domingo, fevereiro 27, 2011

Uma palavrinha de apreço à morsa Uquq, nos Estados Unidos da América

Na mais recente edição portuguesa da revista da National Geographic (Março 2011), na rubrica "Visões da Terra", a segunda fotografia é do fotógrafo Pete Barrett e é legendada assim:
"Estados Unidos Uquq, uma morsa com 16 anos, descontrai debaixo de água no parque de diversões Six Flags Discovery Kingdon. Apenas 16 morsas vivem em cativeiro nos EUA e os nascimentos nestas condições são raros."
Bem, tanta coisa implícita que mereceria ser comentada!... Não tenho tempo para isso. Mas também não quero deixar de dizer alguma coisa:

  1. A começar, o eufemismo do editor da fotografia que diz que a morsa "descontrai" debaixo de água. Em qualquer prisão, o que é, afinal, o comportamento de "descontrair"?
  2. Depois, o parque de "diversões". Diversões, com certeza, mas não da morsa. Duvido que ela se divirta... então não a prenderam ali para trabalhar, ainda por cima à custa de muito treino e imposto condicionamento?...
  3. A necessidade do autor, quiçá tomado por algum sentimento de culpabilidade, acrescentar a segunda frase na legenda, dizendo que "apenas" 16 morsas vivem em "cativeiro" (qual gato escondido com rabo de fora, mesmo que tenha sido capaz de evitar esta palavra na primeira frase, não foi capaz de conseguir o mesmo a seguir).
  4. Mas o peso do "cativeiro" era de tal forma grande que ainda teve necessidade de acrescentar a segunda oração desta segunda frase, acentuando que os nascimentos nestas condições são "raros".
  5. Finalmente, o absurdo de sabermos que o cativeiro de alguns animais (mesmo que não seja o caso das morsas) é, hoje em dia, a derradeira hipótese de salvação da espécie.
  6. Ah! Agora é que vem mesmo a última coisa, é a versão da legenda da fotografia no sítio da National Geographic na Internet: Uquq, a 16-year-old Pacific walrus rescued from the Alaska coast, lingers underwater at California's Six Flags Discovery Kingdom. Only 18 walruses live in captivity in the U.S., and births among them are uncommon. Dá para ver a responsabilidade da tradução, não dá? Será que se a tradução para português estivesse mais próxima do original eu teria pensado o que pensei e teria escrito o que escrevi?...

segunda-feira, fevereiro 21, 2011

Criança sobreviveu ao abutre, fotógrafo sucumbiu à dor - JN

 ©2000 Kevin Carter StarvingChild in Sudan
Agradeco ao meu amigo facebookiano Arménio Morgado, o acesso a esta notícia.
É muito importante que a notícia seja lida na sua totalidade. Há muita matéria para pensar, discutir e ajudar-nos, a todos nós, a esforçar-nos para sermos cada vez melhor pessoas, cada vez mais solidárias.
Ler aqui: Criança sobreviveu ao abutre, fotógrafo sucumbiu à dor - JN

sábado, fevereiro 12, 2011

Gonçalo João Lemos

Deixei no Facebook do Gonçalo uma mensagem do tipo daquelas em que a gente tenta dar a volta por cima relativamente a um acontecimento trágico, terrível, brutal, que, de repente, nos choca profundamente: a morte inesperada, fora do seu tempo, de um jovem; a morte de um amigo, a morte de um aluno a quem nos ligam laços de intenso carinho.
O Gonçalo João não era um aluno brilhante, mas era brilhante, radiosa, a maneira como à sua volta, em resultado da sua boa disposição, do seu gosto em viver e do seu prazer em conviver, se espalhava uma ambiência de alegria e bem-estar que a todos fazia bem. Dava gosto tê-lo na aula, com prazer provocávamos o seu sorriso contagiante; e não era preciso praticamente nenhum esforço para consegui-lo. Uma vez, ao cair do dia, na Ria Formosa, numa atividade escolar, foi mordido por um bicharoco de tal forma que se pôs seriamente a possibilidade de o levarmos ao hospital. Tentou esconder a situação para não nos incomodar. Nunca mais nos esquecemos da maneira tranquila, simpática e alegre como encarou a situação, parecia que estávamos nós mais feridos do que ele. E lá animou ele a noite outra vez... assim que voltámos com ele do hospital.
Depois de ter deixado a escola, a nossa amizade não fraquejou; poucos vezes nos reencontrámos, mas tínhamos a sensação de que estávamos sempre juntos. Não havia experiência de saudade, nem de ausência, entre nós.
Como ouvi dizer um dia num programa de candidatos a estrelas da televisão britânica, há pessoas que parece que aparecem do nada, ali à nossa frente se mostram e, sem que qualquer esforço façam para isso, têm um impacto muito grande sobre nós e quem mais está à volta. O Gonçalo João foi para mim uma dessas pessoas. Foi daquelas pessoas que me ajudou a apurar o gosto de viver, a fazer o balanceamento dos valores da vida e a apreciar tranquilamente a urgência das obrigações.
A morte brutal deste meu querido aluno reacendeu em mim o pânico visceral que tenho às motas. Ironicamente, tenho amigos motards tremendos!... Apetece-me esconder-lhes as motas, torná-las inoperacionais.
Infelizmente, já passaram para o outro lado da vida, antes de mim, mais alunos do que deveria ser, e que eu gostaria que acontecesse.
Querido Gonçalo, ontem e anteontem, quando dei as minhas aulas, eu estava profundamente ferido. Lembrei-me do teu exemplo na Ria Formosa e tentei segui-lo. Achas que consegui?
Abraço-te com o tal abraço, o maior que alguma vez te dei.