segunda-feira, março 28, 2011

A velhinha que vai a passar

Um pequenino texto em homenagem de aniversário a um querido amigo:


Uma velhinha deliciosa fez anos no passado dia 26. Fez 14 anos.
Trouxe-a para aqui, presa numa fotografia que roubei (Imaginem!... A Cristo, a Joaquim Cristo).
Parabéns, Velhinha! Tiveste um dia de anos feliz e alegre, não foi? Ora bem!...
(Em época de mudanças na escrita por causa do Acordo Ortográfico, veja-se como se escrevia em bom português ainda não há muito tempo)


CERTA VELHINHA


Além, na tapada das Quatorze Cruzes,
Que triste velhinha que vae a passar!
Não leva candeia; hoje, o céu não tem luzes...
Cautella, velhinha, não vás tropeçar!
(...)
Além, na tapada das Quatorze Cruzes,
Que linda velhinha que vem a passar!
E que olhos aquelles que parecem luzes!
Quaes velas accezas que a vêm a guiar...
(...)
Além, na tapada das Quatorze Cruzes,
Velhinha tão alta que vem a chegar!
Parece uma Torre côada de luzes!
Ou antes a Torre de Marfim, a andar!
(...)
Além, na tapada das Quatorze Cruzes,
Já não é a velhinha que vae a passar:
Um grande cortejo cheiinho de luzes,
Anninhas da Eira que vae a enterrar.
(...)    
Além, na tapada das Quatorze Cruzes,
Que triste velhinha que vae a passar!
E que olhos aquelles que parecem luzes...
Aonde irá ella? Quem irá buscar?


António Nobre, in 'Só



P.S. Ah!... O amigo homenageado é o Zé Geadas

"O segredo é amar", como diria Sebastião da Gama

É claro que fiquei muito satisfeito com a revogação da avaliação dos professores, votada na semana passada pela Assembleia da República. [O Governo e a liderança dos deputados do Partido Socialista falam em aproveitamento eleitoralista... não sei (e interessará saber?, no meio de tanta coisa que tem acontecido na governação e na política do País?... Prefiro pensar: "Deus escreve direito por linhas tortas"]
Na altura em que foi o momento próprio para o fazer (2009, 2010), protestei pessoalmente, por escrito, contra este modelo de avaliação dos professores. Ato contínuo, reclamei ser submetido à forma mais exigente de avaliação prevista pelo modelo, para publicamente mostrar que o não temia.
Por isso, nesta hora, tomado, naturalmente, ainda por alguma inebriante satisfação, exorto (Que legitimidade tenho eu para o fazer?...) os meus companheiros de célebres manifestações na rua, a que o poder político nos obrigou, a apurarmos o rigor e a exigência no nosso trabalho, assim mostrando a zelosos fiscalizadores burocratas, que não necessitamos do seu olhar desconfiado, denegridor e inquisitório, ali mesmo em cima dos nossos atos e dos nossos procedimentos. Menos inquisição anatómica de métodos, mais enobrecimento de almas entusiasmadas na partilha de saberes, como logo aos 24 anos muito sabiamente intuiu Sebastião da Gama, quando se apresentou aos seus alunos, no início do seu estágio de professor.
Proponho duas frases, geograficamente vizinhas (páginas 216 e 217, na edição portuguesa da Porto Editora) na obra de Daniel Pennac, Mágoas da escola: "Neste mundo, é preciso ser bom demais para ser o suficiente." [Dans ce monde il faut être un peu trop bon pour l'être assez.] e "Basta um professor - um único! - para nos salvar e nos levar a esquecer todos os outros." [Il suffit d'un professeur - un seul - pour nous sauver de nous même et nous faire oublier tous les autres.]
Esforcemo-nos todos por um dia sermos este professor assim.

sábado, março 12, 2011

Resposta aberta à minha querida parceira facebookiana Dina

Querida Dina,
Um dia, recebi no consultório um rapazinho do 4.º ano de escolaridade, que estava com problemas de aprendizagem: dava muitos erros, a professora queixava-se que ele era um rapaz fechado, que não facilitava nada a comunicação, não colaborava para resolver os problemas de aprendizagem.
Eu gostei do rapaz logo ao primeiro contacto: tinha um ar triste, mas também preocupado; o olhar era afirmativo, mas mostrava curiosidade em relação a mim, quer dizer, estava aberto, disponível para conversar comigo.
Apresentei-me, fiz-lhe perguntas, vi-lhe os cadernos; ele colaborou sempre muito diligentemente. Foi uma grande surpresa para ele quando eu lhe dei os parabéns pelos erros que fazia. Disse-lhe que eram sinal de uma inteligência muito grande, que tinha a preocupação de entender a lógica das coisas. Soube depois que ele foi resolvendo muito satisfatoriamente os seus problemas na escola. E voltámos a encontrar-nos. Não sou mais descritivo porque não quero afastar-me do objetivo principal deste apontamento.
Um dos erros que ele fazia era escrever "casá" onde deveria escrever "casa".
Ora isto tem a ver com uma das preocupações que nortearam este acordo ortográfico: dar primazia à dimensão fonética da palavra escrita, em deterimento da dimensão etimológica.
Repare, Dina:
  • a primeira coisa que lhe ensinaram na escola foi que a letra "a" se lia "á"
  • e ensinaram-lhe que os acentos servem para modificar os sons das letras.
  • assim, no entendimento dele, em que a sua inteligência lhe exigia que percebesse a lógica das coisas, aquilo a que nós chamamos o "á fechado", que é a maneira de ler a letra "a" final da palavra "casa", para modificar o som natural da letra "a" (que se lê "á"), ele teria de usar o acento para fechar o tal "a" final da palavra "casa".
  • quer dizer, na lógica do que se ensina às crianças logo à entrada para a escola, do ponto de vista do desenvolvimento psicológico, do ponto de vista da inteligência, a forma mais correta de escrever a palavra "casa" é mesmo a maneira como ele escrevia! "Casá". Nós é que temos sempre andado ao arrepio de muita lógica simples do desenvolvimento da inteligência verbal e da lógica das letras e das palavras no nosso cérebro.
  • ele não queria desistir dos seus erros porque ele sabia que a sua lógica estava correta! Desistir dos seus erros era desistir da inteligência que ele estava seguro possuir; mas não tinha poder para enfrentar a tradição, a escola, a sua professora... Por isso se calava.
  • ora, o que eu fiz, foi confirmar-lhe a correção do seu raciocínio lógico ("Finalmente!..." terá ele pensado. "Finalmente alguém me entendeu!...")
  • assim que viu confirmada a sua inteligência, ele ficou mais disponível para aceitar as relações e os caminhos complexos que vão da palavra falada à palavra escrita, e vice-versa.
Tive muita pena deste rapazinho, fiquei com muita admiração pela tenacidade da sua personalidade e pela defesa que fazia da sua inteligência; e adorei conhecê-lo, senti muito orgulho em poder ser confidente de uma pessoa assim.
Este atual Acordo Ortográfico ainda não resolve esta questão da letra que se ensina que é o "á", mas que assim que se usa numa palavra básica, muito familiar, se lê "â (fechado)" e que o que se lê "â" não precisa, afinal, de acentos (os tais que existem para modificar o som natural das palavras).
Contudo, pelo facto de ser um acordo que procura aproximar a palavra escrita à sua fonética simples, respeitando melhor a lógica da construção percetiva da palavra; exatamente por isto, estou de acordo que alguma coisa se faça.
Mas temos de estar de mente aberta e flexível para as afinações necessárias. No fundo, o que queriam que o meu rapazinho fizesse, mas sem darem atenção ao desenvolvimento espontâneo, legítimo e inteligente da sua inteligência.
Pode crer, Dina, eu gostaria muito de saber qual será a sua reação natural a esta "coisa" do Egipto e dos egípcios. No fundo, o facto de a palavra escrita e da palavra dita comportarem várias dimensões (fonética, etimologia, contextos sociais locais, etc.) obriga a compromissos, a cedências.
O meu rapaz, quando lhe confirmaram a sua inteligência, quando lha respeitaram (e por isso o respeitaram a ele), aceitou ceder.
E nós, que estamos nós dispostos a ceder a propósito de uma língua que, por nossa própria "culpa", se tornou a língua natal de imensos milhões de pessoas que vivem, pensam e falam, bem para além do nosso jardim à beira mar plantado?
E os autores do Acordo, que estão eles dispostos a pensarem sobre os limites satisfatórios de (mais esta) tentativa de aproximação de falantes e escritores  da mesma língua, tão falada em todas as partes do Mundo?

O toque de Midas do Empreendedorismo

Também a especialista em Comunicação Social Felisbela Lopes, investigadora da Universidade do Minho, veio hoje à televisão bater no ceguinho (o ceguinho é a escola, os professores e os alunos) e dizer que começamos na escola a não ter a cultura do empreendedorismo, por isso é que as coisas estão como estão. Minha nossa! De repente, qual toque de Midas, onde o empreendedorismo toca nasce a solução de um problema. Como se os gravíssimos problemas em todo o mundo não tivessem resultado de esforços empreendedores! O que não tem faltado ao mundo é empreendedores. Mas empreendedor não é sinónimo de justo, nem solidário! O que fecha o futuro aos jovens não é a SUA falta de empreendedorismo, mas sim a ÉTICA (a falta dela) de tantos empreendedores que tomaram conta de todos os poderes na POLÍTICA, na ECONOMIA e na JUSTIÇA, SEM ÉTICA NENHUMA e gerem as nossas vidas a seu bel-prazer! Apesar de tudo, nas escolas, os professores ainda tentam que os alunos parem, escutem, olhem, pensem e criem valores! E os jovens estudantes continuam a ter uma apetência natural, instintiva, para uma sociabilidade saudável, amiga e solidária.

sexta-feira, março 11, 2011

Damn! I thought I knew that!

Vou escrever aqui coisas que vão aparecendo ao sabor do que o meu programa de doutoramento mandar.
Agradeço todos os contributos, em qualquer língua.
Damn! I thought I knew that!: Damn! I thought I knew that!: "I don’t know, but I like to think that the sentence “Damn! I thought I knew that!” is a kind of child, or grandchil of that one students use..."

segunda-feira, março 07, 2011

"Respire", manda o Ricardo. E eu, pronto, respiro.

Meu querido Ricardo, mais uma vez gostei muito! Não sei se foi essa a intenção, mas nos tremendos e muito claros contrastes de nitidez e de profundidade, que variam constantemente, a gente vê o vai-vem da respiração. A difusão dos contra-luzes e das poeiras brilhantes a levantar do chão; os gestos e os movimentos dos personagens que "abafam" ou abrem o espaço da imagem, "afinam pelo mesmo diapasão". Bem bom, sinceramente, bem bom! Grande abraço!