domingo, dezembro 15, 2013

MANDELA - UBUNTU

MANDELA - UBUNTU

Que testemunho extraordinário! Catadupa de acontecimentos vitais notáveis que nos fazem pensar sobre as fascinantes raízes do espírito ubuntu. Esta palestra já aconteceu depois da morte de Mandela, no passado dia 5. Este testemunho tem tanto mais significado quanto - diz-nos António Mateus, agora, diretamente de Qunu - Nelson Mandela um dia confessou, entre amigos, que foi no meio da Natureza, onde ele brincava na sua infância com os seus companheiros, e onde foi mais feliz, em contacto com a vida selvagem, e através dos animais, que aprendeu que a integridade dos outros, o bem-estar dos outros é uma responsabilidade nossa.

segunda-feira, dezembro 02, 2013

Formidável!... Obriga-nos a pensar!...

FORMIDÁVEL!... HIPNOTIZANTE!... ASSUSTADOR!...
Arte digital espantosa, mas que deve pôr-nos a pensar com muita seriedade. É um extraordinário exemplo de como é possível, hoje em dia, alterar "rigorosamente" a experiência percetiva da Realidade objetiva.
A ver e rever; para pensar e discutir em conversa amena.
Do site da TVI24 transponho para aqui o seguinte texto:
André Boto foi eleito Fotógrafo Europeu do Ano em 2010, pela FEP (Federação Europeia de Fotógrafos). O trabalho na edição e montagem de imagens valeu-lhe o prémio. O fotógrafo português publicou recentemente um vídeo no YouTube onde revela alguns dos «segredos» para passar de uma fotografia normal a uma imagem extraordinária.
O vídeo de quase cinco minutos parte de uma fotografia normal captada em Segóvia, Espanha, e mostra o trabalho de edição e montagem, através do programa Photoshop, para conseguir uma imagem final que parece ilustrar um cenário tirado de um filme de fantasia.
Os poucos minutos do vídeo não mostram, no entanto, as cerca de seis a sete horas queAndré Boto demorou na execução da imagem e as «muito mais horas que isso a planear, pensar e projectar as dificuldades e a escolher as imagens correctas para se integrarem», explicou ao tvi24.pt.

segunda-feira, novembro 18, 2013

Dia do Homem, 19 de novembro

Ontem reli, por óbvias razões, o discurso do Nobel de Doris Lessing, no qual a escritora consagrada desafia os assentos cómodos de quem a ouve com história da africana sofrida pela tantas vezes repetente falta de água. Na escassez de tudo, a africana lê intensamente a Ana Karenina de Léon Tolstoi. E com a história do outro africano, a escritora faz eco do lamento que guarda os livros sem, aflitivamente, os ler. Não os lê porque não quer perder a oportunidade de lê-los, mas não o faz por causa medo de que, em os usando, eles se sujem e, por isso, se percam: e os livros são tesouros.
Qual aguilhão, fez-se-me à mente, ato contínuo, em absoluta consciência, o avô Celestiano de Mia Couto; mas não era "esse" o livro de Mia Couto que eu queria, era "aquele" outro que eu tinha na cabeça.
http://www.universodosleitores.com/2013/04/
escritores-mia-couto.html
Hoje (vá lá, não foi preciso passar muito tempo! E vindo - que bom! - ainda a tempo), algures na montanha eternamente kilimanjárica dos livros e papéis, confundidos e amontoados, na minha mesa de trabalho, encontrei "aquele" livro, o tal, de Mia Couto, o que fala de mistérios à volta de um morto e de velhos que passam numa varanda sobre a terra e sobre o mar.
O lema da celebração deste ano do Dia do Homem (que eu, sinceramente, não sei se já alguma vez eu me tinha dado conta de que existisse... Hoje em dia as Nações Unidas, a União Europeia, a Unicef e tantas outras super-entidades celebram tanta coisa!...) é Manter os homens e os rapazes em segurança (Keeping Men and Boys Safe). Seja. A segurança de uns e outros tem muito a ver com a sabedoria que recebem, por tradição dos outros homens, os velhos - os que percebem que os seus corpos se tornaram os espaços de estágio da morte.
Esses, os homens que sabem que vão morrer, entretanto, estão a morrer. Mais, estamos a matá-los. São esses a quem - ironia das ironias; absurdo dos absurdos - estamos a tirar toda a segurança! A segurança que na celebração das Nações Unidas deste ano reclamamos para os que não são ainda velhos. Quer dizer, aos homens e rapazes de hoje estamos a roubar, pelo que hoje roubamos aos homens mais velhos, a oportunidade de um dia serem eles mesmos também velhos. Velhos de idade, velhos seguros por causa da sabedoria que trazem consigo; e velhos sábios por causa da segurança que nós, em sociedades organizadas, soubermos trazer-lhes ao seu cansaço, às suas rugas, às suas experiências de vida.

«- Escute, senhor inspector: o crime que está sendo cometido aqui não é esse que o senhor anda à procura.
- O que quer dizer com isso?
- Olhe para estes velhos, inspector. Eles todos estão morrendo.
- Faz parte do destino de qualquer um de nós.
- Mas não assim, o senhor entende? Estes velhos não são apenas pessoas.
- São o quê, então?
- São guardiões do mundo. É todo esse mundo que está sendo morto.
- Desculpe, mas isso, para mim, é filosofia. Eu sou um simples polícia.
- O verdadeiro crime que está a ser cometido aqui é que estão a matar o antigamente.
- Continuo sem entender.
- Estão a matar as últimas raízes que poderão impedir que fiquemos como o senhor…
- Como eu?
- Sim, inspector. Gente sem história, gente que existe por imitação.
- Conversa. A verdade é que o tempo muda, esses velhos são uma geração do passado.
- Mas estes velhos estão morrendo dentro de nós.
E batendo no peito, a enfermeira sublinhou:
- É aqui dentro que eles estão morrendo.»

Mia Couto, A Varanda de Frangipani (2010). Ed. Caminho, pp. 59-60.

ATUALIZAÇÃO, em 21nov13

Um povo que não respeita os seus avós não tem memória nem futuro – o Papa na missa desta terça-feira



RealAudioMP3 

Um povo que não respeita os seus avós não tem memória e não terá futuro. Esta a mensagem principal do Papa Francisco na missa desta terça-feira na Casa de Santa Marta. No dia de hoje comentou os acontecimentos bíblicos do idoso Eleazar que escolheu o martírio por coerência com a sua fé em Deus e para dar testemunho de retidão aos jovens.
Este homem, Eleazar – disse o Santo Padre – escolheu a morte recusando a atitude de fingir, de fingir piedade, de fingir religiosidade. Eleazar um homem de fé e coerência:

“ A coerência deste homem, a coerência da sua fé, mas também a responsabilidade de deixar uma herança nobre, uma herança verdadeira. Nós vivemos um tempo no qual os idosos não contam. É triste dizê-lo, mas são descartados! Porque incomodam. Os idosos são aqueles que nos trazem a história, que nos trazem a doutrina, que nos trazem a fé como herança. São aqueles que, como o bom vinho envelhecido, têm esta força dentro de si para nos darem uma herança nobre.

Neste momento da homilia o Papa Francisco contou uma pequena história que aprendeu quando era menino. Os protagonistas são uma família: pai, mãe, tantos filhos e um avô que quando comia a sopa sujava a cara. O pai aborrecido com tal comportamento comprou uma mesinha à parte para o avô e explicou o facto aos filhos. Um dia mais tarde, regressando a casa, encontra um dos seus filhos a brincar com um pedaço de madeira e pergunta-lhe o que estava ele a fazer. A resposta não se fez esperar: Estou a fazer uma mesinha para ti, para quando fores velhinho como o avô!

“Esta história fez-me tão bem, toda a vida. Os avós são um tesouro. “
É verdade que a velhice, às vezes, é um pouco triste, pelas doenças que surgem, mas a sabedoria que têm os nossos avós é a herança que nós devemos receber. Um povo que não conserva os avós, um povo que não respeita os avós, não tem futuro, porque não tem memória, perdeu a memória.” (RS) RealAudioMP3 

Evolução, seres vivos. Era uma vez...

The amazing world of living things: a short story about Evolution
(subtitles in English)
Trabalho interessante, com animação clara sobre assuntos que nem sempre são fáceis de compreender. Ah! E é mesmo assim: ao contrário do que estamos habituados, a narração é em português e as legendas são em inglês!

This animation explores concepts of Evolution, and how the diversity of living beings arose from a common ancestor. The video focus on the Tree of Life, where all living beings are related, and how new species originate. In the end, the contribution that studies on evolution bring to other research areas and to the society is approached.


domingo, novembro 03, 2013

MEMÓRIA DE UM SABOROSO ALMOÇO

MEMÓRIA DE UM SABOROSO ALMOÇO
Em Lisboa, nos Olivais Sul, no dia 31 de outubro de 2013


Estávamos satisfeitos – muito satisfeitos mesmo! – quando nos sentámos à mesa do restaurante. Os trabalhos na escola, durante a manhã, tinham corrido muito bem!

Optámos por ficar na esplanada, à sombra. O tempo já não está muito convidativo para estas opções, mas na frescura húmida da hora havia ainda uma réstia do calor sul-europeu para saborear.
A escolha da comida foi fácil de fazer, apontámos no cardápio as tradicionais febras e o bacalhau à Gomes de Sá. A Marisa Matias, com a-propósito, trouxe a história da origem dos pastéis de bacalhau. Pegando as azeitonas, falámos doutras coisas, no fundo, aperitivos trocados entre gente que se sentia ali bem, naquela mesa, com a presença dos outros convivas.
O almoço aconteceu como todos queríamos que acontecesse: sem pressas e sem delongas demasiadas, com a conversa a fluir tranquilamente entre coisas mais sérias, outras mais pitorescas, outras ainda mais pessoais. “Ó Marisa, se continua assim, vou dar o dito por não dito e, afinal, vou deixar que algum dos meus alunos faça o trabalho monográfico consigo! Já disse agora tanta coisa que não está no trabalho da Daniela do ano passado que dá para fazer um trabalho novo inteirinho!...”
Repetiam-se risos entre garfadas; repunha-se o vinho nos copos, sem nunca os encher, assim controlando qualquer eventual excesso, que a boa disposição, quase disfórica, tornava tentador. Também, por vezes, como já o dei a entender, franziam-se os rostos, o presente e o futuro de Portugal e do Mundo não deixam ilusões de esperanças e entusiasmos. O único caminho é a solidariedade empenhada, o resto… O resto tem de trazer qualquer coisa de bom, não pode ser de outra maneira!
Sem que fosse intencionado ou antecipado, quando o almoço caminhava já para o desenlace que todos os almoços têm, emergiu um momento criado em efeito direto da ambiência afetiva que a Marisa, a Ana, o Flávio, o Acúrcio e eu mesmo alimentávamos. Numa carinhosa cumplicidade silenciosa, quase instintiva, entre os mais velhos, o Flávio recebeu, convergindo em uníssono, os olhares de todos os seus companheiros de mesa: ele nunca saiu de Portugal e naquele instante ele foi confrontado com a confirmada possibilidade de o fazer – a Bruxelas, no final de janeiro de 2014, com alguns parceiros da bela jornada da manhã. Foi um momento que nos deixou a todos profundamente contentes!
Até que chegou o momento das teimas de quem pagaria o almoço. O Acúrcio, o vizinho mais próximo destes lugares, com outra cumplicidade – neste caso, a do empregado do restaurante – levou, como de costume, a melhor.
http://www.idadecerta.com.br/blog/?tag=velhinha
Enquanto o momento das contas decorria, uma senhora – como nos habituámos, por tradição, dizer: uma velhinha – aproximou-se da mesa. A Marisa e a Ana, uma dum lado da mesa e a outra do outro lado, eram as que estavam do lado de fora, em mais imediato contacto com o espaço público para lá da esplanada. A senhora idosa chegou-se à cabeceira da mesa e exibiu numa pequena cesta de vime alguns produtos – uma ou duas embalagens de chá e outras tantas de folhas de louro, um frasco de mel, e mais uma ou outra coisa; no seu braço esquerdo, pendurados, alguns trabalhos, toscos, em lã – pegas de cozinha, quase todos.
A senhora agarrou no pequeno frasco de mel, exibiu-o-nos e perguntou se algum de nós queria comprar aquilo. A Ana perguntou quanto custava e a senhora respondeu-lhe que era um euro. A Marisa ficou logo igual à Ana: quer dizer, bem visivelmente, de coração tomado por imensa ternura pela frágil senhora, senhora idosa sem oportunidade de saborear o descanso que as imensas e bem cravadas rugas do rosto, a magreza de ossos de toda a sua figura, a curva irremediável das suas costas, as largas lentes dos óculos, e o sorriso que eu adivinhava perdido há muito, lhe outorgavam em bem profunda humana legitimidade.
Com gestos cuidados, prudentes, a Marisa e a Ana procuravam bondosamente “enganar” a senhora: os gestos, não obstante cuidadosos, mostravam alguma atrapalhação, que, esperávamos todos nós, a senhora não se apercebesse. As nossas companheiras de mesa queriam ajudar a senhora, mas queriam fazê-lo respeitando, com a dignidade que a senhora, fosse quem fosse, fossem quais fossem os pecados feitos durante uma vida visivelmente longa, merecia; não queriam – não queríamos - que a coisa parecesse uma esmola condoída dada a uma pobrezinha num ato de circunstancial e despachada piedade humana.
Entre pôr moeda e tirar moeda, ficaram duas moedas de 2 euros em cima da mesa para pagar o euro do frasco de mel. “Fica assim…”, diziam a Ana e a Marisa. A atrapalhação que as nossas companheiras de mesa não queriam denunciar tornou-se agora bem nítida nos gestos e na voz da frágil senhora: olhava o frasco de mel, as moedas postas em cima da mesa, abria e fechava a boca sem nada dizer e sem alguma vez mudar a expressão séria e triste do rosto. Nós parámos, suspensos, na expetativa do que iria dizer ou fazer. Quase gaguejou, a senhora, mostrando-nos o cansado indicador da mão direita: “Falta um…” . A todos nós pareceu que aquele preço era bem mais justo para aquele frasco de mel do que o euro pedido pela senhora. Respirámos todos aliviados!... Enquanto, claramente satisfeitas, a Ana e a Marisa respigavam mais moedas nas suas carteiras, a senhora perguntava se não queriam comprar mais alguma coisa. Exibiu a embalagem da folha de louro, a do chá de lúcia-lima, e ergueu o braço esquerdo para vermos bem as toscas pegas de lã.
Nesta altura, a toalha da mesa já mostrava pelo menos quatro moedas de 2 euros e uma moeda de 1 euro, só para, “discretamente”, pagar o frasco de mel. A Ana perguntou à senhora quanto custava o saquinho de folhas de louro. Era cinquenta cêntimos. A Ana puxa de mais uma moeda, penso que de um euro, e estende-a para a senhora: “Olhe, fica assim…” A senhora, sempre com os mesmos gestos lentos, sempre com o mesmo rosto que todos queríamos ver abrir um pouco mais, devolvendo-nos um sorriso, por pequenino que fosse, a dar-nos sinal de que estava a sentir-se bem – sorriso esse que nunca veio, a velha senhora sabe que a vida vai continuar a ser dura para ela e vai continuar a exigir-lhe esforço em vez de descanso -; a senhora, dizia eu, olhou as moedas que estavam em cima da mesa, olhou a seguir a Ana e, com a firmeza que a fragilidade da voz gasta da vida ainda lhe permitia, disse-lhe, abrindo a mão solta, a mão direita, como o fazem as mãos francas: “A senhora já pagou, já não é mais nada…” E apontou à Ana as moedas em cima da mesa.
Eu fiquei com um nó na garganta, e estou convencido de que ficámos todos. Levantámo-nos da mesa, a senhora recolheu as moedas, agradeceu e seguiu o seu caminho. Ela sabe onde o caminho a vai levar, não faltará muito tempo; e nós, que ali continuámos juntos, em saborosa partilha, também bem sabíamos onde os tão exaustos e tristes passos que se afastavam de nós naquele momento iriam chegar e finalmente deixar descansar as pernas que sempre os conduziram.
Quais serão as condições de vida desta idosa senhora?... O que é que a sociedade desenvolvida que ela ajudou a criar lhe dá agora, ou melhor, lhe tem tirado e lhe tem negado? Os poderosos, a gente sabe o que eles fazem quando é a hora deles darem ou tirarem às pessoas. Esta senhora, massacrada pela vida – já o disse: sejam quais sejam os pecados que tenha feito até hoje -, quando foi hora de ser ela a decidir, escolheu ser honesta com o seu próximo, ali mesmo, quando a oportunidade de juntar mais uma preciosa moeda para a sua sofrida sobrevivência era fácil, estava ali escancarada à sua frente com a bondade discreta das senhoras deputadas; bondade esforçadamente discreta mas traída pela abundância de moedas, que a própria senhora percebeu estarem em exagero perante o valor dos objetos da rudimentar troca comercial. Que sabem os senhores poderosos do Mundo desta senhora? Levaram-lhe, e continuam a levar-lhe, todos os dias, a paz e o sossego que os carregados anos de vida legitimam à senhora, a qualquer senhora desta idade; mas não conseguiram levar-lhe a dignidade! Que exemplo!... Que lição!...
Que manhã, esta!... Tão cheia de humanidade! Valeu o esforço que prepará-la? Valeu a viagem “louca” da Marisa e da Ana, de Aveiro a Tomar; e de Tomar a Lisboa? Valeu o esforço do Flávio, que juntou, com a sua disponibilidade, mais exigências às exigências que o seu dia a dia de estudante lhe coloca? Valeu, sim senhor! São estas coisas que na vida, nos encontros humanos, valem a pena!
Beijinho grande, de muita gratidão, Marisa! Outro para a Ana! Um abraço, ao mesmo tempo paternal e fraternal ao Flávio; à Daniela e ao Fábio! Ao mano Acúrcio, o abraço do costume!

Confesso que já imaginei a senhora descansando num leito quentinho e aconchegado; a fechar a olhos, esfregando mansamente a cabeça contra a almofada para a fazer ao jeito das curvas do seu rosto. Eu, debruçado sobre ela, ajeito-lhe o lençol e os cobertores, faço-lhe uma festa na cabeça, digo-lhe “Bom descanso… Até amanhã…”, apago a luz e fecho devagarinho a porta do quarto atrás de mim.

domingo, outubro 27, 2013

Pensar a Europa - mudou a hora!

Durante a noite que passou, a Europa mudou a hora.
Depois chegou a manhã. Durante a manhã, logo que ela começou, eu liguei o computador e fui à Internet. Abri a página do Diário de Notícias. "Se a Europa não conseguir repensar-se, é o seu fim" é o título que me chama imediatamente a atenção; a frase é do professor António Sampaio da Nóvoa. Ligo a televisão enquanto me sento à mesa a tomar o pequeno-almoço. Sintonizada na TVI24, a caixa que mudou o mundo traz-me um debate promovido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos - estão a pensar a Europa! Dum lado, fala-se de Política e dos partidos; do outro, fala-se de matrizes culturais e sobretudo religiosas.
O pensamento automático traz-me a imediata conclusão: Anda toda a gente a pensar a Europa! A seguir, ri-me... E sem me engasgar!
http://www.guiageo-europa.com/mapas/globo.htm
A seguir ao pensamento automático, pensei outras coisas, como acontece sempre fazermos a seguir aos pensamentos automáticos. E a maneira como comecei este texto mostra logo o caminho que eu tomei a pensar:

  1. É fácil tomarmos o todo pelas partes - basta até uma ou duas partes, mesmo ficando muitas por levar em conta.
  2. É fácil forçar o pensamento das pessoas - na verdade, a hora não muda só na Europa; mas deu-me jeito agora acentuar que isso aconteceu agora na Europa.
  3. Sinto que me fez muito bem ter lido há algum tempo um quase velho livro sobre a História da Europa. Um livro sem fotografias, sem imagens, só com palavras, com textos. O livro foi escrito por um autor italiano, senhor que, evidentemente, teria os seus todos e as suas partes (Ui! Como a língua portuguesa está sempre por aí pronta a ser traiçoeira...). Não me lembro agora do nome dele, emprestei o livro, talvez mais logo, ainda hoje, consiga trazer para a qui a identificação clara do autor; e também do livro.
  4. Com a leitura do livro fiquei com uma ideia sobre a Europa, a sua História, as suas dinâmicas e lutas intestinas  que me fazem ver com um grau de clareza que muito me satisfaz tudo o que vejo acontecer por essa Europa fora; e pelo Mundo fora com a Europa metida no barulho desse Mundo.
  5. Os europeus em que tantas reflexivas e doutas cabeças pensam são pessoas - pessoas cheias de violência irracional, de ódios aprendidos, de rivalidades acumuladas, de ânsias de domínio; mas também de espantosas capacidades de inventar e descobrir (Piaget é um notável europeu), de criar laços de fraternidade e de amar profundamente.
  6. Apetece-me trazer a ajuda de um gigante da Língua Portuguesa, com quem partilho o nome próprio. Cantou ele, a fechar enfaticamente o poema: "Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez. Senhor, falta cumprir-se Portugal!"
  7. Pois bem, apetece-me dizer: "Cumpriu-se o desenvolvimento, e a Europa se fez e desfez. Senhores, falta pensar a sério nas pessoas."
  8. A Europa tem estruturas políticas (nacionais e interpaíses), sistemas de organização social, desenvolvimento material e conhecimento (científico e filosófico) bastantes; falta olhar honestamente as pessoas que compõem os povos, olhar com o necessário respeito às suas necessidades, anseios e caraterísticas pessoais, da irracionalidade ao amor de que falei lá atrás. Mais nada.
  9. Pois é, para mim só falta mesmo pensar a sério nas pessoas. Penso que é isso que agora tantos movimentos cívicos de cidadãos independentes procuram reclamar. Vamos a isso! E os políticos de profissão ou carreira que não caminharem nestes caminhos ou o percorram perversamente (os velhos lobos disfarçados de cordeiros não vão deixar de existir, seguramente) não deixarão de contar com a indispensável e muito humana tolerância e certamente poderão contar com o seu lugar na Europa: deixar-lhes-emos os lugares lá bem atrás da fila.

sábado, outubro 19, 2013

Palestrar sobre o cérebro, a Natureza e os organismos. E simetria.

             
 Manhã bonita, muito agradável, com tempo para chegar com todo o vagar do Mundo ao Museu Nacional de História Natural,  no edifício da velha Escola Politécnica (e depois Faculdade de Ciências), para participar numa conversa descomprometida sobre simetria, Natureza, seres vivos e cérebro.
                Logo que saí de casa marquei mentalmente o estabelecimento para tomar o café: a pastelaria que fica mesmo em frente à Faculdade de Ciências, com marcas bastantes, todas elas simpáticas, da presença do patrono da minha escola – Eça de Queirós. Gosto daquele interior luminoso e familiar; gosto do aspeto dos bolos, salgados e outras iguarias no largo balcão, formando um gigante éle; gosto do atendimento pessoal e gosto da envolvência do estabeleciemento; e gosto do tempo vagaroso que experiencio sempre que ali vou.
                Tive tempo de, a chegar ao meu destino matinal, numa nesga de rua bem declivosa, olhar a cúpula e as torres sineiras da Basílica da Estrela bem iluminadas pelo Sol; eu ia mesmo à procura de cenários ou pormenores bonitos – faltavam 25 minutos para a palestra começar, o vagar era o que desejava… Peguei na máquina fotográfica, puxei o ‘zoom’ ao máximo… clique! Olhei o resultado. Era melhor tirar outra, as linhas das verticalidades e das horizontalidades estavam como eu queria, mas – dúvida metódica - talvez tivesse ficado um pouco tremida; não se via no écrã da máquina, contudo, não fosse o diabo tecê-las…
                Como gosto de fazer, a certificar-me dos vagares que gosto de saborear, fui até
à imponente e respeitável entrada da Faculdade, antes de ir ao café da manhã. Ó diabo!, tudo fechado! Mau!... Não me digam que não é aqui!... Eu tinha-me certificado do local e da hora antes de sair de casa… Será que não recebi algum email de última hora? Afinal, o correio destas palestras já falhou comigo antes por duas ou três vezes…
                Mudei o ‘chip’, do registo lento-vagaroso para o operativo-dinâmico. Estuguei o passo, e, voltando para trás, passei para o lado de dentro do portão lateral, procurei uma porta aberta. Sim, ali estava uma, com o que era preciso encontrar naquele momento: um senhor porteiro devidamente identificado. Sossegou-me, sim, que não me preocupasse, estava tudo em ordem, as portas abririam 5 ou 10 minutos antes. Agradeci, sorrindo com simpatia para o senhor e alívio para mim. E voltei ao ‘chip’ anterior. Ora bem, o que tinha de fazer a seguir? Ah, pois, o café…
                Entrei no estabelecimento Cister e lá estava, à minha espera, a vagarosa e simpática ambiência que eu queria encontrar. Dirigi-me ao balcão. Do lado de lá, o empregado, ainda visivelmente senhor de mais anos de juventude do que adultícia, fez-me um discreto sinal de saudação e de que aguardasse enquanto fazia o apuro da despesa de um cliente que, à minha esquerda, já tinha posto o corpo a meio jeito de sair da pastelaria. Chega a minha hora: “Um café, se faz favor.” O meu interlocutor anui com um aceno de cabeça; sorri e traduz, em voz mais alta do que quando me cumprimentara: “Sai uma bica!” Achei piada à assertiva tradução.
                Enquanto aguardava pelo café, perdão!, pela bica, outro empregado, o da sala, tão jovem e adulto quanto o que eu tinha à minha frente, chegou à zona de serviço do balcão e faz um pedido em voz alta para dentro do balcão, claramente para alguém que ele não olhava mas sabia que estaria a ouvi-lo, mesmo que fosse na zona de trabalho mais afastada daquela em que ele se encontrava.
                O tom de voz do rapaz foi tal que eu reagi ao que ele disse. Captei a tonalidade firme do pedido que percorreu o ar mesmo à minha frente e tomei consciência de que só depois me esforcei por dar atenção à mensagem em si; a minha memória imediata ainda estava disponível e escrevi antes que me esquecesse – e escrevi porque achei piada ao pedido: “Sai uma bica em chávena fria pingada com leite frio!” Olhei para as outras pessoas que estavam do lado de dentro do balcão: um senhor, convincentemente com ar de patrão, tanto pelos anos de adultícia que aparentava como pela roupa que vestia; e uma senhora, de faces bem rosadas e bata branca, que não deixava dúvidas quanto à sua relação com as doçarias expostas em todas as montras, as do interior do estabeleciemnto e as que estavam nas montras de seduzir a rua. Pois ninguém parecia, naquele momento, ter ligado ao pedido da razoavelmente complexa bica.
                O empregado de mesa, que entretanto se afastara para junto das mesas, sem esperar que alguém lhe respondesse, voltou à zona de serviço e pediu no mesmo tom de voz firme: “Saem duas bicas escaldadas!” Respondem-lhe do lado de dentro do balcão: “Bica fria pingada com leite frio.” Reparei que a devolução deixara cair o “em chávena”. Vai a bica pingada na mão do rapaz, que volta logo de seguida com novo pedido: “Sai uma bica curta em chávena fria”. Do lado de dentro do balcão, a mesma indiferença visual! No fundo, tudo acontecia no universo das coisas que apenas se ouviam, no universo do rigor das palavras e dos pedidos dos clientes; e do universo da memória prodigiosa, disciplinada, educada em anos de atenção bem focada das pessoas do lado de dentro do balcão! Ninguém corria; tudo parecia discreto e lento. Eficácia absoluta; e tranquila.
                Eu saboreava a bica, mais lentamente do que é meu hábito, lembrando-me que, na escola, costumo pedir, quando há tempo para brincar, com a fórmula “Café quente em chávena morna a fugir para o frio”. Até deu tempo para olhar para trás, um barulho vindo da entrada despertara a minha atenção: era um casal que entrava com uma criança bem pequena e eu não percebi se o que ouvi da criança era um protesto ou um esgar de contentamento. Era contentamento. Sentaram-se na mesa mais ao pé de mim, logo ali atrás. Mais do que o café, eu saboreava aquele espetáculo todo à minha volta.
Pouco depois, dei-me conta de que um silêncio prolongado se instalara nas trocas entre o lado de fora e o lado de dentro do balcão. Só se ouvia, qual folhagem pouco densa agitada pela brisa, os murmúrios cruzados das pessoas sentadas nas mesas. O rapaz da sala encostara-se ao balcão de serviço e agora dobrava um papel de tabuleiro. Parecia estar a fazer um avião… Um avião!?... Ali?... Não, não podia ser… Eu, quando era pequeno, era assim que fazia os aviões de papel… Ali, com o patrão ali perto?... Talvez estivesse a improvisar uma caixa para um cliente levar algum bolo ou alguma metade de sandes… Ah, pois, devia ser isso!... Deixei-me ficar a ver, não fiz nada para apressar que me recebessem o dinheiro da bica. Olha!... Era mesmo um avião de papel!
                Eu continuava a sentir a estranheza daquele tempo de silêncio, acentuado por aquele avião que crescia nas mãos do jovem adulto de voz firme e clara. “Rúben, estás bem?”, oiço eu então, palavras pronunciadas pela senhora “culpada” da doçaria, bem do meu lado direito. O empregado de mesa, sem deixar de continuar o seu avião, denunciou ser ele o Rúben: “Estou muito caladinho, não é?...” A seguir riu-se. A senhora pasteleira riu-se também e confirmou que estranhava estar ali sem fazer nada que ele mandasse…
Sim, sim. Afinal ele queria alguma coisa dela: queria fita-cola para colar as asas do avião que acabou naquela altura de fazer. Mesmo não sendo assunto da área em quer reinava, a senhora arranjou ao rapaz das mesas o que ele queria. Ao mesmo tempo que eu me voltava para me ir embora, o improvisado mecânico de aviões entregava a sua construção ao miúdo que me tinha obrigado a voltar para trás e vê-lo entrar com os pais. Percebi que eram, o miúdo e os seus pais, clientes habituais. Serei mais rigoroso se disser que o improvisado homem dos aviões – que sorte a oportunidade aberta pela acalmia dos pedidos dos clientes! – terminou o avião, não o deu para as mãos do miúdo, mas fez o avião voar à frente do miúdo. Foi buscá-lo onde ele caiu, desta vez, sim, deu-o ao miúdo e apontou-lhe uma parede. O miúdo olhou para o grande – grande na perspetiva dele, pequenito – homem que lhe sorria e desafiava. O homem grande insistiu em desafiá-lo, apontando a parede: “Vá, atira para ali!” O miúdo pôs o avião em posição de lançamento, bem seguro na pequenita mão direita. Olhou ainda mais uma vez o fabricante do avião. Reparei que hesitava. Hesitava e fez vencer a sua vontade: apontou o avião à porta e lançou-o.
Eu ri-me, cheguei-me ao rapaz-quase-adulto e quase-tão-criança como aquela a quem ele se dirigia naquele instante, pus-lhe por trás a mão do ombro, e aproximei tanto quanto pude a boca ao seu ouvido. Seguramente que ele percebia o meu hálito a café. Percebeu também que eu me ria: “Ó homem, então você dá ao miúdo um avião assim desse tamanho e quer que o miúdo o ponha a voar aqui entre paredes… É claro que um avião desses é para subir bem alto no ar, o miúdo só podia lançá-lo porta fora! Não lhe apetece a si ir lá para fora e fazer o que o puto fez?...” Só nessa altura nos olhámos olhos nos olhos. “Tem toda a razão…” disse-me ele a rir-se, “tem mesmo toda a razão…” Dei-lhe duas palmadas cordiais no ombro, pisquei-lhe o olho e disse-lhe: “É bom a fazer aviões. Continue! Os miúdos gostam. Até um dia destes!” Ele agradeceu-me e eu saí.
Dois ou três minutos depois abriam finalmente as velhas – e as novas, de vidro – portas da Faculdade de Ciências.
Mas o meu dia na Pastelaria Cister ainda não tinha chegado ao fim, ainda havia vagar no tempo para mais uma coisa: cá fora, um dos toldos dizia “Confeitaria”; outro dizia “Pastelaria”; ao centro, entre estes dois, o terceiro dizia “Fundado em 1838”. Entrei outra vez, a senhora dos bolos percebeu que eu queria alguma coisa; e perguntou-me o que precisava eu. Respondi-lhe que queria só fazer uma pergunta, não queria tomar mais nada; e, se calhar, nem era a ela que eu devia fazer a pergunta, talvez fosse melhor ao patrão. Ela disse-me, apontando ao que certeiramente presumira ser o patrão: “O patrão é aquele senhor, mas se o senhor quiser perguntar-me, eu talvez saiba responder-lhe. O que é que o senhor quer saber?...” Agradeci à senhora, e fiz questão de respeitá-la na sua disponibilidade, mesmo que estivesse praticamente seguro de que a senhora não me iria responder: “A pergunta é esta: lá fora diz que este estabelecimento é uma pastelaria e uma confeitaria, mas não diz «fundada» mas «fundado»…” A senhora interrompeu-me e disse-me: “Ah, pois, esse assunto terá de ser mesmo com aquele senhor, o patrão….” Agradeci-lhe, mesmo assim, tão simpaticamente quanto pude e repeti a pergunta ao senhor, que me deu logo atenção. Ele reagiu com alguma atrapalhação. Para lhe facilitar a interpelação, perguntei-lhe se tinha a ver com «estabelecimento» e não com «pastelaria» e «confeitaria». O senhor respondeu-me: “Olhe, não sei… nunca tinha pensado nisso…” Voltou-se para trás, pegou num cartão da casa e deu-me, convidando-me a ver o cartão com atenção. Agradeci-lho, mesmo percebendo que o senhor me estava delicadamente a despachar. Mas, pronto, quem sabe?, um dia destes vai voltar a pensar sobre uma coisa eu até hoje nunca tinha pensado.
Muito bem, cheguei ao limite do meu vagar. Eram mesmo horas de me chegar à Sala Azul do Museu da Faculdade de Ciências, onde o atraso do Professor Maquiavel me deu tempo de tirar fotografias à baleia-comum pendurada do teto numa sala linda do Museu, bem ali ao pé do improvisado Café da palestra que era, desde o início, o motivo de ter ido hoje para aquela zona da cidade de Lisboa.

O que andam os matemáticos à procura?

Mestre Maquiavel, da Universidade do Porto, que começou na Matemática pela que será, aparentemente, a mais afastada do comum dos mortais, a Pura, lançou-nos hoje de manhã, no inventado Café, ali à esquina de um dos corredores do (ainda) majestoso edifício da Faculdade de Ciências de Lisboa, na famosa Rua da Escola Politécnica, para falar sobre a simetria na Natureza e no Cérebro, a seguinte pergunta:
- De que andam os matemáticos à procura?...
Hora do almoço a chegar, ele antecipou-se às nossas conjeturas e adiantou: - É de padrões.
Que o peixe do meu colega de mesa que estava lá em casa à espera dele para ser arranjado me perdoasse, mas não resisti a pôr o dedo no ar, bem esticado para que não deixasse de ser visto. E foi mesmo! Nestas coisas, em que a gente fala como quem brinca, eu não poderia ficar calado sem responder à desafiante pergunta!?...
- "Tudo o que existe, desde a mais ínfima partícula até ao composto mais complexo [quer dizer, da micropartícula à totalidade complexa dos objetos cosmológicos e universais]- dizia eu, tudo está em relação (1), nada existe sozinho, por si próprio, cada coisa relaciona-se com pelo menos uma outra. E as relações desenvolvem-se, acontecem, organizam-se, de acordo com padrões. Será que os matemáticos andam à procura da compreensão das relações e dos seus padrões?..."
O notável animador da sessão de hoje do World Café concordou. Concordou e gostou!

(1) Estais vendo, queridos alunos, a Psicologia está por todo o lado!... Não é só a Matemática!

sexta-feira, outubro 11, 2013

A vida é feita de pequenos nadas, não é?

Hoje estive na escola em "sessão contínua" das oito da manhã às três da tarde. Só depois vim a casa almoçar.
Tomara, como é costume, o pequeno-almoçoas seis e meia da manhã. No primeiro intervalo da manhã, consegui respegar uma banana que tentei digerir discretamente enquanto uma colega me falava de uma ocorrência bem matinal entre alunos, ocorrência essa bem mais difícil de digerir.
Quando estava a chegar a casa, a enfiar o passe do Metro no bolso no pátio largo da saída da estação, em Chelas, tomei consciência de que a fome, difusa, fazia mossa no humor e na genica para me mexer dali.
Quando entro no corredor de acesso à escadaria da saída, vindo precisamente dele, reparo que vem de lá o Roman, que não via há tempos. Ele vê-me no mesmo momento em que eu o vejo. Mesmo à distância vejo que o rosto dele se abre num intenso sorriso - e se são lindos todos os sorrisos genuínos! Logo a seguir estávamos a trocar um valente abraço.
O Roman, assim que desfizemos um abraço, diz-me, muito alegremente: "Ó 'store' nem sabe o que eu vinha a pensar!... Vinha ali atrás e vinha a pensar se  o ia encontrar agora aqui!... E o 'store' aparece mesmo!..."
E pronto, dissemos aquelas coisas que se dizem nestas alturas, divertidas; depois falámos das aulas, do seu curso. Acabou o 1.º ano, está a acabar as férias; na próxima segunda-feira começa o 2.º ano. E depois virá o resto, foi-me ele dizendo com entusiasmo e confiança.
Repetimos, à despedida, o abraço.
A subir as escadas dei-me conta que o humor como eu gosto de sentir regressara; e a genica também. Afinal, mais cedo do que era a minha expetativa de três ou quatro minutos antes. E sem ingerir qualquer caloria, ainda por cima!
Olha se eu tivesse vindo a casa almoçar a horas!... Não teria saboreado este tão agradável momento!
É bom quando o mundá dá as voltas do jeito que a gente quer, não é caro Roman?

sábado, setembro 21, 2013

Hoje conheci uma princesa ciganita

Hoje conheci uma princesa ciganita (21 de setembro de 2013, sábado)
                Hoje, a seguir ao almoço, fui visitar o meu neto nigeriano, que recupera ansiosamente de um osso partido no pé direito. Ansiosamente porque veio para cá atrás do sonho de vencer no futebol e este contratempo põe neste momento em causa a possibilidade de poder continuar no nosso País.

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                Fui pegá-lo ao Centro Pedro Arrupe, para irmos comer um gelado. Cheguei-me ao carro enquanto o KC saía da sala comum e, pelo lado de fora do prédio, passava ao lote a seguir para ir ao quarto compor-se na roupa.
                Ali encostado à porta aberta do carro, à espera, vi vinda da zona em que o meu neto desapareceu, uma menina, uma ciganita, que desceu o breve lance de escadas que ele também teria de descer para vir ter comigo. Trazia dois sacos de plástico volumosos, um em cada mão. Ambos cheios de lixo. Quando passou por mim olhou-me bem olhado; eu já estava a olhar para ela e continuei a olhar para ela, seguindo-a assim até ao caixote do lixo. A chegar lá, a menina olhou para trás, claramente à minha procura. Sorriu quando viu que eu continuava a olhar para ela e ganhou um jeito um pouco exibicionista no modo como atirou ora um, ora o outro saco de lixo para dentro do caixote.
                A menina tomou o caminho de volta e foi logo evidente que passaria ali muito perto de mim. Era uma menina bonita, magrinha, esguia, muito bem proporcionada. Rosto claro, olhos escuros e cabelo comprido apanhado atrás como é tradição na sua etnia. Que figura agradável!
                Eu queria meter conversa com a menina, mas o ambiente dos prédios
à volta inibia-me de o fazer. Só que tive muita sorte! A menina quando chegou outra vez ao pé de mim parou e lançou-me um vigoroso e bem sorridente “ – Olá!”.” – Olá!”, respondi eu.  “És uma menina muito forte!... Levavas cá cada saco!...” A menina-princesa riu-se, olhou para as palmas das mãos, limpou uma na outra e disse-me, pondo um ar de pessoa séria e com o sentido das responsabilidades, desabafou:  - “Agora tenho de ir fazer os trabalhos da escola…” “Ah!... A escola, não é?, já começou a sério, não foi?...” “Sim, já começou…” E antes que eu tivesse tempo de dizer mais qualquer coisa, deixou de olhar para as mãos, que continuava a limpar uma na outra, olhou para mim e perguntou-me: - “Tu não és daqui, pois não?... O que é que estás aqui a fazer?...”
                Eu já admitia que alguém pudesse estar algures a controlar-me: que faria ali aquele estranho a falar com uma miudita do bairro? Pelo menos, - que isso me valesse! - eu estava à vista de toda a gente; e tive o cuidado de não me aproximar mais da menina desde que ela parara ali à minha frente.
                - “Não, tens razão, eu não sou daqui, vim buscar um rapaz que está aqui no Pedro Arrupe e vou levá-lo a dar um passeio comigo, ele é mais ou menos meu neto.”  Disse isto e fiz um gesto bem exuberante a apontar para a entrada do Centro de Acolhimento para que quem quer que fosse que estivesse a controlar-me  pudesse perceber a razão de eu estar ali. – “Onde é que moras?...” perguntou-me a menina. Achei que era conveniente tomar alguma liderança na conversa e respondi-lhe: - “Moro longe daqui, moro nos Olivais e dou lá aulas numa escola.” A menina-princesa arregalou os olhos, e antes que ela dissesse alguma coisa, eu perguntei-lhe: - “Em que ano andas tu?...”“Ando no terceiro ano, a minha escola é ali para trás”, disse-me ela torcendo-se sobre o seu lado esquerdo e apontando quase a 180 graus para trás de si. – “E tu dás mesmo aulas?”, perguntou-me ela olhando outra vez para mim. – “Sim, dou, mas para teres aulas comigo, tens de chegar primeiro ao 12.º ano…”“Tchiii!... Ainda falta muito!...”, disse ela. – “Não te preocupes, vais lá chegar, e se quiseres ter aulas comigo vais à escola que fica ao pé da Quinta Pedagógica… Sabes onde é a Quinta Pedagógica?...” Sim, ela sabia, já lá tinha estado. – “Depois, quando lá chegares, é só perguntares pelo professor de bigode!...” A menina levou a mão direita acima do lábio superior e esticou ali os dedos indicador e médio, colando-os como se de um farto bigode se tratasse. Riu-se e comentou, divertida: - “O professor de bigode?...”
                Entretanto, o KC, o meu neto nigeriano aproximava-se. Ela olhou-o e perguntou-me: - “É este o seu rapaz?...” Não deixei de repara na diferença de tratamento entre o "tu" e o "seu"; já conheço esta transformação, normalmente é de bom sinal. Disse-lhe que sim e ela afastou-se. Já no patamar do prédio, voltou-se para trás, na minha direção, e gritou, com o dedo indicador direito bem apontado para mim: - “Eu não me vou esquecer do professor de bigode!...” Depois disse-me adeus. Eu não qui deixar de  lhe responder ao aceno e disse-lhe também adeus, de braço bem levantado no ar. O meu neto ria-se, comentando que eu já tinha arranjado mais uma amiga.
                Levei, então, dali o KC até ao Spacio, nos Olivais, ele pediu no MacDonald’s um Sunday com ananás – ele não se apercebeu logo que o ananás era de São Miguel, dos Açores, ilha que ele, afinal, conhecia já de maneira muito especial; e eu deleite-me com o meu gelado favorito: Sunday de caramelo, em bolacha, com pedacinhos de amêndoas.
                O encontro com o KC durou cerca de duas horas. Quando o deixei de novo à porta do Centro Pedro Arrupe, ouvi um grito de gente pequena. Olhei em volta, era a minha princesa a chamar-me; e lá de longe fez-me ouvir muito claramente: - “O professor de bigode, não é?... Eu não vou esquecer-me!...” As pessoas que estavam à volta dela olhavam sem perceber o que estava a acontecer. Eu acenei bem vivamente à menina, deixando que todos me vissem bem. Ela atirou-me um beijinho e eu atirei-lhe outro. Dei um abraço rijo ao KC, ele ria-se e abanava a cabeça a dizer mais ou menos assim: - “Avô, arranjas amigos em todo o lado…” – “E que amiga eu arranjei aqui! É uma princesa!...”

                E fui embora dali.

terça-feira, setembro 17, 2013

Santo Agostinho: brincar ou ir à escola; e ser castigado

O meu amigo Luís B. Moniz é o principal "culpado" de uma revisita aos escritos que tenho de Santo Agostinho. Encontrei um que achei ter muito a ver com o recomeço das aulas.
Os responsáveis dos estabelecimentos escolares esforçam-se em receber os alunos com cordialidade, com carinho, com sorrisos; mas não conseguem resistir a lançar firmes avisos da tolerância zero para os atos de indisciplina. Cada vez mais eu me interrogo sobre o que vale hoje a escola na formação integral da pessoa que é cada criança e cada jovem que a frequenta. Tenho cada vez menos certezas, mas também não me angustio com as minhas incertezas.
Creio que a generalidade dos alunos gosta de voltar à escola, mas as aulas são cada vez menos espaço para se gostar de estar, são espaços que despertam cada vez menos entusiasmo para aprender.
Os professores são profissionais com cada vez menos tranquilidade na sua condição profissional e também na sua condição pessoal; e familiar. Os professores são profissionais cada vez mais tolhidos na sua espontaneidade, na sua criatividade, na sua intuição e experiência pessoal por regulamentos, decretos ministeriais, procedimentos administrativos, e outras burocracias...
Não tenho soluções, mas acredito que continua a valer a pena privilegiar a experiência social positiva em sala de aula à preocupação obsessiva de encher as cabeças dos alunos com conteúdos programáticos - até porque, entretanto, seria necessário verificar se eles são os oportunos e ajustados. As lideranças políticas, económicas e financeiras do mundo estão cheias de especialistas de conhecimentos e o estado do mundo é a desgraça que se conhece. Falta na condução do mundo, nas lideranças o que, por exemplo, o ministro da Educação tanto critica: a humanidade, a ética, os valores, a solidariedade e a tolerância que as Ciências da Educação tanto alertam que não sejam descurados. Como diz a expressão popular, bem podem Nuno Crato e outros especialistas esclarecidos e empreendedores limparem as mãos à parede com a linda... coisa que têm andado a fazer!
Por isso deixo, então, aqui esse texto de Santo Agostinho, que ele escreveu há quase 1600 anos. Fala ele de gostar de ir à escola, gostar de brincar; compara crianças com homens de negócios (- Olha!...) e da maneira como uns são castigados e outros não por pecados equivalentes; finalmente, de quem acaba por ficar atormentado pela ira e pela inveja.
O texto:

Na paixão do jogo [da brincadeira]

Ó Deus, meu Deus, que misérias e enganos não experimentei, quando, simples criança, me propunham vida reta e obediência aos mestres, a fim de mais tarde brilhar no mundo e me ilustrar nas artes da língua, servil instrumento da ambição e da cobiça dos homens.
Fui mandado à escola para aprender as primeiras letras, cuja utilidade eu, infeliz, ignorava. Todavia batiam-me se no estudo me deixava levar pela preguiça. As pessoas grandes louvavam esta severidade. Muitos dos nossos predecessores na vida tinham traçado estas vias dolorosas, por onde éramos obrigados a caminhar, multiplicando os trabalhos e as dores aos filhos de Adão. Encontrei, porém, Senhor, homens que Vos imploravam, e deles aprendi, na medida em que me foi possível, que éreis alguma coisa de grande e que podíeis, apesar de invisível aos sentidos, ouvir-nos e socorrer-nos. Ainda menino, comecei a rezar-Vos como a "meu auxílio e refúgio", desembaraçando-me das peias da língua para Vos invocar. Embora criança, mas com ardente fervor, pedia-Vos que na escola não fosse açoitado. Quando me não atendíeis — "o que era para meu proveito" —, as pessoas mais velhas e até os meus próprios pais, que, afinal, me não desejavam mal, riam-se dos açoites — o meu maior e mais penoso suplício.
 Haverá, Senhor, alma tão generosa e tão unida a Vós pelos laços dum ardente afeto, que despreze, não por insensibilidade louca, mas por amor intenso e forte para convosco, os cavaletes, os garfos de ferro e os demais tormentos deste género dos quais os homens em toda parte suplicam que os liberteis? Haverá alguma alma dessas que despreze essas torturas a ponto de rir dos que tão acerbamente temem esses suplícios, como meus pais caçoavam das penalidades que a nós, meninos, infligiam os mestres? Eu não temia menos os castigos do que as torturas, nem Vos suplicava menos que nos livrásseis deles.
Contudo, pecava por negligência, escrevendo, lendo e aprendendo as lições com menos cuidado do que de nós exigiam.
Senhor, não era a memória ou a inteligência que me faltavam, pois me dotastes com o suficiente para aquela idade. Mas gostava de jogar - e aqueles que me castigavam procediam de modo idêntico! As ninharias dos homens, porém, chamam-se negócios; e as dos meninos, sendo do mesmo jaez, são punidas pelos grandes, sem que ninguém se compadeça da criança, nem do homem, nem de ambos. Um juiz reto aprovaria os castigos que me davam, por eu, em pequeno, jogar a bola e o jogo ser um obstáculo ao meu aproveitamento nos estudos, com os quais eu havia de jogar menos inocentemente quando chegasse a homem? Agia, porventura, de modo diferente aquele que me batia, se nalguma questiúncula era vencido pelo seu competidor? Então esse não era mais atormentado pela ira e inveja do que eu quando superado no desafio da bola pelo meu rival?...
(Santo Agostinho, 2010. Confissões. Público 20 anos, Livros que mudaram o mundo, p. 27-29)

segunda-feira, setembro 16, 2013

O melhor presente é...

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Reproduzo agora um pensamento que encontrei no Facebook, com a fotografia que o acompanhava. É capaz de ficar bem aqui hoje, dia em que recebemos os novos alunos na nossa escola:
"The best gift you can give to someone is your time, because you're giving them something you can never get back."
"O melhor presente que alguma vez podemos dar a alguém é o nosso tempo, já que assim estaremos a dar qualquer coisa que nunca poderemos tomar de volta."
É um pouquinho desse tempo, para lá do tempo profissional que, se calhar, os professores podem ainda dar, não obstante as sempre crescentes dificuldades e cada vez mais insuperáveis obstáculos no seu trabalho diário.
É essa também a grande dádiva dos jovens mediadores que se comprometeram já, perante as crianças e os seus pais, a ajudar que a empresa da escola seja mais fácil e saborosa!
P.S. - Ao que parece, ninguém sabe quem é o autor deste pensamento. É certamente de alguém que refletiu sobre as coisas importantes na Vida. Como também fez e disse, entre outros, Nelson Mandela.

quinta-feira, setembro 05, 2013

Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo - será perverso o argumento de Nuno Crato?

Com um tom de voz esforçadamente sereno, apaziguador, seguro da sua própria sabedoria, Nuno Crato, depois de aduzir argumentos assim e antes de aduzir argumentos assado, diz que "estamos absolutamente convictos, SABEMOS (o destaque é da minha responsabilidade, tal como os que virão a seguir) que isto vai DEFENDER A ESCOLA PÚBLICA, isto vai TORNAR MELHOR a escola PÚBLICA melhor e isto vai melhorar o SISTEMA no seu conjunto". Pois...

  1. SABEMOS. Hum... Parece-me que sabem com o mesmo tipo de certeza que Bush e os outros políticos que se juntaram na cimeira dos Açores tinham quando disseram que o Iraque tinha armas de destruição massiva. 
  2. DEFENDER A ESCOLA PÚBLICA. Será mesmo a escola pública que se está a defender?... Ou não será, ao invés, a "outra"?
  3. TORNAR MELHOR. Tornar melhor... a escola pública? E a escola particular é já boa?... Com tudo o que se sabe? Com tudo o que tem vindo ao conhecimento público? Com o que se sabe que é a vantagem dos alunos da escola pública no sucesso no Ensino Superior, não obstante a vantagem (pelos vistos, não relevante) do ensino privado/particular nas classificações finais dos alunos à saída do ensino secundário?
  4. SISTEMA. Hum... Não estará Nuno Crato, falando de "sistema", a DEFENDER, debaixo de um eufemismo, a escola não-pública, que ele reconhece implicitamente que é preciso "TORNAR MELHOR", mas que, por conveniência de identidade social e política ("dinâmicas" de grupos socialmente e politicamente dominantes...) , se disfarça assim... Tão engraçado!... Tanto que Nuno Crato escreveu e dissertou jocosamente sobre "aqueles" das Ciências da Educação que argumentavam com o "contexto" e com o "sistema"!...

segunda-feira, setembro 02, 2013

As aves da bela cidade de Lisboa

EXTRAORDINÁRIO!...
Que espelho encantador para nos olharmos narcisicamente!...
DESTAS, SIM, DESTAS VAIDADES VALE BEM A PENA A GENTE GABAROLAR-SE!
Que lindo o nosso património animal, natural e adaptado! E alguma coisa dos nossos séculos de história!

O almofariz da Escola Portuguesa atual

Sou professor dedicado à escola pública.
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Regresso hoje ao trabalho (sem que dele saísse completamente durante as férias... Tantas coisas boas encontrei, delas logo fazendo desejo de trazer a alunos e colegas!), com o entusiasmo renovado dos outros anos.
Sinceramente penso que o grande desafio dos professores - e dos pais dos alunos! - continua a ser a vitória sobre a escola de que fala Guerra Junqueiro neste seu poema. Aliás, do meu pensamento sobre a escola atual faz parte a convicção de que a "estupidez decretada" e  "esse almofariz" estão mais presentes do que nunca!
Acredito nos professores dedicados. Acredito na vontade de muitos de se tornarem professores dedicados. Assim ganharemos os alunos, até mesmo os mais renitentes à escola e aos professores! Todos os alunos merecem a dedicação dos professores!
Vivemos tempos em que muito teremos - nós, os professores -  de nos esforçar contra o tutelar ministério e a estupidez decretada. Se estivermos unidos será mais fácil.

A Escola Portuguesa


Eis as crianças vermelhas 
Na sua hedionda prisão: 
Doirado enxame de abelhas! 
O mestre-escola é o zangão. 

Em duros bancos de pinho 
Senta-se a turba sonora 
Dos corpos feitos de arminho, 
Das almas feitas d'aurora. 

Soletram versos e prosas 
Horríveis; contudo, ao lê-las 
Daquelas bocas de rosas 
Saem murmúrios de estrela. 

Contemplam de quando em quando, 
E com inveja, Senhor! 
As andorinhas passando 
Do azul no livre esplendor. 

Oh, que existência doirada 
Lá cima, no azul, na glória, 
Sem cartilhas, sem tabuada, 
Sem mestre e sem palmatória! 

E como os dias são longos 
Nestas prisões sepulcrais! 
Abrem a boca os ditongos, 
E as cifras tristes dão ais! 

Desgraçadas toutinegras, 
Que insuportáveis martírios! 
João Félix co'as unhas negras, 
Mostrando as vogais aos lírios! 

Como querem que despontem 
Os frutos na escola aldeã, 
Se o nome do mestre é — Ontem 
E o do discíp'lo — Amanhã! 

Como é que há-de na campina 
Surgir o trigal maduro, 
Se é o Passado quem ensina 
O b a ba ao Futuro! 

Entregar a um tarimbeiro 
Um coração infantil! 
Fazer o calvo Janeiro 
Preceptor do loiro Abril! 

Barbaridade irrisória, 
Estúpido despotismo! 
Meter uma palmatória 
Nas mãos dum anacronismo! 

A palmatória, o açoite, 
A estupidez decretada! 
A lei incumbindo a Noite 
Da educação da Alvoradal 

Gravai na vossa lembrança 
E meditai com horror, 
Que o homem sai da criança 
Como o fruto sai da flor. 

Da pequenina semente, 
Que a escola régia destrói, 
Pode fazer-se igualmente 
Ou o assassino ou o herói. 

Desta escola a uma prisão 
Vai um caminho agoireiro: 
A escola produz o grão 
De que a enxovia é o celeiro. 

Deixai ver o Sol doirado 
À infância, eis o que eu vos peço. 
Esta escola é um atentado, 
Um roubo feito ao progresso. 

Vamos, arrancai a infância 
Da lama deste paul; 
Rasgai no muro Ignorância 
Trezentas portas de azul! 

O professor asinino, 
Segundo entre nós ele é, 
Dum anjo extrai um cretino, 
Dum cretino um chimpanzé. 

Empunhando as rijas férulas 
Vós esmagais e partis 
As crianças — essas pérolas 
Na escola — esse almofariz. 

Isto escolas!... que índecência 
Escolas, esta farsada! 
São açougues de inocência, 
São talhos d'anjos, mais nada. 

(Guerra Junqueiro [1850-1923], in 'A Musa em Férias')

segunda-feira, agosto 26, 2013

O alfa e o ómega da ação humana

Assombrosos exemplos das extraordinárias capacidades de adaptação, de inteligência e de criatividade do ser humano...


Bem conseguida animação da tão triste capacidade de destruição do mesmo ser humano...
(dica muito oportuna do Rui Ferreira)

terça-feira, agosto 13, 2013

A generosidade das pessoas pobres

The poor people are often the most generous.
                Foi uma versão desta fotografia publicada pelo Rui Ferreira no seu mural do Facebook, no sábado, dia 7 de agosto, que fez riscar o fósforo para mais um pequeno lume de escrita.
                Há uma história que trago por passar ao papel desde a aventura Comenius em Rzeszów, na Polónia, no princípio de junho de 2011. Como me pareceu logo que seria uma história simples de contar, e de que seria fácil lembrar-me, fui adiando…
                A fotografia que prendeu a atenção do Rui e que ele quis mostrar a todos exibe o rosto de uma velhinha sorridente que desperta ternura e boa disposição. É em mãos assim que a gente gosta de encontrar a tentação das maçãs, em vez de as recebermos da bruxa má da Bela Adormecida. Simpática em si mesma, por toda a composição, a fotografia no mural do Rui acrescenta, à esquerda da querida velhinha, a afirmação, em inglês, “As pessoas pobres são, muitas vezes, as mais generosas.” Penso que não é só porque sejam pobres, é também porque têm um modo muito particular de estar na vida, que em ambientes de vida simples e essencialmente gregária é, felizmente, comum. Temos tendência a pensar que essa é a ambiência dos campos, onde os modelos de desenvolvimento humano marcado pela ávida acumulação material ainda não tomou domínio. Sendo possivelmente verdadeira esta ideia, a Internet, hoje em dia, também repete outras imagens sobre a generosidade da pobreza, como esta, a do rapaz e do cão.
                Para mim, a imagem desta velhinha tem um extra de carinho e ternura; e de saudade: a senhora parece-se muito, na expressão do rosto, na cor e nas formas das roupas e do lenço na cabeça… Na varanda!... Sim, na posição do corpo à varanda, a senhora, dizia eu, parece-se muito com a minha avó materna, a avó Rosa.
                A história que a fotografia do Rui me trouxe de volta passou-se, como já disse, na Polónia, em Rzeszów, quando ali estava com colegas e alunos numa aventura do projeto escolar Comenius.
                Num momento livre de programa oficial, andava eu com alguns alunos na praça central da cidade, deambulando, sem propósito claro a conduzir-nos; passeávamos, pura e simplesmente, por isso, ora aqui ora ali, um de nós se afastava um pouco e logo depois se juntava ao resto do grupo.
                Numa das vezes de ser eu a estar um pouco afastado, quando olhei à procuro do grupo, ele estava ali bem perto, e reparei que alguns dos miúdos se encolhiam encostados uns aos outros. Todos olhavam na mesma direção: ali bem à frente deles estava um sujeito de ar vagabundo e era seguramente o seu aspeto que intimidava os jovens portugueses. Aproximei-me devagar, esforçadamente desejando não acelerar o passo, mostrando toda a tranquilidade do mundo. O senhor tentava que os jovens portugueses lhe respondessem, alguns deles faziam aqueles esgares que todos nós fazemos quando algum cheiro nauseabundo nos sensibiliza a pituitária.
                Meti-me na conversa e percebi que o senhor tentava falar com a rapaziada em português. Não foi difícil tornar-me o principal interlocutor do senhor. Percebi que ele tinha tentado o sonho de uma vida melhor em Portugal mas as coisas não tinham corrido bem. Falou de várias localidades portuguesas; não foi Lisboa a principal povoação a acolhê-lo, isso sim, uma povoação do interior do País. Teve de desistir e voltar para a terra natal tão ou ainda mais pobre do que quando de lá (cá) saíra. 

Foi uma garrafa destas que o senhor me deu.
                Gostou de estar a conversar connosco e de me ter como ouvinte ativo que lhe sorriu, o cumprimentou e não teve relutância em o tocar com afeto. O senhor tinha na mão um usado saco de plástico. Quando nos preparávamos para despedir, olhou difusamente, e remexeu-se nervosamente, como a gente olha e se agita quando percorremos com a mente o que temos nos bolsos das calças ou noutra coisa qualquer que tenhamos connosco, à procura às vezes nem sabe bem a gente de quê. Meteu a mão direita ao saco e de lá tirou uma cerveja. O saco ficou vazio. Estendeu a garrafa na minha direção e disse mais ou menos assim: “Tome, é para si, é tudo o que tenho, fico muito contente que o senhor a beba, eu depois arranjo outra para mim.” Mostrei-me satisfeito e agradeci-lhe carinhosamente a cerveja, prometendo-lhe bebê-la quando estivesse com amigos e pudesse falar de quem me tinha dado a cerveja; e que, depois, guardaria comigo, em minha casa, a garrafa, para sempre me poder lembrar da conversa agradável que com ele tive na sua terra. O senhor afastou-se de nós. Ia certamente contente; a rapaziada toda agora também estava de rosto alegre por ter participado naquela pequena experiência social que - imagine-se! – levou todos, por uns instantes, pelo protagonismo de um pobre homem, à terra natal de todos. Que situação!... Parecia que as coisas estavam ao contrário: quem tinha aspeto de pedinte era quem dava uma esmola a quem mostrava ser turista em condições de a dar!
                Decidi que não beberia a cerveja sem antes escrever a história. Aqui está.
                Rui, meu querido amigo, quando voltar, daqui a dias, para Lisboa (estou na Horta) vou, seguramente com alguma ansiedade, olhar o prazo de validade da cerveja. Espero que ainda esteja em condições de ser bebida; esteja ou não, será aberta ao pé de amigos, aos quais falarei da história. E porque não saborear a cerveja contigo e mais malta da nossa, Rui? Estás nessa?...


sábado, agosto 10, 2013

Os 10 mandamentos dos nativos americanos

Native American 10 Commandments

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  1. The Earth is our Mother, care for her.
    A Terra é nossa Mãe, toma conta dela.
  2. Honor all your relations.
    Honra todos os teus relacionamentos.
  3. Open your heart and soul to the Great Spirit.
    Abre o teu coração e a tua alma ao Grande Espírito.
  4. All life is sacred; treat all beings with respect.
    Toda a vida é sagrada; trata todos os seres com respeito.
  5. Take from the Earth what is needed and nothing more.
    Toma da Terra o que precisas e nada mais.
  6. Do what needs to be done for the good of all.
    Faz o que tem se ser feito para o bem de todos.
  7. Give constant thanks to the Great Spirit for each new day.
    Agradece constantemente ao Grande Espírito po cada novo dia.
  8. Speak the truth; but only of good in others.
    Diz a verdade; mas só o que é bom nos outros.
  9. Follow the rhythms of nature; rise and retire with the sun.
    Segue os ritmos da natureza; levanta-te e deita-te com o Sol.
  10. Enjoy life’s journey, but leave no tracks.
    Frui a aventura da vida, mas não deixes marcas.

Belo momento de Danças Tradicionais na Horta!

CHINESE ARTS DANCE ENSEMBLE.
Que momentos tão bonitos!... Belo espetáculo ao vivo na Semana do Mar, na Horta!...
Hsiang-Chin Wang, I had no camera with me... :-( Please, accept this as a little tribute to the so nice performance you all had in Horta (Faial, Portugal), in Feast of Semana do Mar, the 8th august 2013. Thank you very much!
 

quinta-feira, julho 18, 2013

Grande abraço de parabéns, Nelson Mandela!

O exemplo de Mandela e de todos os que lhe estão próximos mostra que precisamos, sempre, de nos esforçarmos para sermos justos e tolerantes; há sempre coisas dentro de nós que nos puxam para o comodismo, o egoísmo e o domínio sobre o Outro.
Na nossa natureza, constantemente o espírito Ubuntu, "Eu sou porque tu és" é posto à prova e resvala para a tentação do "Eu sou à custa do que tu és", ou qualquer outra formulação semelhante.
O espírito que Madiba personifica, mas que está para além dele, que se foi consolidando na experiência cultural, histórica, de um grupo humano, é uma opção de modo de vida coletivo, uma proposta que, melhor do que ninguém, Nelson Mandela hoje em dia propõe a todos os grupos humanos (grandes ou pequenos; mais politicamente organizados ou menos politicamente organizados); ao encontro de outros modos de vida coletiva igualmente gregários e solidários e claramente diferenciados de modos de vida que exaltam o individualismo e o sucesso pessoal sustentado na competição e rivalidade muito mais do que na cooperação e na solidariedade.
Sim, que hoje seja dia de celebração; mas a partir de amanhã o desafio para todos nós é o de mantermo-nos merecedores de participar com orgulho e alegria na celebração do próximo ano.

domingo, julho 14, 2013

Liberdade, criatividade, política, educação; e Einstein

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"Einstein acreditava que a liberdade era a essência da criatividade. «O desenvolvimento da ciência e das atividades criativas do espírito», defendeu ele, «exige uma liberdade assente na independência do pensamento em relação às restrições do preconceito autoritário e social.» O cultivo dessa liberdade deveria ser a tarefa fundamental do governo, pensava, e a missão da educação."
(in Einstein, a sua vida e universo, de Walter Isaacson, Casa das Letras, 2007, pág. 449)

sábado, julho 13, 2013

Prosperidade sem Crescimento - revisitar Tim Jackson

"(...) É uma história acerca de nós, as pessoas, a serem persuadidas a gastar dinheiro que não temos em coisas que não precisamos para criar impressões que não vão durar em pessoas com as quais não nos importamos. (...)"
"(...) Porque é que não fazemos as coisas que devíamos tão obviamente fazer para combater as alterações climáticas, coisas tão simples como comprar eletrodomésticos com uma boa eficiência energética, utilizar lâmpadas economizadores, desligar as luzes ocasionalmente, isolar as nossas casas? Estas coisas diminuem as emissões de carbono, poupam energia, poupam-nos dinheiro. Por isso, se bem que façam todo o sentido em termos económicos, porque é que não as fazemos? (...)"
Porque é que a nossa preocupação é manter as girafas afastadas?

sexta-feira, julho 12, 2013

Jane Goodall, o cérebro, os jovens e Nelson Mandela

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Mais do que em anos escolares anteriores, tive no ano letivo que terminou no início do passado mês de junho, oportunidade de abordar com os meus alunos, de forma especialmente clara, os temas e as pessoas que agora encontro, para grande satisfação pessoal, na entrevista de Jane Goodall, que aparece na edição da Visão, a n.º 1061, de 4 a 10 de julho de 2013.
A notável Cidadã do Mundo - pela defesa do Homem, dos Animais, do Ambiente e da Paz - esteve recentemente em Lisboa, no congresso mundial de Rotary Internacional, instituição internacional a que me ligam laços de muito carinho e gratidão, que me proporcionou uma extraordinária viagem à terra de Mandela e da origem do Homem.
A jornalista não usa a forma interrogativa para pôr a Jane Goodall a última questão:
- "Mantém um discurso esperançoso..."
Jane Goodall responde o seguinte, assim fechando a entrevista:
- "Há quatro aspetos que me fazem manter a esperança: o fantástico cérebro humano que pode ser usado para o bem; a resiliência da natureza; a energia e dedicação da juventude, e o indomável espírito humano que herdámos de Mandela. Ele mostrou-nos que é possível concretizar tarefas que parecem impossíveis."

quinta-feira, junho 13, 2013

A crendice mágica infantil do Acúrcio Domingos, o génio de Einstein, a sabedoria de Pestalozzi e a infeliz régua de fazer as contas

            Fazendo fé no que me parece ser uma séria e muito bem conseguida biografia sobre Albert Einstein, o seu autor, Walter Isaacson, na parte em que fala do instável e turbulento desenvolvimento escolar do jovem Einstein, escreve, a certa altura:
“(…) Einstein, aconselhado pelo diretor [do Instituto Politécnico de Zürich], resolveu dedicar um ano a preparar-se na escola cantonal da vila de Aarau, a quarenta quilómetros para oeste [de Zürich]. Era a escola perfeita para Einstein. [Einstein tinha, nesta altura, 16 anos de idade] O ensino inspirava-se na filosofia do reformador da educação do início do século XIX, o suíço Johann Heirich Pestalozzi , que pretendia estimular os estudantes à visualização de imagens[1]. Também considerava importante cultivar a ‘dignidade interior’ e a individualidade de cada criança. Pestalozzi defendia que os estudantes deviam chegar às suas próprias conclusões seguindo uma série de etapas que começavam com o contacto direto com o objeto e que depois prosseguiam até intuições, pensamento conceitual e imaginação visual. (…) A compreensão visual dos conceitos, como era defendida por Pestalozzi e os seus seguidores em Aarau, tornou-se um aspeto significativo da genialidade de Einstein. ‘A compreensão visual é essencial, a única forma verdadeira de ensinar e avaliar as coisas corretamente, escreveu Pestalozzi, e ‘a aprendizagem dos números e da linguagem deve indubitavelmente subordinar-se a ela’. Não surpreende que, naquela escola, Einstein se tenha, pela primeira vez dedicado às experiências mentais que o ajudariam a converter-se no maior génio científico do seu tempo: tentou visualizar como seria viajar ao lado de um raio de luz. (…) Com o passar dos anos, ele visualizaria mentalmente eventos como relâmpagos e comboios em movimento, elevadores a acelerar e pintores em queda (…)”.
 Também o meu querido mano Acúrcio Domingos mais do que uma vez, na sua meninice, se deixou levar, no seu pensamento imaginativo, crédulo e ávido, por façanhas de corpos em movimento.
Agora que falou de uma dessas saborosas memória às minhas alunas de Psicologia, num trabalho monográfico que ele próprio acarinhou com muito empenho e satisfação, sinto que posso trazer a público uma dessas curiosas ‘experiências mentais’ do menino Acúrcio Domingos. O meu mano tinha um tio fascinante, o seu tio António, irmão de sua mãe; na altura, o sobrinho era uma criança que via o tio como um homem do futuro, “com as suas ideias alucinadas”… O tio António convenceu-o que tinha um burro com mudanças, que usava para o fazer andar mais depressa ou mais devagar, carregado ou mais leve, em subidas e descidas; e, no meio de outros relatos fantasiosos, deixou-o preso na imagem de um dia ter dado um chuto numa bola com tal força que a boa se elevou bem no ar, deu voltas e voltas e foi cair na Covilhã. O menino Acúrcio, que vivia numa austera aldeia serrana, e nunca tinha ido à Covilhã, viu o seu pensamento ficar escravo daquela façanha humana extraordinária e muitas vezes se deixou ficar absorto na imaginação da viagem daquela bola que, na descrição do seu hipnotizante tio, tanto tinha subido no ar e pulado por cima de montes e vales até voltar ao chão na desconhecida cidade. Três dias, garantia-lhe o tio, andou a bola no ar, a voar, até que caiu na Covilhã!...
Einstein seguiu, na sua imaginação, a viagem de um raio de luz, vindo de cima para baixo; o Acúrcio seguiu a viagem de uma bola, ida de baixo para cima.
A partir da mesma matriz imaginativa infantil – notável matriz! – Einstein e Acúrcio seguiram caminhos diferentes. Einstein, se fosse colocado, como o Acúrcio o foi, perante a ocorrência incrível da bola em movimento no ar durante três dias, ter-se-ia dedicado a fazer todos os cálculos de Física indispensáveis para determinar a força inicial que seria necessária para imprimir o movimento à bola, tentaria descrever a trajetória do corpo em deslocação no ar, sujeito às condições habituais da gravidade, a resistência oferecida pela superfície de propagação, etc., etc., etc. E seguramente chegaria ao valor – brutal! -, nas unidades de medida convenientes, que o pontapé do tio António teria aplicado na bola para que parasse apenas ao fim dos 3 dias…
O meu mano Acúrcio seguiu a outra dimensão do caminho de Pestalozzi. Deixou os cálculos da Física para Einstein (ou, premonitoriamente, para o filho Gonçalo?... que agora se dedica às contas de Einstein) e entregou-se, de corpo e alma, a, como dizia Pestalozzi, “cultivar a ‘dignidade interior’ e a individualidade de cada criança”, de cada aluno; de cada um, seja ele qual for, que entra, circunstancialmente, ou mais demoradamente, no círculo dos seus contactos pessoais.
Ontem, véspera de Santo António, no meio da turbulência que foi o dia de trabalho na escola, com reuniões que se faziam ou não se faziam, com horas e salas que se trocavam, tive tempo e paz oportuna para receber uma antiga aluna de Psicologia, de quem muito gosto e que sempre me tratou com muito carinho.
Veio falar-me de uma angústia que sente com o seu filho mais velho. Deixou-me com angústia semelhante. Na verdade, o filho, que tem mostrado um desenvolvimento pessoal tumultuoso, chega ao segundo ano de escolaridade e é confrontado, tal como os seus colegas, ao contacto com 7 professoras diferentes desde o princípio do ano!... Sete, imagine-se!... Sete, em dois anos já é demais, então, num ano só é o falhanço total da estabilidade nos processos de aprendizagem, de identificação afetiva ao mestre que ensina, é… é terrível!... Disse à aflita mãe que o que agora chamam “hiperatividade”, no tempo do meu mestre João dos Santos, era designado por “instabilidade”. E ele dizia de forma simples que nos ajudava a sentir a essência da dinâmica psicológica interior da criança, que “a instabilidade é a procura da estabilidade”, tal como nós que, quando começamos a ansiar a resolução de alguma coisa, nos envolvemos em procedimentos cada vez mais apressados para resolver o que nos aflige.
O filho da minha querida aluna tem dado mostras de desenvolvimento cognitivo precoce, com aquisições escolares autónomas e antes das idades habituais. A mãe dele, nos seus relatos, mostrou-me uma série de danos que poderão ser mais ou menos gravosos se não forem atalhados a tempo. Um deles, que não é dos menores, é a capacidade que a criança tem de cálculo mental, por processos idiossincraticamente muito imaginativos. Disse-me a mãe que o filho agora desistiu deles. A mais recente das suas “multiprofessoras” disse-lhe que as contas se fazem mas é com uma régua!... A trazer-me à consciência, a saber a fel, a ironia da afirmação que o pai lavrador terá feito, no leito da morte iminente, ao filho: “E não te esqueças, meu filho, que até das uvas se faz vinho…”
Como pode esta criança, com as condições de aprendizagem que a sociedade organizada lhe dá, sonhar saborosamente com bolas que dão voltas no ar e caem 3 dias depois na Covilhã, ou sonhar em voar ao lado de raios de luz?...



[1] Estais vendo, queridos alunos, o que tantas vezes vos falei?... Isto é intuição sábia, muitas dezenas de anos antes que os modernos estudos do cérebro mostrem “cientificamente” esta evidência; no fundo, como António Damásio também nos procurou mostrar com o que escreveu sobre Espinoza.

(fonte da imagem: http://www.pestalozzirj.org/imagens/pestalozzi.jpg)
(fonte documental: Isaacson, W., 2008. Einstein, a sua vida e universo. Casa das Letras. Pág. 40-41)