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quarta-feira, maio 22, 2013

O método comunitário e os exercícios intergovernamentais na Europa

Vasco Graça Moura
Li há alguns meses um pequeno e velho livrinho sobre a História da Europa. O seu autor é italiano; não me lembro agora do nome - é a minha tradicional pecha para este tipo de memória declarativa.
Tal livrinho deu-me uma perspetiva sobre a Europa que me fez ganhar uma ideia muito clara do que se está a passar agora na crise atual do Mundo e sobretudo, precisamente, da Europa.
O dr. Vasco Graça Moura escreve hoje no Diário de Notícias um artigo de opinião muito interessante sobre ideias de Europa e as motivações que as alimentam.
Destaco o seguinte parágrafo, que faz menção a conceitos que têm grande valor pedagógico, quer pela clarificação concetual que estimulam, quer pelas atitudes e ações que propõem a governantes executores dos poderes atuais; e propõem também a cidadãos governados, os quais se veem cada vez mais na necessidade de, como a propaganda institucional bem-educada diz, "se empenharem em esforços de cidadania mais participada e ativa".
Escreve, pois, o dr. Vasco Graça Moura:
"Entretanto, o chamado método comunitário, por via do qual essas instâncias exerciam as suas competências e iam encontrando soluções para os sucessivos problemas do sistema, foi sendo substituído por exercícios intergovernamentais cada vez mais frequentes e intensivos, com a consequência desagradável de cada Estado membro se concentrar fundamentalmente na defesa dos seus próprios interesses, perdendo de vista a noção da construção europeia como um todo e a riquíssima, conquanto recente, experiência acumulada na segunda metade do século XX."
(os destaques em itálico e negrito são da minha responsabilidade)
Evidentemente, recomendo a leitura integral do texto, aqui:

quinta-feira, março 28, 2013

"Um senhor de Matosinhos", de Vasco Graça Moura

Com os textos que em tão pouco tempo pude ler sobre Óscar Lopes, era impossível não procurar - pois não o conhecia - o poema de Vasco Graça Moura sobre Óscar Lopes. Os textos que me "obrigaram" à leitura, 2 são de Baptista-Bastos (Um homem maior do que o seu tempo e Um senhor português) e o terceiro é do próprio Vasco Graça Moura (Fazer filosofia).



um senhor de matosinhos

andava eu no liceu: no salão nobre
dos paços do concelho em matosinhos,
um professor, o óscar lopes, vinha

mostrar à noite que a literatura
importa a toda a dignidade humana.
iam autores ouvi-lo, jornalistas,

estudantes, gente que ali morava
e outra que do porto em carro eléctrico,
o “um” para leixões, o “dezasseis”,

passando à carvalhosa, vinha sempre,
lá estavam joão guedes, tonitruante,
e júlio gesta, afável e risonho,

manuel dias da fonseca, mais calado,
augusto gomes e suas lentes grossas
a enevoar-lhe o olhar de ver as praias

rasas de cinza e luto, com vareiras
por trágicos naufrágios ululando,
o egito, que então já se escrevia

com os poetas todos deste mundo,
o eugénio, de cachecol esvoaçante,
a modelar os gestos e os ditongos

medindo mãos e frutos, depurando
sílaba a sílaba, a sua incandescência
devia ser outono, ou mesmo inverno,

e fazer frio, e não faltava um torpe
sujeito de soslaio e bloco-notas,
tomando apontamentos com minúcia,

que a subversão quanto mais culta mais
impalatável era. fuzilavam-no
amigas minhas com o olhar, ficavam

mais belas só por essa exaltação
contida e faiscante de amazonas,
foi quando eu soube que as mulheres sabiam

resistir por instinto e se tornavam
mais agilmente elásticas no corpo,
mais livres e arriscadas nos seus gestos,

e no limite a cor afogueava-as,
e tão fulva energia em nenhum verso
coube jamais, que eu saiba, então na sua

voz calma e portuense, óscar falava
dos livros, dos autores, como quem trata
de assuntos de família e os desarruma

para os mostrar melhor, e acontecia
que isso era irrepetível e sem pompas,
como outra intimidade ao nosso alcance:

é sempre desconforme a literatura.
é mal-estar, princípio de prazer,
é trabalho forçado e liberdade

e um modo mais verbal de estar no mundo,
e nesse mar óscar lançava as redes
da pesca milagrosa, aquela terra

tinha essas tradições mais literais,
orlas de oralidade e maresia,
e embarcávamos todos na traineira

e era outra vez o senhor de matosinhos
com ex-votos à roda: impaciências
de passado e presente na palavra

e, entre a vida e a morte, o seu fulgor
em que, por crespas ondas, falar era
também filosofar e rebeldia.

tinham saído alguns discos recentes,
gravados por poetas: eu recordo
a voz do régio num, que achei roufenha

dos ensimesmamentos presencistas,
e vozes de combate que também
prestavam para pouco, mas sabia

tão bem partir a louça no salão
daquela edilidade, assim nas barbas
de toda a gente, era porém mais justa

a medida de que óscar nos falava
pois fazia pensar e punha em causa.
e alguém pedia às vezes um poema

quando a noite avançava e alguém dizia
outras coisas em código e ficavam
depois pequenos grupos à saída

como em cinemas de província, como
quem tem mais a dizer e veio vindo
devagar até aqui e aqui se encontra,

à espera de outro eléctrico ronceiro,
e vai falando tempos esquecidos,
sem pressa e sem vontade de ir embora.

Vasco Graça Moura, Uma Carta no Inverno, Quetzal Editores, 2.ª ed., 1999

quarta-feira, junho 13, 2012

Santo António, Baptista-Bastos e Vasco Graça Moura - que caldo!


Não é fácil encontrar-se o jeito de dizer certas coisas que tantas vezes se sentem, mas ainda são difíceis de pensar porque não se encontraram as palavras certas, e, menos ainda, se as arrumaram umas a seguir às outras. Volta e meia repito isto, com estas palavras ou com outras parecidas.
Enquanto professores, seja de que saber técnico ou científico seja, devemos estar disponíveis para falar aos nossos alunos de coisas que lhes tocam como pessoas e os podem respeitar ou ofender na sua condição de cidadãos.
Neste espantoso texto de Baptista-Bastos, que encontrei na edição on line de hoje do Diário de Notícias, destaco duas ideias muito bem expressas com as tais palavras tantas vezes tão difíceis de encontrar:
"O niilismo moderno oculta-se na ideologia que domina a Europa, e os aparentes equívocos não são exercícios de estilo ou miniaturas verbais: constituem peças para aumentar a confusão geral. A Imprensa pouco ou nada esclarece do que se passa no interior da superfície; as televisões são caudais de frivolidades; os comentadores somente glosam e, na maioria, anotadores sem risco e sem reflexão. Alguém tem de sacudir esta inércia que nos está a liquidar como povo e a destruir, visivelmente, a nossa democracia - se é que a democracia alguma vez foi nossa."
A segunda ideia é esta:
" Quando D. Januário Torgal Ferreira declara: "Apetece-me dizer: vamos todos para a rua! Não vamos fazer tumultos, vamos fazer democracia"; diz, afinal, que nos devemos saber defender, que aprendamos a nos precaver contra o ovo da serpente. E, sobretudo, nos insurjamos perante as pequenas limitações de liberdade e de justiça, que nos aplicam em nome da "inevitabilidade" e do "equilíbrio do sistema." "
As palavras do bispo - Opinião - DN
Na edição on line do Diário de Notícias podemos encontrar, ao lado do artigo de Baptista-Bastos, um outro, também de opinião, de Vasco Graça Moura.
Neste artigo, VGM, mais uma vez destila o seu asco praticamente visceral a certos grupos de pessoas, muitos jovens, que, desta vez, cometeram o "pecado mortal" de irem ver o Rock in Rio; e fá-lo mais uma vez a partir de ideias preconcebidas, que ele próprio denuncia resultarem de se deixar levar pelas aparências: "E pelo aspecto, muitos deles integram as hordas de indignados que aparecem por aí noutras ocasiões."
É pena que ele faça assim, o texto, no essencial, é duma clareza e duma acutilância que saúdo, na mesma linha do que no outro artigo Baptista-Bastos faz também:
"É neste clima de fuga à realidade e amplificações ensurdecedoras que o verdadeiro rock da pesada muda de nome e de cenário. Passa a chamar-se Euro 2012. Agora, não lhe faltará o singular empenhamento da comunicação social, engendrando expectativas desmesuradas de triunfo e criando em todas as almas verdadeiramente lusitanas o frisson patriótico daquelas manhãs de nevoeiro em que uma redenção colectiva nos há-de chegar pela biqueira ágil dos craques, pondo termo às nossas angústias."