sexta-feira, abril 25, 2008

25 de Abril, sempre!


Quando finalmente eu quis saber
Se inda vale a pena tanto q'rer
Eu olhei p'ra ti
E então eu entendi
É um lindo sonho p'ra viver
Quando toda a gente assim quiser


Lamento que os anos a passarem uns sobre os outros nos tenham afastado, a todos nós portugueses, do 25 de Abril festivo, cada novo ano confirmando que valeu a pena.
Pela minha parte, continuo convictamente - com muita força, mesmo – a responder a responder a Fernando Pessoa que sim senhor, valeu a pena; que sempre que Abril aqui passar aqui estarei para o ajudar.
Os versos que comecei por escrever são de José Mário Branco. Escritos há pelo menos 25 anos.
Hoje, enquanto aquecia o café da manhã, fui à estante, peguei no cêdê e ouvi todo o tema, "Eu vim de longe, eu vou p'ra longe ("chulinha"). Do álbum "Ser solidário". É a minha sugestão de hoje.

Quando o avião aqui chegou
Quando o mês de Maio começou
Eu olhei p'ra ti
E então eu entendi
Foi um sonho mau que já passou
Foi um mau bocado que acabou

Tinha esta viola numa mão
Uma flor vermelha noutra mão
Tinha um grande amor
Marcado pela dor
E quando a fronteira me abraçou
Foi esta bagagem que encontrou

Eu vim de longe, de muito longe
O que eu andei p'ra aqui chegar
Eu vou p'ra longe, p'ra muito longe
Onde nos vamos encontrar
Com o que temos p'ra nos dar

E então olhei à minha volta
Vi tanta esperança andar à solta
Que não hesitei
E os hinos que cantei
Foram frutos do meu coração
Feitos de alegria e de paixão

(refrão)

Quando a nossa festa se estragou
E o mês de Novembro se vingou
Eu olhei p'ra ti
E então eu entendi
Foi um sonho lindo que acabou
Houve aqui alguém que se enganou

Tinha esta viola numa mão
Coisas começadas noutra mão
Tinha um grande amor
Marcado pela dor
E quando a espingarda se virou
Foi p'ra esta força que apontou

(refrão)

E então olhei à minha volta
Vi tanta mentira andar à solta
Que me perguntei
Se os hinos que cantei
Eram só promessas e ilusões
Que nunca passaram de canções

(refrão)


Quando eu finalmente eu quis saber
Se inda vale a pena tanto crer
Eu olhei p'ra ti
E então eu entendi
É um lindo sonho p'ra viver
Quando toda a gente assim quiser

Tenho esta viola numa mão
Tenho minha vida noutra mão
Tenho um grande amor
Marcado pela dor
E sempre que Abril aqui passar
Dou-lhe este farnel para o ajudar

(refrão)


E agora eu olho à minha volta
Vejo tanta raiva andar a solta
Que já não hesito
E os hinos que repito
São a parte que eu posso prever
Do que a minha gente vai fazer

(refrão, final)

E se as palavras que mais soarem nos nossos ouvidos forem dor, medo e raiva, peguemos nos buracos que o tempo foi roendo no grande manto da alegria e da paixão de que o poema também fala e façamos o seu remendo outra vez com as sementes das grandes utopias sociais.
No mesmo álbum, José Mário Branco repete a "Queixa das almas jovens censuradas", de Natália Correia. Vale a pena voltar a ouvir também este tema. Não resultou de um simples exercício literário, mas de uma realidade política e social que é preciso não deixar voltar, mesmo que disfarçada por todas as habilidades que as realidades virtuais de hoje em dia são capazes. A capacidade de manipulação dos grupos e das gentes é hoje mais forte do que nunca!

Dão-nos um lírio e um canivete
e uma alma para ir à escola
mais um letreiro que promete
raízes, hastes e corola

Dão-nos um mapa imaginário
que tem a forma de uma cidade
mais um relógio e um calendário
onde não vem a nossa idade

Dão-nos a honra de manequim
para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prêmio de ser assim
sem pecado e sem inocência

Dão-nos um barco e um chapéu
para tirarmos o retrato.
Dão-nos bilhetes para o céu
levado à cena num teatro

Penteiam-nos os crânios ermos
com as cabeleiras das avós
para jamais nos parecermos
conosco quando estamos sós

Dão-nos um bolo que é a história
da nossa historia sem enredo
e não nos soa na memória
outra palavra que o medo

Temos fantasmas tão educados
que adormecemos no seu ombros
omos vazios despovoados
de personagens de assombro

Dão-nos a capa do evangelho
e um pacote de tabaco
dão-nos um pente e um espelho
pra pentearmos um macaco

Dão-nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procura

Dão-nos um esquife feito de ferro
com embutidos de diamante
para organizar já o enterro
do nosso corpo mais adiante

Dão-nos um nome e um jornal
um avião e um violino
mas não nos dão o animal
que espeta os cornos no destino

Dão-nos marujos de papelão
com carimbo no passaporte
por isso a nossa dimensão
não é a vida, nem é a morte