quinta-feira, junho 13, 2013

A crendice mágica infantil do Acúrcio Domingos, o génio de Einstein, a sabedoria de Pestalozzi e a infeliz régua de fazer as contas

            Fazendo fé no que me parece ser uma séria e muito bem conseguida biografia sobre Albert Einstein, o seu autor, Walter Isaacson, na parte em que fala do instável e turbulento desenvolvimento escolar do jovem Einstein, escreve, a certa altura:
“(…) Einstein, aconselhado pelo diretor [do Instituto Politécnico de Zürich], resolveu dedicar um ano a preparar-se na escola cantonal da vila de Aarau, a quarenta quilómetros para oeste [de Zürich]. Era a escola perfeita para Einstein. [Einstein tinha, nesta altura, 16 anos de idade] O ensino inspirava-se na filosofia do reformador da educação do início do século XIX, o suíço Johann Heirich Pestalozzi , que pretendia estimular os estudantes à visualização de imagens[1]. Também considerava importante cultivar a ‘dignidade interior’ e a individualidade de cada criança. Pestalozzi defendia que os estudantes deviam chegar às suas próprias conclusões seguindo uma série de etapas que começavam com o contacto direto com o objeto e que depois prosseguiam até intuições, pensamento conceitual e imaginação visual. (…) A compreensão visual dos conceitos, como era defendida por Pestalozzi e os seus seguidores em Aarau, tornou-se um aspeto significativo da genialidade de Einstein. ‘A compreensão visual é essencial, a única forma verdadeira de ensinar e avaliar as coisas corretamente, escreveu Pestalozzi, e ‘a aprendizagem dos números e da linguagem deve indubitavelmente subordinar-se a ela’. Não surpreende que, naquela escola, Einstein se tenha, pela primeira vez dedicado às experiências mentais que o ajudariam a converter-se no maior génio científico do seu tempo: tentou visualizar como seria viajar ao lado de um raio de luz. (…) Com o passar dos anos, ele visualizaria mentalmente eventos como relâmpagos e comboios em movimento, elevadores a acelerar e pintores em queda (…)”.
 Também o meu querido mano Acúrcio Domingos mais do que uma vez, na sua meninice, se deixou levar, no seu pensamento imaginativo, crédulo e ávido, por façanhas de corpos em movimento.
Agora que falou de uma dessas saborosas memória às minhas alunas de Psicologia, num trabalho monográfico que ele próprio acarinhou com muito empenho e satisfação, sinto que posso trazer a público uma dessas curiosas ‘experiências mentais’ do menino Acúrcio Domingos. O meu mano tinha um tio fascinante, o seu tio António, irmão de sua mãe; na altura, o sobrinho era uma criança que via o tio como um homem do futuro, “com as suas ideias alucinadas”… O tio António convenceu-o que tinha um burro com mudanças, que usava para o fazer andar mais depressa ou mais devagar, carregado ou mais leve, em subidas e descidas; e, no meio de outros relatos fantasiosos, deixou-o preso na imagem de um dia ter dado um chuto numa bola com tal força que a boa se elevou bem no ar, deu voltas e voltas e foi cair na Covilhã. O menino Acúrcio, que vivia numa austera aldeia serrana, e nunca tinha ido à Covilhã, viu o seu pensamento ficar escravo daquela façanha humana extraordinária e muitas vezes se deixou ficar absorto na imaginação da viagem daquela bola que, na descrição do seu hipnotizante tio, tanto tinha subido no ar e pulado por cima de montes e vales até voltar ao chão na desconhecida cidade. Três dias, garantia-lhe o tio, andou a bola no ar, a voar, até que caiu na Covilhã!...
Einstein seguiu, na sua imaginação, a viagem de um raio de luz, vindo de cima para baixo; o Acúrcio seguiu a viagem de uma bola, ida de baixo para cima.
A partir da mesma matriz imaginativa infantil – notável matriz! – Einstein e Acúrcio seguiram caminhos diferentes. Einstein, se fosse colocado, como o Acúrcio o foi, perante a ocorrência incrível da bola em movimento no ar durante três dias, ter-se-ia dedicado a fazer todos os cálculos de Física indispensáveis para determinar a força inicial que seria necessária para imprimir o movimento à bola, tentaria descrever a trajetória do corpo em deslocação no ar, sujeito às condições habituais da gravidade, a resistência oferecida pela superfície de propagação, etc., etc., etc. E seguramente chegaria ao valor – brutal! -, nas unidades de medida convenientes, que o pontapé do tio António teria aplicado na bola para que parasse apenas ao fim dos 3 dias…
O meu mano Acúrcio seguiu a outra dimensão do caminho de Pestalozzi. Deixou os cálculos da Física para Einstein (ou, premonitoriamente, para o filho Gonçalo?... que agora se dedica às contas de Einstein) e entregou-se, de corpo e alma, a, como dizia Pestalozzi, “cultivar a ‘dignidade interior’ e a individualidade de cada criança”, de cada aluno; de cada um, seja ele qual for, que entra, circunstancialmente, ou mais demoradamente, no círculo dos seus contactos pessoais.
Ontem, véspera de Santo António, no meio da turbulência que foi o dia de trabalho na escola, com reuniões que se faziam ou não se faziam, com horas e salas que se trocavam, tive tempo e paz oportuna para receber uma antiga aluna de Psicologia, de quem muito gosto e que sempre me tratou com muito carinho.
Veio falar-me de uma angústia que sente com o seu filho mais velho. Deixou-me com angústia semelhante. Na verdade, o filho, que tem mostrado um desenvolvimento pessoal tumultuoso, chega ao segundo ano de escolaridade e é confrontado, tal como os seus colegas, ao contacto com 7 professoras diferentes desde o princípio do ano!... Sete, imagine-se!... Sete, em dois anos já é demais, então, num ano só é o falhanço total da estabilidade nos processos de aprendizagem, de identificação afetiva ao mestre que ensina, é… é terrível!... Disse à aflita mãe que o que agora chamam “hiperatividade”, no tempo do meu mestre João dos Santos, era designado por “instabilidade”. E ele dizia de forma simples que nos ajudava a sentir a essência da dinâmica psicológica interior da criança, que “a instabilidade é a procura da estabilidade”, tal como nós que, quando começamos a ansiar a resolução de alguma coisa, nos envolvemos em procedimentos cada vez mais apressados para resolver o que nos aflige.
O filho da minha querida aluna tem dado mostras de desenvolvimento cognitivo precoce, com aquisições escolares autónomas e antes das idades habituais. A mãe dele, nos seus relatos, mostrou-me uma série de danos que poderão ser mais ou menos gravosos se não forem atalhados a tempo. Um deles, que não é dos menores, é a capacidade que a criança tem de cálculo mental, por processos idiossincraticamente muito imaginativos. Disse-me a mãe que o filho agora desistiu deles. A mais recente das suas “multiprofessoras” disse-lhe que as contas se fazem mas é com uma régua!... A trazer-me à consciência, a saber a fel, a ironia da afirmação que o pai lavrador terá feito, no leito da morte iminente, ao filho: “E não te esqueças, meu filho, que até das uvas se faz vinho…”
Como pode esta criança, com as condições de aprendizagem que a sociedade organizada lhe dá, sonhar saborosamente com bolas que dão voltas no ar e caem 3 dias depois na Covilhã, ou sonhar em voar ao lado de raios de luz?...



[1] Estais vendo, queridos alunos, o que tantas vezes vos falei?... Isto é intuição sábia, muitas dezenas de anos antes que os modernos estudos do cérebro mostrem “cientificamente” esta evidência; no fundo, como António Damásio também nos procurou mostrar com o que escreveu sobre Espinoza.

(fonte da imagem: http://www.pestalozzirj.org/imagens/pestalozzi.jpg)
(fonte documental: Isaacson, W., 2008. Einstein, a sua vida e universo. Casa das Letras. Pág. 40-41)

segunda-feira, junho 10, 2013

A mestra Mariana vai ao Oceanário e ensina-nos a falar

A Mariana, minha sobrinha-neta, vai fazer 4 anos. Está naquela idade em que a "tempestade perfeita" entre o desenvolvimento do cérebro, as estruturas cognitivas da linguagem, a motivação para falar e a interação verbal com os outros proporciona o mais exuberante surto da inteligência, diretamente ligada ao uso da palavra, de todo o ciclo do desenvolvimento humano.
http://www.oceanario.pt/layout/img/cms/
lrg_Stegostoma_fasciatum.jpg?857
Nesta altura, a criança está absolutamente dona da sua linguagem. Estica o pequenino dedo indicador e tudo sobre o que ele recai ganha um nome, uma palavra, uma nova significação, um novo sentido; como se a criança fosse, ela própria, um deus criador do Mundo, a pôr o Verbo , tal como no princípio de todas as coisas.
A Mariana não é especial, nem a vejo com olhos de tio-avô coruja. Todas as crianças, que nascem íntegras como normalmente os pais desejam, têm esta aptidão linguística; todas elas têm o mesmo potencial de inteligência. O que faz a diferença entre as crianças é, essencialmente, o ambiente linguístico em que crescem e, em concordância com tal ambiente, a estimulação verbal que recebem das interações sociais com os familiares mais próximos - os pais, os avós e os irmãos -, estimulação essa marcada pela presença da palavra adequada, oportuna - que vem, o mais das vezes, com naturalidade em todas as conversas, por mais banais que sejam, sem que tenham de ter o toque ou o rigor de especialistas da língua.
Voltando à Mariana, estava ainda na casa dos 2 anos, já ela facilmente identificava e falava com à-vontade dos láparos; dos láparos, de outros animais e de outras coisas. Foi, fundamentalmente, o avô materno, que, com conversas sábias, pacientes e feitas sem pressa, levou a Mariana ao domínio tão fácil das palavras e das estruturas básicas da linguagem falada. O segredo foi o próprio prazer do avô nestas interações verbais com a sua tão querida neta.
Hoje de manhã tocou o telefone cá em casa. Era a Mariana, a perguntar-me se queria ir com ela, o avô e a avó ao Oceanário. Claro que queria! A Mariana passou o telefone ao avô e os irmãos acertaram os pormenores da ida.
Há menos de uma semana, a pediatra deu alta à Mariana da varicela habitual nas crianças da sua idade.
Notam-se ainda pintas residuais da maleita nas faces da petiz. Ela sabia que iria encontrar tubarões  no tanque principal do Oceanário; mais, sabia - sabe - que os há de espécies diferentes, mesmo que ainda não lhes conheça os nomes. Pronto, para ela, são, por enquanto, todos tubarões. Disse à Mariana que também iríamos ver peixes-lua e perguntei-lhe se conhecia os peixes-lua. Respondeu-me que não, não sabia que havia peixes-lua; e não deixou de perguntar ao avô, enquanto tomávamos a bica antes de entrarmos no Oceanário, se havia peixes-lua. O avô confirmou-lhe a informação do ti' Jorge (que é o nome por que ela me conhece em família, não me conhece por Fernando).
Entrámos. Estávamos há algum tempo junto ao grande tanque central, já alguns tubarões tinham passado por ali. A certa altura passa à frente da Mariana um tubarão cheio de pintas, razoavelmente grande. "Olha, é um tubarão-varicela!..." disse o tal dedo indicador da Mariana, o dedo das crianças que dá nome às coisas.
Ela própria, a minha sobrinha-neta, achou divertido o que disse. Certamente ela sabe que aquela espécie de tubarão não se designa daquela maneira, mas aquela associação mental criativa aconteceu na sua cabeça, e ela achou que tinha algum sentido e que era legítimo mostrá-la. E tinha razão!
Rimo-nos todos e dissemos-lhe: "Pois, Mariana, parece que tem varicela e podia ter esse nome... O nome a sério é outro, mas esse também lhe fica bem. O nome a sério é tubarão-tigre [na verdade, não é um tubarão-tigre, mas é um tubarão-zebra, mas este matiz concetual ficará para ocasião oportuna, nós próprios tínhamos dúvidas; e, neste caso, o mais importante era mesmo validar o seu pensamento criativo da menina], mas esse também lhe fica muito bem!..."
Na verdade, isto não é nada de extraordinário... mas é notável no que mostra das tremendas capacidades do cérebro, do pensamento, da linguagem, do contacto com a realidade e da interação social das crianças pequenas.



domingo, junho 02, 2013

Vou ser pai adotivo de um sobreiro, a pensar nos nossos netos

Diz um ditado alentejano,
Quem pensa em si, planta um eucalipto; quem se preocupa com os seus filhos, planta um pinheiro; quem se preocupa com os seus netos, planta um sobreiro.
http://ferrariadesaojoao.com/wp/?page_id=226
Há pouco tempo, por altura da Páscoa, plantei um pinheiro, em Folgosinho, em nome da minha sobrinha-neta Mariana. Agora tornei-me pai adotivo de um sobreiro.
Como dizem os textos de divulgação da Associação de Moradores da Ferraria de São João, "sobreiro, sobro, sobreira ou chaparro (Quercus suber) é uma árvore da família do carvalho, cultivada no sul da Europa e a partir da qual se extrai a multifacetada cortiça. 
O sobreiro é, uma das espécies de árvores emblemática do território nacional, sendo desde o passado dia 22 de dezembro de 2011 considerado como árvore nacional de Portugal."

sábado, junho 01, 2013

QUE INFELIZ PRÉDICA SOBRE OS VALORES! A REPUDIAR!


QUE INFELIZ PRÉDICA SOBRE OS VALORES! A REPUDIAR!
Padre Anselmo, tanta atenção que tento dar aos seus textos!... Este é bastante infeliz. No fundo, é a velha e perversa recomendação beata, da má religião, de mansidão aos pobres e o perdão compreensivo aos ricos, no fim de uma Psicologia dos Valores tão fragilmente exposta; e depois do estafado dedo acusador ao dinheiro, o vil metal.
Repare o que tão discretamente pretende deixar inculcado nas nossas cabeças! Repare quem designa na falta de valores (ex-presidentes da República, bispos, professores, padres, pais e mães, educadores). Repare quem designa como sendo infelizes (os ricos). Repare quem designa na felicidade (os da sobriedade, quer dizer, os pobres). Repare quem escapa a qualquer designação, sobretudo comprometedora: os políticos que governam e tomam decisões!...
COMO PROFESSOR, COMO EDUCADOR, COMO "SÓBRIO", COMO CIDADÃO, REPUDIO ESTA SUA PRÉDICA, senhor padre Anselmo! O senhor, assim, não é nada cristão!
Quero muito que os meus alunos não se deixem enganar por este tipo de discurso!
http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=3251231&seccao=Anselmo+Borges&tag=Opini%E3o+-+Em+Foco&page=-1