domingo, março 31, 2013

Um pensamento para esta Páscoa

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Foi em José Saramago que tomei contacto com a afirmação de Pitigrilli (Dino Segre, pseudónimo) que diz que "O homem é o único animal que consegue distinguir a água benta da água da torneira". Esta afirmação, que choca tanto crente em Deus e em Cristo, parece-me oportuno recordá-la hoje, num dia de celebração tão antiga na nossa cultura.
Mais do que nunca, o homem - os homens poderosos, sobretudo - vivem negando a espiritualidade tremenda que pode ser vislumbrada na afirmação de Pitigrilli. O comportamento de tantos confirma a condição animal, bruta, de que somos feitos; e que apenas o esforço da tradição, da cultura e da educação renovadamente tenta que consigamos, enquanto espécie, enquanto seres gregários, ir um pouco mais além.
Os dizeres bíblicos são, no fundo, bem mais radicais do que a afirmação de Pitigrilli pode apontar.
"Pulvis es, tu in pulverem reverteris: Sois pó, e em pó vos haveis de converter. Sois pó, é a presente; em pó vos haveis de converter, é a futura." relembra o Padre António Vieira (Sermão de Quarta-Feira de Cinzas). Que radicalismo maior pode, na verdade, haver do que este?
A capacidade de simbolização que a frase de Pitigrilli implica é o extraordinário recurso do Homem para ir além da sua condição física essencial. Que o Padre António Vieira esgrime a propósito dos pensamentos e das verdades de Aristóteles. Mais uma vez, como ainda há dias citei a propósito da morte do padre José Fernando, vale bem a frase que um dia Fernando Pessoa ouviu a alguém com quem se cruzou à mesa de um café: "Assim é a vida, mas eu não concordo."
Quantos dos homens que abominam Saramago, que renegam a animalidade recordada por Pitigrilli, e que se benzem enfaticamente depois de tocarem, com gesto lento e delicado, na água benta da pia da igreja; dizia eu, quantos desses homens tratam o Próximo (no mais pleno sentido dos mandamentos das Tábuas do Antigo Testamento) com a mais voraz das animalidades?... Cada vez mais selvaticamente.
Estou curioso, à espera de  ver como o Papa Francisco vai tocar neste estado de coisas...
Mas que os comuns dos mortais não fiquem à espera. A luta de muitos milhares de homens, há muitos milhares de anos, continua a ser o principal fautor das transformações no sentido de melhores condições de vida para um cada vez maior número de seres humanos.

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