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domingo, janeiro 12, 2025

#TOLERÂNCIA 14 – O SER HUMANO É SELECTIVAMENTE TOLERANTE?

#TOLERÂNCIA 14 – O SER HUMANO É SELECTIVAMENTE TOLERANTE?


Um dos livros que mais me encheu as medidas em 2024 foi o “A Vida, a Grande História, uma Viagem pelo Labirinto da Evolução”, de Juan Luis Arsuaga (Temas e Debates, Círculo de Leitores,
2021)


Na página 25, escreve o autor assim:

“Há uma teoria que explica a cooperação, a solidariedade e o altruísmo dos animais como consequência da concorrência entre grupos, não entre indivíduos nem entre genes, e que na actualidade tem o biólogo Edward O. Wilson como o seu mais insigne defensor. Segundo esta doutrina evolucionista, os indivíduos sacrificam-se pelo bem do grupo, existe um altruísmo verdadeiro e não um falso altruísmo que, na realidade, esconde um enorme egoísmo genético. As sociedades complexas de alguns tipos de insectos sociais, como as abelhas, as formigas e as térmitas, nasceram assim através da chamada selecção de grupo. Segundo E.O. Wilson e outros autores, este seria também o nosso caso: somos o resultado da selecção de grupo.

“O lado sinistro desta teoria é que aquilo a que nós, seres humanos, chamamos «virtude», que pode chegar ao acto heróico de dar a vida no campo de batalha, seria apenas a face amável da luta sem piedade entre grupos que já vem das nossas próprias origens porque o herói morre, matando. A solidariedade dentro do grupo explica-se pela intolerância face aos restantes grupos.”

Vem-me à cabeça que a notável ocorrência do primeiro Natal da Primeira Grande Guerra, aparentemente, não confirma o pensamento de E.O. Wilson. Reproduzo aqui o que a Wikipédia escreve a propósito do que ficou na História como a “Trégua de Natal”:

“A trégua é vista como um momento simbólico de paz e de humanidade meio a um dos eventos mais violentos da história moderna, mas não foi universal: em algumas frentes de combate a luta continuou durante todo o dia, enquanto em outras foi feito apenas o trabalho de recolher os corpos. No ano seguinte, algumas unidades estavam dispostas ao cessar-fogo durante o Natal, mas a trégua não foi tão divulgada como em 1914, devido em parte às ordens dos altos comandos de ambos os lados, que proibiram tal confraternização. Em 1916, após as sangrentas batalhas de Somme e Verdun e com o início do uso generalizado de gás venenoso, os soldados de ambos os lados cada vez menos enxergavam seus adversários como humanos, e a trégua de Natal não voltou a ser realizada.”(1)

O que há nesta, repito, notável ocorrência que faz vencer a Tolerância sobre a Intolerância? Penso que são os Valores, a Cultura, a Tradição. Valores, Cultura e Tradição carregados do afecto da Humanidade, do afecto da Família, do afecto do Amor.

Acho que temos aqui mais outra pista para a Pedagogia e a Educação da Tolerância.

(1) https://pt.wikipedia.org/w/index.php....

Fonte da fotografia: Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=473845: Cruz deixada próximo a Ypres, Bélgica (1999) em comemoração aos 85 anos da Trégua de Natal de 1914.

#tolerância#tolerance#Tolerancia#tolérance#tolleranza#toleranz#tolerantie#宽容#寛容#관용#सहिष्णुता , #סובלנות#हष्णत#Ανοχή#Hoşgörü#tolerans#toleranță#толерантность#التسامح ,

domingo, maio 31, 2020

PARTILHAR É CONDIÇÃO NATURAL DO SER HUMANO

1) No âmbito da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, explorei com uma turma do 8.º ano de escolaridade, um inquérito de David Sloan Wilson, professor de Biologia e Antropologia, inquérito esse que acabou por se tornar um clássico no trabalho de alunos de Psicologia e de Biologia, a propósito do tema da Evolução do Ser humano.

2) No inquérito, muito simples, é pedido aos estudantes que indiquem as características que associam ao bem, e as características que associam ao mal.

3) Acabei por também fazer o inquérito a alunos do ensino secundário, recolhendo 30 respostas válidas do básico e 32 do secundário.

4) No geral, as respostas dos meus alunos alinham genericamente com as respostas que conheço do inquérito original, com ligeiríssimas variações. A primeira característica má é mesmo completamente sobreponível nos 3 casos: egoísmo.

5) No meu inquérito, acrescentei duas perguntas: que os alunos indicassem exemplos de pessoas boas e más que encontrassem na comunicação social. Só uma escolha passou os 50% dos 62 alunos; e foi nas pessoas más: foi Donald Trump.

6) Coerente, na prática, com a sua bem explicitada concepção de governação de um dos países mais poderosos do Mundo, Donald Trump tem retirado os E.U.A. de todos os acordos de cooperação ou regulação internacional que pode, o Presidente norte-americano não pára. Precisamente nesta altura, chega-me a casa este 'cartoon' tão elucidativo.

7) As circunstâncias em que o Mundo vive no tempo presente, amplificadas pelo massivo, acelerado  e muito agressivo comportamento da Comunicação Social, em geral, com fluxos e refluxos de informação e desinformação, são de molde a alimentar a dúvida, a insegurança e a incerteza dos cidadãos: vamos continuar com a nossa casa (leia-se: o nosso país) de portas abertas, deixando entrar e podendo sair; ou vamos, ao invés, fechar-nos em casa e aconselhar a que os outros façam o mesmo?

8) Penso que a questão não deve ser colocada na dicotomia "pessoas boas 'versus' pessoas más"; mas antes entre as características boas e as características más das pessoas. Um exemplo actual, flagrante, é a trágica e brutal morte da Beatriz às mãos do Rúben. Até à tremendamente infeliz situação, o rapaz era praticamente um modelo de jovem cidadão, ele encaixava perfeitamente na lista das características das pessoas boas, os seus comportamentos pessoais e sociais testemunhavam-nas todas. Até que...

9) Sou muito céptico na filosófica questão da luta entre o bem e mal. Veja-se o caso de Hitler, como ele dá testemunho da tão intrínseca fragilidade do seu humano: super-simplificando as coisas, podemos dizer que ele "tentou" ser bom, quando se candidatou à Escola de Belas-Artes de Viena. Não o tendo conseguido, o mal escancarou-se dentro dele, e toda a sua ascensão social e política mostra como um simples vírus, de uma única pessoa, pode disseminar-se, acordar parceiros adormecidos ou em estado latente noutras pessoas e dominar completamente um poderoso país, e quase o Mundo todo.

10) Estarão os grupos humanos condenados à vitória do mal sobre o bem? Não, creio convictamente que não estão. Com a mesma convicção, afirmo que resignarmo-nos a essa sorte, deitar a toalha ao chão, é negarmos a nossa própria natureza. E é essa consciência e essa pedagogia junto, não apenas dos mais novos, mas de todos os cidadãos do Mundo, que é a razão de ser deste apontamento.

11) Não vou invocar Konrad Lorenz, já o fiz bastas vezes. Vou onvocar António Damásio e David Sloam Wilson. Damásio leu Wilson, não sei de Wilson leu Damásio. No que aqui trago, Damásio fala de altruísmo e Wilson fala de partilha.

12) Diz António Damásio:
«A cooperação desenvolveu-se como irmã gémea da competição, o que ajudou a seleccionar os organismos que exibam as estratégias mais produtivas. Consequentemente, quando hoje nos comportamos de forma cooperativa, com uma certa dose de sacrifício pessoal, e quando designamos de altruísta esse comportamento, isso não quer dizer que os seres humanos tenham usado o seu bom coração para inventar a estratégia cooperativa. [...] A questão do altruísmo é um excelente ponto de partida para a distinção entre as primeiras "culturas" e a sua variedade madura. O altruísmo tem a sua origem na cooperação cega, mas pode ser analisado e ensinado no sei das famílias e nas escolas como estratégia humana deliberada. [...] Nada garante que resulte sempre, mas existe como recurso humano consciente, presente através da educação.» (1)
13) E diz ainda o seguinte:
«A homeostasia básica tende a cumprir o seu dever relativamente a cada organismo cultural separável e nada mais. Deixados por sua conta, sem o efeito equilibrante de esforços civilizacionais determinados, visando algum grua de integração, e sem o benefício de circunstâncias favoráveis, os organismos culturais não tendem a coalescer.» [aglutinar, ligar, unir] (2)  

13) Por seu lado, David Sloam Wilson afirma:
«Esta e outras experiências revelam que a mentalidade humana se baseia fundamentalmente na partilha. [Não serão o altruísmo e a partilha o oposto do egoísmo?] Se não partilhámos intenção e atenção, nem sequer podemos fazer uma coisa tão simples como apontar para um objecto de interesse mútuo e muito menos partilhar os nossos comportamentos e representações simbólicas. Felizmente, a partilha faz parte do nosso meio social externo há tempo suficiente para se ter incorporado geneticamente nas nossas mentes, tão profunda e subconscientemente que não a reconhecemos como partilha até a estudarmos por métodos científicos.» (3)
14) As constatações científicas  de Wilson devem ser muito do agrado dos defensores da completa separação ente o Homem e os outros animais: é que os nossos parentes evolutivos mais próximos não apresentam esta capacidade de partilhar; mas o bebé humano, espontaneamente, apresenta!

15) O que será uma contrariedade para os criacionistas é terem de admitir, simultaneamente, que a competição, essa sim, é parte intrínseca do património comportamental tanto de símios como do Homem. Em conclusão, o que nos eleva é o altruísmo, é a partilha.

16) Penso que acabamos por nos confrontar com as duas grandes tarefas dos grupos humanos: a transmissão cultural (a Educação), e a regulação da vida cívica (a Política).

17) E voltamos à ideia dos jovens sobre as pessoas más, voltamos a Donald Trump. O que tenho achado especialmente interessante e promissor é ver que, apesar da quase violenta assertividade dos presidentes Trump e Bolsonaro (a 2.ª escolha, também destacada dos meus alunos), os sistemas de distribuição democrática de poder, regulando, aplacando a intensidade do egoísmo, e do despotismo, funcionam: ao nível dos governos regionais, de estados, ou distritos, os todo-poderosos presidentes têm de aceitar e resignar-se ao limite do seu próprio poder presidencial.  Logo, a Política é mesmo importante! A regulação formal da vida cívica, não pondo, como simbolicamente se diz, todos os ovos no mesmo cesto, é amiga da, está em sintonia com ela, condição básica, genética, do ser humano: a partilha, o altruísmo.
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(1) António Damásio, "A Estranha Ordem das Coisas", 2017, Lisboa, Círculo de Leitores - Temas e Debates, p. 322.
(2) António Damásio, "A Estranha Ordem das Coisas", 2017, Lisboa, Círculo de Leitores - Temas e Debates, p. 299
(3) David Sloan Wilson, "A Evolução para Todos", Lisboa, Gradiva, 2007, p. 244.