sábado, setembro 21, 2013

Hoje conheci uma princesa ciganita

Hoje conheci uma princesa ciganita (21 de setembro de 2013, sábado)
                Hoje, a seguir ao almoço, fui visitar o meu neto nigeriano, que recupera ansiosamente de um osso partido no pé direito. Ansiosamente porque veio para cá atrás do sonho de vencer no futebol e este contratempo põe neste momento em causa a possibilidade de poder continuar no nosso País.

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                Fui pegá-lo ao Centro Pedro Arrupe, para irmos comer um gelado. Cheguei-me ao carro enquanto o KC saía da sala comum e, pelo lado de fora do prédio, passava ao lote a seguir para ir ao quarto compor-se na roupa.
                Ali encostado à porta aberta do carro, à espera, vi vinda da zona em que o meu neto desapareceu, uma menina, uma ciganita, que desceu o breve lance de escadas que ele também teria de descer para vir ter comigo. Trazia dois sacos de plástico volumosos, um em cada mão. Ambos cheios de lixo. Quando passou por mim olhou-me bem olhado; eu já estava a olhar para ela e continuei a olhar para ela, seguindo-a assim até ao caixote do lixo. A chegar lá, a menina olhou para trás, claramente à minha procura. Sorriu quando viu que eu continuava a olhar para ela e ganhou um jeito um pouco exibicionista no modo como atirou ora um, ora o outro saco de lixo para dentro do caixote.
                A menina tomou o caminho de volta e foi logo evidente que passaria ali muito perto de mim. Era uma menina bonita, magrinha, esguia, muito bem proporcionada. Rosto claro, olhos escuros e cabelo comprido apanhado atrás como é tradição na sua etnia. Que figura agradável!
                Eu queria meter conversa com a menina, mas o ambiente dos prédios
à volta inibia-me de o fazer. Só que tive muita sorte! A menina quando chegou outra vez ao pé de mim parou e lançou-me um vigoroso e bem sorridente “ – Olá!”.” – Olá!”, respondi eu.  “És uma menina muito forte!... Levavas cá cada saco!...” A menina-princesa riu-se, olhou para as palmas das mãos, limpou uma na outra e disse-me, pondo um ar de pessoa séria e com o sentido das responsabilidades, desabafou:  - “Agora tenho de ir fazer os trabalhos da escola…” “Ah!... A escola, não é?, já começou a sério, não foi?...” “Sim, já começou…” E antes que eu tivesse tempo de dizer mais qualquer coisa, deixou de olhar para as mãos, que continuava a limpar uma na outra, olhou para mim e perguntou-me: - “Tu não és daqui, pois não?... O que é que estás aqui a fazer?...”
                Eu já admitia que alguém pudesse estar algures a controlar-me: que faria ali aquele estranho a falar com uma miudita do bairro? Pelo menos, - que isso me valesse! - eu estava à vista de toda a gente; e tive o cuidado de não me aproximar mais da menina desde que ela parara ali à minha frente.
                - “Não, tens razão, eu não sou daqui, vim buscar um rapaz que está aqui no Pedro Arrupe e vou levá-lo a dar um passeio comigo, ele é mais ou menos meu neto.”  Disse isto e fiz um gesto bem exuberante a apontar para a entrada do Centro de Acolhimento para que quem quer que fosse que estivesse a controlar-me  pudesse perceber a razão de eu estar ali. – “Onde é que moras?...” perguntou-me a menina. Achei que era conveniente tomar alguma liderança na conversa e respondi-lhe: - “Moro longe daqui, moro nos Olivais e dou lá aulas numa escola.” A menina-princesa arregalou os olhos, e antes que ela dissesse alguma coisa, eu perguntei-lhe: - “Em que ano andas tu?...”“Ando no terceiro ano, a minha escola é ali para trás”, disse-me ela torcendo-se sobre o seu lado esquerdo e apontando quase a 180 graus para trás de si. – “E tu dás mesmo aulas?”, perguntou-me ela olhando outra vez para mim. – “Sim, dou, mas para teres aulas comigo, tens de chegar primeiro ao 12.º ano…”“Tchiii!... Ainda falta muito!...”, disse ela. – “Não te preocupes, vais lá chegar, e se quiseres ter aulas comigo vais à escola que fica ao pé da Quinta Pedagógica… Sabes onde é a Quinta Pedagógica?...” Sim, ela sabia, já lá tinha estado. – “Depois, quando lá chegares, é só perguntares pelo professor de bigode!...” A menina levou a mão direita acima do lábio superior e esticou ali os dedos indicador e médio, colando-os como se de um farto bigode se tratasse. Riu-se e comentou, divertida: - “O professor de bigode?...”
                Entretanto, o KC, o meu neto nigeriano aproximava-se. Ela olhou-o e perguntou-me: - “É este o seu rapaz?...” Não deixei de repara na diferença de tratamento entre o "tu" e o "seu"; já conheço esta transformação, normalmente é de bom sinal. Disse-lhe que sim e ela afastou-se. Já no patamar do prédio, voltou-se para trás, na minha direção, e gritou, com o dedo indicador direito bem apontado para mim: - “Eu não me vou esquecer do professor de bigode!...” Depois disse-me adeus. Eu não qui deixar de  lhe responder ao aceno e disse-lhe também adeus, de braço bem levantado no ar. O meu neto ria-se, comentando que eu já tinha arranjado mais uma amiga.
                Levei, então, dali o KC até ao Spacio, nos Olivais, ele pediu no MacDonald’s um Sunday com ananás – ele não se apercebeu logo que o ananás era de São Miguel, dos Açores, ilha que ele, afinal, conhecia já de maneira muito especial; e eu deleite-me com o meu gelado favorito: Sunday de caramelo, em bolacha, com pedacinhos de amêndoas.
                O encontro com o KC durou cerca de duas horas. Quando o deixei de novo à porta do Centro Pedro Arrupe, ouvi um grito de gente pequena. Olhei em volta, era a minha princesa a chamar-me; e lá de longe fez-me ouvir muito claramente: - “O professor de bigode, não é?... Eu não vou esquecer-me!...” As pessoas que estavam à volta dela olhavam sem perceber o que estava a acontecer. Eu acenei bem vivamente à menina, deixando que todos me vissem bem. Ela atirou-me um beijinho e eu atirei-lhe outro. Dei um abraço rijo ao KC, ele ria-se e abanava a cabeça a dizer mais ou menos assim: - “Avô, arranjas amigos em todo o lado…” – “E que amiga eu arranjei aqui! É uma princesa!...”

                E fui embora dali.

terça-feira, setembro 17, 2013

Santo Agostinho: brincar ou ir à escola; e ser castigado

O meu amigo Luís B. Moniz é o principal "culpado" de uma revisita aos escritos que tenho de Santo Agostinho. Encontrei um que achei ter muito a ver com o recomeço das aulas.
Os responsáveis dos estabelecimentos escolares esforçam-se em receber os alunos com cordialidade, com carinho, com sorrisos; mas não conseguem resistir a lançar firmes avisos da tolerância zero para os atos de indisciplina. Cada vez mais eu me interrogo sobre o que vale hoje a escola na formação integral da pessoa que é cada criança e cada jovem que a frequenta. Tenho cada vez menos certezas, mas também não me angustio com as minhas incertezas.
Creio que a generalidade dos alunos gosta de voltar à escola, mas as aulas são cada vez menos espaço para se gostar de estar, são espaços que despertam cada vez menos entusiasmo para aprender.
Os professores são profissionais com cada vez menos tranquilidade na sua condição profissional e também na sua condição pessoal; e familiar. Os professores são profissionais cada vez mais tolhidos na sua espontaneidade, na sua criatividade, na sua intuição e experiência pessoal por regulamentos, decretos ministeriais, procedimentos administrativos, e outras burocracias...
Não tenho soluções, mas acredito que continua a valer a pena privilegiar a experiência social positiva em sala de aula à preocupação obsessiva de encher as cabeças dos alunos com conteúdos programáticos - até porque, entretanto, seria necessário verificar se eles são os oportunos e ajustados. As lideranças políticas, económicas e financeiras do mundo estão cheias de especialistas de conhecimentos e o estado do mundo é a desgraça que se conhece. Falta na condução do mundo, nas lideranças o que, por exemplo, o ministro da Educação tanto critica: a humanidade, a ética, os valores, a solidariedade e a tolerância que as Ciências da Educação tanto alertam que não sejam descurados. Como diz a expressão popular, bem podem Nuno Crato e outros especialistas esclarecidos e empreendedores limparem as mãos à parede com a linda... coisa que têm andado a fazer!
Por isso deixo, então, aqui esse texto de Santo Agostinho, que ele escreveu há quase 1600 anos. Fala ele de gostar de ir à escola, gostar de brincar; compara crianças com homens de negócios (- Olha!...) e da maneira como uns são castigados e outros não por pecados equivalentes; finalmente, de quem acaba por ficar atormentado pela ira e pela inveja.
O texto:

Na paixão do jogo [da brincadeira]

Ó Deus, meu Deus, que misérias e enganos não experimentei, quando, simples criança, me propunham vida reta e obediência aos mestres, a fim de mais tarde brilhar no mundo e me ilustrar nas artes da língua, servil instrumento da ambição e da cobiça dos homens.
Fui mandado à escola para aprender as primeiras letras, cuja utilidade eu, infeliz, ignorava. Todavia batiam-me se no estudo me deixava levar pela preguiça. As pessoas grandes louvavam esta severidade. Muitos dos nossos predecessores na vida tinham traçado estas vias dolorosas, por onde éramos obrigados a caminhar, multiplicando os trabalhos e as dores aos filhos de Adão. Encontrei, porém, Senhor, homens que Vos imploravam, e deles aprendi, na medida em que me foi possível, que éreis alguma coisa de grande e que podíeis, apesar de invisível aos sentidos, ouvir-nos e socorrer-nos. Ainda menino, comecei a rezar-Vos como a "meu auxílio e refúgio", desembaraçando-me das peias da língua para Vos invocar. Embora criança, mas com ardente fervor, pedia-Vos que na escola não fosse açoitado. Quando me não atendíeis — "o que era para meu proveito" —, as pessoas mais velhas e até os meus próprios pais, que, afinal, me não desejavam mal, riam-se dos açoites — o meu maior e mais penoso suplício.
 Haverá, Senhor, alma tão generosa e tão unida a Vós pelos laços dum ardente afeto, que despreze, não por insensibilidade louca, mas por amor intenso e forte para convosco, os cavaletes, os garfos de ferro e os demais tormentos deste género dos quais os homens em toda parte suplicam que os liberteis? Haverá alguma alma dessas que despreze essas torturas a ponto de rir dos que tão acerbamente temem esses suplícios, como meus pais caçoavam das penalidades que a nós, meninos, infligiam os mestres? Eu não temia menos os castigos do que as torturas, nem Vos suplicava menos que nos livrásseis deles.
Contudo, pecava por negligência, escrevendo, lendo e aprendendo as lições com menos cuidado do que de nós exigiam.
Senhor, não era a memória ou a inteligência que me faltavam, pois me dotastes com o suficiente para aquela idade. Mas gostava de jogar - e aqueles que me castigavam procediam de modo idêntico! As ninharias dos homens, porém, chamam-se negócios; e as dos meninos, sendo do mesmo jaez, são punidas pelos grandes, sem que ninguém se compadeça da criança, nem do homem, nem de ambos. Um juiz reto aprovaria os castigos que me davam, por eu, em pequeno, jogar a bola e o jogo ser um obstáculo ao meu aproveitamento nos estudos, com os quais eu havia de jogar menos inocentemente quando chegasse a homem? Agia, porventura, de modo diferente aquele que me batia, se nalguma questiúncula era vencido pelo seu competidor? Então esse não era mais atormentado pela ira e inveja do que eu quando superado no desafio da bola pelo meu rival?...
(Santo Agostinho, 2010. Confissões. Público 20 anos, Livros que mudaram o mundo, p. 27-29)

segunda-feira, setembro 16, 2013

O melhor presente é...

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Reproduzo agora um pensamento que encontrei no Facebook, com a fotografia que o acompanhava. É capaz de ficar bem aqui hoje, dia em que recebemos os novos alunos na nossa escola:
"The best gift you can give to someone is your time, because you're giving them something you can never get back."
"O melhor presente que alguma vez podemos dar a alguém é o nosso tempo, já que assim estaremos a dar qualquer coisa que nunca poderemos tomar de volta."
É um pouquinho desse tempo, para lá do tempo profissional que, se calhar, os professores podem ainda dar, não obstante as sempre crescentes dificuldades e cada vez mais insuperáveis obstáculos no seu trabalho diário.
É essa também a grande dádiva dos jovens mediadores que se comprometeram já, perante as crianças e os seus pais, a ajudar que a empresa da escola seja mais fácil e saborosa!
P.S. - Ao que parece, ninguém sabe quem é o autor deste pensamento. É certamente de alguém que refletiu sobre as coisas importantes na Vida. Como também fez e disse, entre outros, Nelson Mandela.

quinta-feira, setembro 05, 2013

Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo - será perverso o argumento de Nuno Crato?

Com um tom de voz esforçadamente sereno, apaziguador, seguro da sua própria sabedoria, Nuno Crato, depois de aduzir argumentos assim e antes de aduzir argumentos assado, diz que "estamos absolutamente convictos, SABEMOS (o destaque é da minha responsabilidade, tal como os que virão a seguir) que isto vai DEFENDER A ESCOLA PÚBLICA, isto vai TORNAR MELHOR a escola PÚBLICA melhor e isto vai melhorar o SISTEMA no seu conjunto". Pois...

  1. SABEMOS. Hum... Parece-me que sabem com o mesmo tipo de certeza que Bush e os outros políticos que se juntaram na cimeira dos Açores tinham quando disseram que o Iraque tinha armas de destruição massiva. 
  2. DEFENDER A ESCOLA PÚBLICA. Será mesmo a escola pública que se está a defender?... Ou não será, ao invés, a "outra"?
  3. TORNAR MELHOR. Tornar melhor... a escola pública? E a escola particular é já boa?... Com tudo o que se sabe? Com tudo o que tem vindo ao conhecimento público? Com o que se sabe que é a vantagem dos alunos da escola pública no sucesso no Ensino Superior, não obstante a vantagem (pelos vistos, não relevante) do ensino privado/particular nas classificações finais dos alunos à saída do ensino secundário?
  4. SISTEMA. Hum... Não estará Nuno Crato, falando de "sistema", a DEFENDER, debaixo de um eufemismo, a escola não-pública, que ele reconhece implicitamente que é preciso "TORNAR MELHOR", mas que, por conveniência de identidade social e política ("dinâmicas" de grupos socialmente e politicamente dominantes...) , se disfarça assim... Tão engraçado!... Tanto que Nuno Crato escreveu e dissertou jocosamente sobre "aqueles" das Ciências da Educação que argumentavam com o "contexto" e com o "sistema"!...

segunda-feira, setembro 02, 2013

As aves da bela cidade de Lisboa

EXTRAORDINÁRIO!...
Que espelho encantador para nos olharmos narcisicamente!...
DESTAS, SIM, DESTAS VAIDADES VALE BEM A PENA A GENTE GABAROLAR-SE!
Que lindo o nosso património animal, natural e adaptado! E alguma coisa dos nossos séculos de história!

O almofariz da Escola Portuguesa atual

Sou professor dedicado à escola pública.
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Regresso hoje ao trabalho (sem que dele saísse completamente durante as férias... Tantas coisas boas encontrei, delas logo fazendo desejo de trazer a alunos e colegas!), com o entusiasmo renovado dos outros anos.
Sinceramente penso que o grande desafio dos professores - e dos pais dos alunos! - continua a ser a vitória sobre a escola de que fala Guerra Junqueiro neste seu poema. Aliás, do meu pensamento sobre a escola atual faz parte a convicção de que a "estupidez decretada" e  "esse almofariz" estão mais presentes do que nunca!
Acredito nos professores dedicados. Acredito na vontade de muitos de se tornarem professores dedicados. Assim ganharemos os alunos, até mesmo os mais renitentes à escola e aos professores! Todos os alunos merecem a dedicação dos professores!
Vivemos tempos em que muito teremos - nós, os professores -  de nos esforçar contra o tutelar ministério e a estupidez decretada. Se estivermos unidos será mais fácil.

A Escola Portuguesa


Eis as crianças vermelhas 
Na sua hedionda prisão: 
Doirado enxame de abelhas! 
O mestre-escola é o zangão. 

Em duros bancos de pinho 
Senta-se a turba sonora 
Dos corpos feitos de arminho, 
Das almas feitas d'aurora. 

Soletram versos e prosas 
Horríveis; contudo, ao lê-las 
Daquelas bocas de rosas 
Saem murmúrios de estrela. 

Contemplam de quando em quando, 
E com inveja, Senhor! 
As andorinhas passando 
Do azul no livre esplendor. 

Oh, que existência doirada 
Lá cima, no azul, na glória, 
Sem cartilhas, sem tabuada, 
Sem mestre e sem palmatória! 

E como os dias são longos 
Nestas prisões sepulcrais! 
Abrem a boca os ditongos, 
E as cifras tristes dão ais! 

Desgraçadas toutinegras, 
Que insuportáveis martírios! 
João Félix co'as unhas negras, 
Mostrando as vogais aos lírios! 

Como querem que despontem 
Os frutos na escola aldeã, 
Se o nome do mestre é — Ontem 
E o do discíp'lo — Amanhã! 

Como é que há-de na campina 
Surgir o trigal maduro, 
Se é o Passado quem ensina 
O b a ba ao Futuro! 

Entregar a um tarimbeiro 
Um coração infantil! 
Fazer o calvo Janeiro 
Preceptor do loiro Abril! 

Barbaridade irrisória, 
Estúpido despotismo! 
Meter uma palmatória 
Nas mãos dum anacronismo! 

A palmatória, o açoite, 
A estupidez decretada! 
A lei incumbindo a Noite 
Da educação da Alvoradal 

Gravai na vossa lembrança 
E meditai com horror, 
Que o homem sai da criança 
Como o fruto sai da flor. 

Da pequenina semente, 
Que a escola régia destrói, 
Pode fazer-se igualmente 
Ou o assassino ou o herói. 

Desta escola a uma prisão 
Vai um caminho agoireiro: 
A escola produz o grão 
De que a enxovia é o celeiro. 

Deixai ver o Sol doirado 
À infância, eis o que eu vos peço. 
Esta escola é um atentado, 
Um roubo feito ao progresso. 

Vamos, arrancai a infância 
Da lama deste paul; 
Rasgai no muro Ignorância 
Trezentas portas de azul! 

O professor asinino, 
Segundo entre nós ele é, 
Dum anjo extrai um cretino, 
Dum cretino um chimpanzé. 

Empunhando as rijas férulas 
Vós esmagais e partis 
As crianças — essas pérolas 
Na escola — esse almofariz. 

Isto escolas!... que índecência 
Escolas, esta farsada! 
São açougues de inocência, 
São talhos d'anjos, mais nada. 

(Guerra Junqueiro [1850-1923], in 'A Musa em Férias')