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domingo, novembro 04, 2012

IDOSOS, ÉTICA E REFORMA


IDOSOS, ÉTICA E REFORMA
por Frei Bento Domingues, O.P.
(jornal Público, edição de 4nov12, caderno Opinião)

1 Vivemos numa sociedade paradoxal: por um lado, alegramo-nos com o aumento da esperança de vida; por outro, os idosos são acusados de levar muito tempo a morrer. Gastam, não produzem e ainda se sentem no direito a receber uma reforma ou uma pensão dignas. Mas os casais novos também não escapam à censura: são responsáveis por sermos um país de velhos. Tinham obrigação de ter mais filhos. Como são egoístas, não se importam. Diz-se que lá virá o dia em que também eles verão as consequências desta falta de previdência.
Mais do que paradoxal, é niilista: não aguenta nem os idosos nem os novos. Se há queixas contra os idosos, os novos estão a ser preparados para nada. Diz-se que Portugal perde 2,7 mil milhões por causa de jovens inactivos. A grande alternativa parece ser a emigração, que não é um crime, mas esses jovens foram educados em Portugal e vão-se embora, sem pensar em ajudar quem por eles se sacrificou. Quando uma sociedade deixa de ser sujeito do seu destino e passa a ser objecto de contabilidade, não se vê possibilidades de acerto. As pessoas queixam-se de serem exploradas pelo Estado e o Estado diz que elas estão a ficar muito caras. Sentem-se todos prejudicados.
A nossa sociedade talvez não seja nem paradoxal nem niilista. Parece irreflectida.
Pensar em termos simplistas, como os que acabei de evocar, é o modo mais habitual de funcionar com os estereótipos, muito facilitados com a redução de tudo a números. Levou-se muito tempo a pensar em termos de deveres e direitos humanos, deveres e direitos de pessoas, sujeitos de dignidade. Agora, a propósito de tudo e de nada, só se pergunta quanto se perde e quanto se ganha. É um jogo de abstracções. As abstracções não choram, não riem, nem protestam. Uma boa máquina de calcular tornou-se o supremo órgão do pensamento. Os cursos de filosofia, de literatura, de teatro, de cinema, de música são artes de empobrecer alegremente, salvo casos geniais, que se descobrem, sobretudo, depois de mortos.
2. Para I. Kant, o ser humano não tem preço, tem dignidade. Nunca deverá ser um meio. É sempre um fim. Nas sociedades pluralistas em que vivemos, se os imperativos éticos não forem incondicionais, se a moral não tiver uma justificação, uma fundamentação, estas não serão pluralistas, mas relativistas, pois não haverá distinção entre bem e mal, tudo será aceitável - "vale tudo" -, basta que corresponda às tendências actuais, aos desejos de cada um, à moda. A pura actualidade sem horizonte, dominada pelo corropio das notícias, sem referência a uma orientação de longo alcance, tende a considerar tudo provisório, com medo do império de falsos absolutos. Será uma época que tem cada vez mais recursos, mas também um tempo de "meios sem fins".
As propostas éticas - que não sejam a sua negação - estão todas inseridas numa tradição. Procuram interlocutores na história.
Paul Ricoeur, sem juramentos de fidelidade ortodoxa a nenhuma delas, situou-se na confluência das tradições aristotélica e kantiana. Apresentou, várias vezes, o seu programa, da forma mais sintética: "A ética tem como objectivo a vida boa, com e para os outros, em instituições justas."
Como diz A.-J. Festugière, a norma para o grego não é "tu deves" (como é para Kant), mas "tu podes" ser humano, podes ser feliz.
Onde está o fundamento ético da reforma? Encontra-se na historicidade da condição humana. Não somos, vamos sendo. Importa que em todas as idades da vida, possamos contar com previdências e providências pessoais, comunitárias e sociais, para quando já não tivermos condições para cuidar de nós e dos outros.
Numa civilização pragmatista, os idosos não valem, estorvam; estão fora de prazo de validade. Paradoxo: caímos numa sociedade de idosos sem saber o que fazer com eles. Mas os reformados não podem ser indesejados e arrumados a um canto, à espera da morte, com medo ou como alívio.
3. Na chamada 3.ª idade reproduzem-se todos os aspectos da vida. Os idosos podem ser acarinhados ou maltratados, considerar-se indispensáveis ou a mais. Com a reforma - cuja idade pode variar - cessa a vida profissional, mas não acaba uma competência desenvolvida ao longo da vida. Deverá ter oportunidade de servir a comunidade, de fazer voluntariado, onde puder e quiser. Os idosos têm muito para dar, mas precisam de quem mostre alegria em receber.
Diz-se que já não produzem, mas quem contabiliza o que eles representam na família e na sociedade? A vida humana só se conta em euros? Fundamental é a sabedoria, mas quem sabe o seu preço?
Os idosos foram, em todas as culturas, considerados a sua memória viva. Fazem falta aos gestores de hoje. Os bons conselheiros não são, apenas, as pessoas de grande competência técnica. Sem sabedoria deita-se a perder o que ilusoriamente se ganhou.
Como escreveu Catarina Nunes, "um dia o mundo será um grande lugar onde ninguém é visto como velho, mas como alguém mais adiantado na jornada da vida". A isto se poderá chamar solidariedade entre gerações.

quarta-feira, junho 13, 2012

Santo António, Baptista-Bastos e Vasco Graça Moura - que caldo!


Não é fácil encontrar-se o jeito de dizer certas coisas que tantas vezes se sentem, mas ainda são difíceis de pensar porque não se encontraram as palavras certas, e, menos ainda, se as arrumaram umas a seguir às outras. Volta e meia repito isto, com estas palavras ou com outras parecidas.
Enquanto professores, seja de que saber técnico ou científico seja, devemos estar disponíveis para falar aos nossos alunos de coisas que lhes tocam como pessoas e os podem respeitar ou ofender na sua condição de cidadãos.
Neste espantoso texto de Baptista-Bastos, que encontrei na edição on line de hoje do Diário de Notícias, destaco duas ideias muito bem expressas com as tais palavras tantas vezes tão difíceis de encontrar:
"O niilismo moderno oculta-se na ideologia que domina a Europa, e os aparentes equívocos não são exercícios de estilo ou miniaturas verbais: constituem peças para aumentar a confusão geral. A Imprensa pouco ou nada esclarece do que se passa no interior da superfície; as televisões são caudais de frivolidades; os comentadores somente glosam e, na maioria, anotadores sem risco e sem reflexão. Alguém tem de sacudir esta inércia que nos está a liquidar como povo e a destruir, visivelmente, a nossa democracia - se é que a democracia alguma vez foi nossa."
A segunda ideia é esta:
" Quando D. Januário Torgal Ferreira declara: "Apetece-me dizer: vamos todos para a rua! Não vamos fazer tumultos, vamos fazer democracia"; diz, afinal, que nos devemos saber defender, que aprendamos a nos precaver contra o ovo da serpente. E, sobretudo, nos insurjamos perante as pequenas limitações de liberdade e de justiça, que nos aplicam em nome da "inevitabilidade" e do "equilíbrio do sistema." "
As palavras do bispo - Opinião - DN
Na edição on line do Diário de Notícias podemos encontrar, ao lado do artigo de Baptista-Bastos, um outro, também de opinião, de Vasco Graça Moura.
Neste artigo, VGM, mais uma vez destila o seu asco praticamente visceral a certos grupos de pessoas, muitos jovens, que, desta vez, cometeram o "pecado mortal" de irem ver o Rock in Rio; e fá-lo mais uma vez a partir de ideias preconcebidas, que ele próprio denuncia resultarem de se deixar levar pelas aparências: "E pelo aspecto, muitos deles integram as hordas de indignados que aparecem por aí noutras ocasiões."
É pena que ele faça assim, o texto, no essencial, é duma clareza e duma acutilância que saúdo, na mesma linha do que no outro artigo Baptista-Bastos faz também:
"É neste clima de fuga à realidade e amplificações ensurdecedoras que o verdadeiro rock da pesada muda de nome e de cenário. Passa a chamar-se Euro 2012. Agora, não lhe faltará o singular empenhamento da comunicação social, engendrando expectativas desmesuradas de triunfo e criando em todas as almas verdadeiramente lusitanas o frisson patriótico daquelas manhãs de nevoeiro em que uma redenção colectiva nos há-de chegar pela biqueira ágil dos craques, pondo termo às nossas angústias."