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domingo, junho 25, 2017

O padre António Vieira, os escravos e os índios do Brasil

Não tenho estabilizado, nem pacificado, o entendimento sobre o que o padre António Vieira fez e disse sobre a escravatura, os negros (africanos traficados para o Brasil) e os índios (nativos da América do Sul).
Não conheço ainda o suficiente da obra e dos escrito do padre António Vieira, o que me leva a ter a ideia (espero que errada) de que os nativos índios eram os filhos queridos, e os traficados negros eram os filhos, enfim, "bastardos" (no sentido tradicional de serem desvalorizados, quiçá, desprezados).
Foi pura coincidência, ontem, ler, no "Cultura", de Dietrich Schwanitz,
[...] Isto conduz à segunda catástrofe: raptam-se em África negros que suportam o clima e o trabalho nas plantações e vendem-se como escravos. Na Lisboa manuelina, com cerca de cem mil habitantes, dez mil são escravos [...] (D. Quixote, 16.ª edição, p. 133)
e a notícia da inauguração da estátua do padre António Vieira, em Lisboa, no Largo Trindade Coelho.
Eu sei qual é a pedra no sapato que ainda tenho por causa do padre António Vieira: é que ele aceita e/ou defende o conceito de "guerra justa", que, no entender dele, legitima a escravatura - e é sobre isto que eu tenho ainda de ler ainda um pouco mais na tremenda e absolutamente fascinante obra do nosso imperador. Sim, absolutamente, ele é o imperador de que Fernando Pessoa fala.
A favor de Vieira estão as seguintes palavras do seu sermão, classificado como sendo o XXVII dos Sermões do Rosário:
Todas estas razões de Séneca se reduzem a uma, que é serem também homens os que são escravos. Se a fortuna os fez escravos, a natureza fê-los homens: e por que há de poder mais a desigualdade da fortuna para o desprezo, que a igualdade da natureza para a estimação? Quando os desprezo a eles, mais me desprezo a mim, porque neles desprezo o que é por desgraça, e em mim o que sou por natureza. A esta razão forçosa em toda a parte se acrescenta outra no Brasil, que convence a injustiça e exagera a ingratidão. Quem vos sustenta no Brasil, senão os vossos escravos? Pois, se eles são os que vos dão de comer, por que lhes haveis de negar a mesa, que mais é sua que vossa? Contudo, a majestade ou desumanidade da opinião contrária é a que prevalece, e não só não são admitidos os escravos à mesa, mas nem ainda às migalhas dela, sendo melhor a fortuna dos cães que a sua, posto que sejam tratados com o mesmo nome. Que importa, porém, que os senhores os não admitam à sua mesa, se Deus os convida e regala com a sua? 
Ora bem, ganharão aqui os escravos negros africanos a reboque dos escravos índios americanos... mas a questão do conceito de "guerra justa" é mesmo, por enquanto, uma valente pedra no meu sapato. Talvez seja a minha visão - estreita - de português, europeu e cidadão do mundo tardio mais de 300 anos em relação ao tempo da assombrosa figura da Cultura Portuguesa e Mundial.
Além disso, o padre António Vieira terá parceiros de peso - na verdade, nem a cidade ideal da fascinante Utopia de Thomas Moore dispensa a escravatura... de guerra ou castigo justo...
É, para mim, é assunto ainda em aberto.

domingo, março 31, 2013

Um pensamento para esta Páscoa

http://ventor.blogs.sapo.pt/63608.html
Foi em José Saramago que tomei contacto com a afirmação de Pitigrilli (Dino Segre, pseudónimo) que diz que "O homem é o único animal que consegue distinguir a água benta da água da torneira". Esta afirmação, que choca tanto crente em Deus e em Cristo, parece-me oportuno recordá-la hoje, num dia de celebração tão antiga na nossa cultura.
Mais do que nunca, o homem - os homens poderosos, sobretudo - vivem negando a espiritualidade tremenda que pode ser vislumbrada na afirmação de Pitigrilli. O comportamento de tantos confirma a condição animal, bruta, de que somos feitos; e que apenas o esforço da tradição, da cultura e da educação renovadamente tenta que consigamos, enquanto espécie, enquanto seres gregários, ir um pouco mais além.
Os dizeres bíblicos são, no fundo, bem mais radicais do que a afirmação de Pitigrilli pode apontar.
"Pulvis es, tu in pulverem reverteris: Sois pó, e em pó vos haveis de converter. Sois pó, é a presente; em pó vos haveis de converter, é a futura." relembra o Padre António Vieira (Sermão de Quarta-Feira de Cinzas). Que radicalismo maior pode, na verdade, haver do que este?
A capacidade de simbolização que a frase de Pitigrilli implica é o extraordinário recurso do Homem para ir além da sua condição física essencial. Que o Padre António Vieira esgrime a propósito dos pensamentos e das verdades de Aristóteles. Mais uma vez, como ainda há dias citei a propósito da morte do padre José Fernando, vale bem a frase que um dia Fernando Pessoa ouviu a alguém com quem se cruzou à mesa de um café: "Assim é a vida, mas eu não concordo."
Quantos dos homens que abominam Saramago, que renegam a animalidade recordada por Pitigrilli, e que se benzem enfaticamente depois de tocarem, com gesto lento e delicado, na água benta da pia da igreja; dizia eu, quantos desses homens tratam o Próximo (no mais pleno sentido dos mandamentos das Tábuas do Antigo Testamento) com a mais voraz das animalidades?... Cada vez mais selvaticamente.
Estou curioso, à espera de  ver como o Papa Francisco vai tocar neste estado de coisas...
Mas que os comuns dos mortais não fiquem à espera. A luta de muitos milhares de homens, há muitos milhares de anos, continua a ser o principal fautor das transformações no sentido de melhores condições de vida para um cada vez maior número de seres humanos.