domingo, abril 28, 2013

Qual é a medida do infinito?

No mesmo documentário que nos mostra um magnífico ritual de passagem, vivido na experiência direta entre o pai e o filho (http://fernandonaescola.blogspot.pt/2013/04/no-principio-e-vida.html); ainda no cimo da majestosa duna a que o mais velho alcandorou o rapaz que começava a descobrir o mundo, este, sem olhar o progenitor, mas enchendo-se da imensidão do que a sua vista alcançava, quis fazer-lhe uma pergunta, confiante na resposta que viesse a ouvir. Naquele momento de adolescer, seguramente o jovem sentiria ter ao seu lado o homem mais sábio que alguma vez conhecera, que tanto já lhe ensinara e muito teria ainda para lhe ensinar:
http://lianautinguassu.blogspot.pt/2013/01/assim-sinto.html
- Pai, como é o mar?...
O pai não demorou na humilde resposta:
- Nunca o vi, Rabdoulah...
E depois de uma breve pausa continuou:
- Dizem que é como o Ténéré, mas de cor azul.
Provavelmente neste instante o rapaz, a fazer-se homem e a conhecer o mundo, tomou para si a medida do infinito, do que é grande, grande para além do que o seu pensamento nascente conseguia conceber. Conhecemos a partir do que experimentamos; se noutros Rabdoulah's, de outras partes do mundo, a experiência sensível é a do mar, em Rabdoulah a experiência é a do deserto a ir para além do horizonte que a sua vista alcança. Seja deserto, seja mar, a vivência afetiva e a vivência cognitiva são as mesmas; são as vivências das crianças a crescerem. Que os homens, os mais velhos, saibam sempre fazer assim: dizer com afeto e dizer com inteligência o que aqueles de quem cuidam querem saber, enfrentando todos os desconhecidos com verdade e segurança.

Senta-te aí...

CONVERSA SÉRIA NA MANIFESTAÇÃO DO 25 DE ABRIL.
A camisola (estou a deixar de usar o termo 't-shirt') da menina legenda a fala do pai: "I want to tell you something" (Quero dizer-te uma coisa). Esta fala (a fotografia é testemunho da minha coscuvilhice...), se não acontecesse na manifestação do 25 de abril, seria assim, em casa; mas a seriedade dos rostos seria a mesma:
http://www.youtube.com/watch?v=baxj_eVPEe8

No princípio era a vida

http://www.allposters.com/-sp/Sand-Dunes-of-Ilekane-in-Tenere
-Part-of-Sahara-Desert-Near-Agadez-Posters_i7898176_.htm
Num documentário que pude visionar no canal Odisseia, "Caravanas" - documentário com fotografia magnífica, mas, no meu entender, composição infeliz -, é extraordinário o modo como tomamos noção de que aqueles homens, os Tuaregues, concebem que a Vida está em tudo e antes de tudo; até do Verbo.
O moço protagonista da aventura no mítico, no colossal Ténéré (deserto, na língua tuaregue), parte pela primeira vez com o seu pai para a longa jornada, jornada essa que ficará registada em documentário vídeo, permitindo-nos tomar um pouco dela para nós mesmos. É, há neste trabalho cinematográfico planos de imagem que nos fazem sentir o calor do deserto e tudo o mais que pai e filho pensam e conversam.
Quando atingem as primeiras dunas, o pai diz ao filho que suba com ele até à mais alta, para que possa ver a imensidão que vai para lá do horizonte.
É nessa altura que acontece o momento extraordinário, que faz passar de uma geração para a seguinte o modo de sentir que o ancestral Povo a que pertencem foi tecendo na relação entre os homens, os outros animais e os elementos.
O pai poderia ter dito ao filho: "Rabdoulah, meu querido filho, como podes ver com os teus próprios olhos, aqui não há nada; para encontrares alguma coisa que mostre a presença dos homens ou de alguma coisa com interesse, terás de vencer esta terra de nada e de ninguém."
Mas não. O pai, com o filho a beber-lhe as palavras, diz-lhe: "Esta é a terra vazia, onde só o vento, a areia e o silêncio conseguiram sobreviver."
Extraordinário, este momento, já o escrevi! Não sei se a tradução das palavras do pai, que leio nas legendas do documentário, reproduz fielmente o que o pai disse ao filho. Tomemos a tradução como correta.
Este pai, que tem como missão levar o filho ao coração da cultura que recebeu dos seus ancestrais, mostra ao que se está fazendo homem que o deserto não é um espaço vazio, totalmente ausente de vida. Os elementos que ele enumera - o vento, a areia e o silêncio - são sobreviventes, isto é, são possuidores de vida. Nada mais sobrevive porque a terra está vazia; mas, ao insuflar a ideia de vida ao vento, à areia e ao silêncio, o sujeito transmissor de cultura admite que o que não está lá agora pode já lá ter estado, ou pode vir a estar lá. Esta crença na presença da Vida é que é o elemento essencial daquele momento precioso de Cultura. O que poderia ter sido dito como uma resignação é dito como uma esperança, um alento; no lugar do dramatismo derrotista deixa a esperança estimulante.
No final do documentário, pai e filho regressam ao "refúgio das montanhas". Mas depois de descansar, contar as histórias da sua aventura e de voltar a brincar com os seus amigos, o jovem tuaregue, que passou a sentir o vento, a areia e o silêncio de outro modo, deixa-se levar na imaginação, preso à magia do deserto, do Ténéré, e descobre que o desejo de a ele voltar passou a fazer parte dele.
Que pai fantástico este, que mostra ao filho como é o Mundo, como há que sonhá-lo; e, pelo seu exemplo, como enfrentá-lo!
(Considero a composição do documentário infeliz porque os seus autores, tanto tentaram fazer um paralelo constante entre duas caravanas, entre duas aventuras diferentes, que acabaram por prejudicar a assimilação da dinâmica cultural complexa, humanamente muito exigente de ambas)

quinta-feira, abril 25, 2013

25 de abril, sempre! Em 2013.


Este é o poema que escolhi para o 25 de abril de 2013. Porque penso que são cada vez maiores e mais poderosas, mesmo que menos nítidas ou imediatamente visíveis, as prisões em que confinamos as crianças e os jovens e lhes comprometemos irremediavelmente o futuro. 


25 de abril, sempre!
PELO FUTURO DAS CRIANÇAS E DOS JOVENS DE HOJE
Por razões que eles mesmos conhecem (será que conhecem mesmo?, ou só eu conheço as razões por que eles me marcaram para os destacar nesta ocasião?...), dedico estes versos especialmente à Maria João, à Vanda Menezes, ao Márcio Perdigão, ao João de Matos, ao Fábio Fernandes, ao Hugo Fernandes e ao Ricardo de Sousa.

"Camaradas, para a Con
[Condessa Constance Markievicz, defensora dos direitos humanos irlandesa]
A noite tranquila que me rodeia flui,
Rompe pelas portas de ferro da tua prisão,
Livre pelo mundo o teu espírito vai,
Mãos proibidas entrelaçam-se nas tuas.
O vento é nosso cúmplice
A noite deixou as portas entreabertas;
Voltaremos a encontrar-nos para lá das grades dos portões da Terra,
Lá, onde todos os rebeldes selvagens do Mundo estão."
- Eva Gore-Booth
[irmã de Con]
Chris Newman, o Patrick
Comrades, To Con
The peaceful night that round me flows,
Breaks through your iron prison doors,
Free through the world your spirit goes,
Forbidden hands are clasping yours.
The wind is our confederate
The night has left the doors ajar;
We meet beyond earth's barred gate,
Where all the world's wild rebels are.
- Eva Gore-Booth
Estes versos são recitados de cor pelo personagem Patrick, praticamente no final do filme "Song for a raggy boy", quando o professor Franklin se encaminha para a saída do reformatório, de malas na mão.
http://www.youtube.com/watch?v=EWiVx7SyGdA&list=PL1A4B4C8512642559

Constance e Eva eram ambas ativistas políticas irlandesas. Ambas se empenharam na defesa dos pobres e dos mais desfavorecidos. Constance foi presa e condenada à morte. Entretanto, dado ser uma mulher, a pena foi comutada para prisão perpétua. Beneficiou de uma amnistia em 1917, mas pouco depois voltou a ser presa; até que foi libertada novamente. Eva morreu em 1926 (aos 56 anos) e Constance em 1927 (aos 59 anos).


sábado, abril 20, 2013

Oa alunos-peixes das nossas escolas

http://fictionthatmatters.tumblr.com/post/23042909665/
techedblog-everybody-is-a-genius-but-if-you
Falei ontem, ao final do dia, ao telefone, com a mãe de um aluno de uma escola de Lisboa.
A senhora ligou-me, essencialmente queria desabafar a tensão em que a conversa que tivera com a diretora de turma do seu rapaz mais uma vez a deixara. Conheço a senhor e o rapaz já há tempo suficiente para se terem consolidado relações de amizade pessoal entre nós.
O rapaz anda no ensino básico; é muito inteligente, mas a escola, como se diz popularmente, tem sido madrasta para ele. Lembrei-me, enquanto conversava com a mãe dele, do peixe da história de Einstein.
A Internet, na complexidade espantosa de que tantos de nós se tornaram dependentes, divulga uma afirmação cuja autoria, como quase sempre, é disputada por vários cientistas e pensadores importantes, a maioria dos quais sem sequer saber como foram chamados para tal disputa. No caso da afirmação em questão, quem leva, por agora, a camisola amarela é Albert Einstein.
A frase é poderosa, a situação real que ilustra é dramaticamente verosímil - é mesmo uma situação comum nas nossas escolas. Eu diria, é cada vez mais comum nas nossas escolas, onde eu vejo a qualidade e a competência dos professores aproximar-se da apreciação geral que sempre, ao longo de toda a sua vida, Rómulo de Carvalho foi fazendo acerca dos professores; e que eu me tenho obstinado, até agora, a não aceitar.
Diz assim a frase:

“Everybody is a genius. But if you judge a fish by its ability to climb a tree, it will live its whole life believing that it is stupid.”

(Toda a gente é um génio. Mas se julgamos um peixe pela sua capacidade de subir uma árvore, ele passará toda a sua vida a pensar que é estúpido.)

É essencialmente isto que, no meu entender, acontece em tantas escolas, com tantos professores: só têm a árvore para oferecerem aos seus alunos e quem não é macaco... pois é, está lixado!
Nem a malfadada Crise justifica o comodismo (agora não se diz comodismo, diz-se incapacidade de sair da sua zona de conforto), a falta de esforço - e de respeito! - dos professores pelos seus alunos e pela qualidade das suas aulas.
Lembro-me, agora de uma outra afirmação, que ouvi atribuída a Salazar, que diz mais ou menos assim:
"O grande problema nem é as coisas que se dizem ou que se fazem; o grande problema é as coisas que se inventam para justificar o que se diz ou o que se faz..."
É, é verdade, o que é confrangedor - e muito dramático! - é o que se inventa para justificar as coisas com que aos poucos vamos desgraçando a vida de tantos dos nossos alunos - que têm o azar de serem diferentes de nós e de não corresponderem imediatamente à imagem do que a gente quer que eles sejam.

sexta-feira, abril 12, 2013

O que é a Educação?


Na passada quarta-feira, dia 10, participei numa sessão de trabalho promovida por uma grande empresa informática. A sessão visou apresentar um conjunto extraordinário de recursos informáticos integrados para uso nas escolas e na educação, em geral, a partir das mais tenras idades. Que sofisticação de materiais e equipamentos!... Até na discrição das formas, dos tamanhos e dos pesos de tais coisas! Deixando a pairar no ar a sussurante ideia do Big Brother - superbonzinho, neste caso - que tudo verifica, que tudo controla, nas ações dos miúdos aprendentes.
Quase ao arrepio de tudo o mais que foi dito durante toda a manhã e a primeira parte da tarde, o último conferencista, um muito interessante especialista escocês, avisou, a determinada altura da sua comunicação:
Ewan McIntosh
"Empathy is the key!" Quem diria!... Fantástico! Como eu gostei de o ouvir dizer isto!
Hoje fui confrontado por uma jovem que se inicia como uma muito promissora estudiosa das ciências da Educação com a seguinte questão:
- O que é a Educação?
Pois bem, o melhor jeito que encontrei de lhe responder, foi assim, quase num ápice:
- "Educar é influenciar; em sentido geral, influenciar intencionalmente. Habitualmente é um indivíduo mais velho, mais sabedor, com mais experiência - quase sempre, um progenitor ou um professor - que procura influenciar o comportamento de um outro indivíduo, mais novo, (ainda) menos sabedor, com menos experiência: a criança-filho ou a criança-aluno. A influência social contida no(s) atos(s) de educar visam, tradicionalmente, a INTEGRAÇÃO nas formas de convivência social e nos rituais de relacionamento das famílias e dos outros grupos sociais de pertença; e de TRANSMISSÃO de saberes acumulados (na família e nos diferentes níveis de culturas de pertença). Cada vez mais, as mais modernas formas de educação, sejam formais, sejam informais, visam também o DESENVOLVIMENTO pessoal específico de cada indivíduo, visto na ótica de um ser que nasce com potencialidades únicas, específicas, idiossincráticas, que reclamam oportunidade de expansão e desenvolvimento."
Olho agora para o que lhe disse, e confesso que acho que não me saí mal... Certamente irei partir ainda alguma pedra à volta desta asserção; mas, para uma resposta curta e urgente, repito, acho que não me saí nada mal.
Beijinho grande, querida S.! Obrigado por me teres dado a oportunidade de tornar consciente e dar forma a este pensamento, que é ao mesmo tempo de síntese e prospetivo.