fugir à verdadeira verdade. São bem mais as vezes que consigo que as que não consigo.
Senhores, já viram bem o rosto da mais cética das criança ou do mais cético dos  jovens quando sinceramente põem na sua consciência, levada por emoções que irrompem a partir do espanto genuíno, a ideia de que o Pai Natal possa existir? Que lindos ficam! Vale ou não vale a pena despertar emoções, ou dúvidas, assim?
Há muitos anos, numa história que já contei, o Nelson, num Natal que tudo lhe dizia que iria ser triste como tinham sido todos os outros Natais da sua vida, acreditou que o Pai Natal existia. E isso mudou o Natal daquele ano! Porque teve mais prendas?... Porque viu o Pai Natal?... Não, simplesmente porque acreditou. Talvez ainda hoje ele diga que foi o melhor Natal da sua vida.
Senhores, já se deram bem conta da experiência emocional que é acreditar que pode existir uma pessoa bondosa, amiga, gordinho, anafadinho de coisas lindas e encantadoras para toda a gente, como é a pessoa do Pai Natal? Como passamos nós a olhar as pessoas à nossa volta quando começamos a acreditar como o Nelson acreditou?... Todos nos parecem bons e com todos nos apetece estar. E queremos que se sintam tão alegres quanto nós próprios. O Pai Natal só desperta sentimentos bons e positivos!
Sim, que bom é sentir que o Pai Natal existe, que ele vai vir a nossa casa; que bom é pensar que, quem sabe?, um dia vamos vê-lo!... Não veio este ano?, não faz mal, se calhar não pode, ele tem de andar por tantos lados… se calhar, até veio, eu é que não consegui vê-lo… E, com o tempo, descobre-se outra coisa: que cada um de nós pode brincar ao Pai Natal, descobre-se que cada um de nós pode fingir que é o Pai Natal. Descobre-se que cada um de nós pode chegar-se a uma criança e fazer acontecer nela aquele momento – tão saboroso! - em que as crianças tomam contacto com aquele senhor tão bondoso, tão amigo das crianças e de todas as pessoas. Que bom é sentirmos estar em contacto com pessoas boas! Que bom é fazermos uma criança sentir-se interiormente tão bem! Não é bom termos todos uma experiência emocional assim?
Se o Pai Natal nos traz a experiência emocional da bondade abastada, o Menino Jesus traz-nos o outro lado do tempo do Natal. O lado do amor da família, o lado do aconchego do lar, mesmo no casebre mais pobre de todos. A paternidade biológica do Menino Jesus põe-nos perante problemas de compreensão que pedem asas ou rasgos de pensamento que vão – também, como no caso do Pai Natal – bem para além do que a nossa condição racional nos deixa chegar. Deparamo-nos outra vez com a capacidade de acreditar. De acreditar e de sentir. E, outra vez, não é bom sentir? Não é bom acreditar? Qual de nós não sente o coração cheio de ternura e compaixão quando pensa no e sente o Menino Jesus?
Os tempos que vivemos estão a tirar-nos o saco das prendas do Pai Natal. Balançamos entre as duas alternativas: olhar tragicamente para a vida à nossa volta e para o que nos dizem dos anos que aí vêm; ou fazer, outra vez, a experiência renovadamente reconfortante das Boas Festas e do aconchego natalício.
No seu tempo, em 1883, e ao seu jeito, Eça de Queiroz, na véspera de Natal, escrevia a Jaime Batalha Reis e dava conta ao seu amigo da ambivalência que lhe ia na alma entre trabalhar e a si próprio se “dar feriado de Natal”. Logo a seguir afirmava o desapontamento da resolução. E prometia ao seu amigo que, assim que pudesse, se chegaria a ele para lhe dar um abraço.
Noutras culturas, as que não contêm a matriz da mensagem cristã, o Natal não existe, a ambivalência não acontece. Certamente nessas culturas, as pessoas, geração após geração, encontraram outras formas de sentir a existência de gente genuinamente boa e também de sentir a possibilidade da abastança partilhada; de sentir o prazer da teia de laços afetivos entre gente que se conhece e ama, mesmo quando tudo à nossa volta nega a experiência da abastança. Estas crenças têm diretamente a ver com necessidades humanas básicas, por isso aparecem em todas as culturas, mesmo que com formas diferentes.
Que é, na verdade, o Natal sem a crença sincera no Menino Jesus e no Pai Natal? Que experiência de laços afetivos, que sabor é que o Natal do 25 de Dezembro tem, na nossa cultura de origem, se pusermos o Menino Jesus e o Pai Natal fora das nossas casas, dos nossos lares, do borralho que sempre fez parte das nossas tradições familiares?
Pensando bem, depois disto tudo, interrogo-me se devo mesmo continuara a tentar o dois em um, quer dizer, juntar o Pai Natal e o Menino Jesus, ou se será melhor que a gente continue a tê-los separados. Às tantas…
Muito bem, enquanto o pau vai e vem folgam as costas, não é verdade? É sim senhor. Se as coisas correrem bem, vai acontecer-me o mesmo que aos alquimistas do ouro. A crença que atingirei, mesmo que apenas no fim dos tempos, o meu desiderato (juntar, num só, o Pai Natal e o Menino Jesus), alimenta em mim, tal como em todos os alquimistas, a experiência afetiva do entusiasmo e o sabor gostoso que essa experiência nos deixa e que, depois, espalhamos na nossa relação com os outros. E, mesmo que a alquimia me traga só isso, sem nunca vir a trazer o tal “dois em um”, vale bem a pena!
Vá, não posso deixar os reagentes ali entregues, inertes, a eles próprios. Perderiam a competência para reagir. Deixem-me voltar para o laboratório secreto da minha alquimia. Um dia vou conseguir! Tenho a certeza! Se alguém quiser ajudar, força! Apareça!
Se acreditarem, como eu acredito, que pode haver algures, no mundo, um homem muito bondoso (ele às vezes disfarça as barbas brancas, ou a roupa vermelha), que deseja convictamente levar à satisfação dos sonhos de criança; se acreditarem, como eu acredito, que há um menino de família humilde (fale ou não a nossa língua) que quer ver todas as famílias aconchegadas na alegria de partilharem a carinhosa mesa da Consoada…
pois então, apareçam, que eu vou mostrar-vos todas as fórmulas que já tentei; talvez assim juntos consigamos chegar à fórmula definitivamente boa.
Votos de um Santo Natal, cheio de Sonhos que renovem em todos nós o prazer de estarmos juntos e caminharmos confiantes e entusiasmados ao encontro do Futuro!