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domingo, fevereiro 23, 2025

#TOLERÂNCIA 56 - A TOLERÂNCIA E O TEMPO

 #TOLERÂNCIA 56 - A TOLERÂNCIA E O TEMPO

Nas aulas em que pedi aos alunos que realizassem a tarefa do "Perfil da Tolerância", houve duas coisas a que fui especialmente sensível, e que estão para além dos perfis finais obtidos por triagem sucessiva em cada uma das turmas.

Uma delas foi a escolha da "Paciência". Foi, em geral, a primeira escolha logo na primeira parte da tarefe, em que não estava ainda nada apurado, em que cada aluno abordava a tarefa sem conhecer fosse o que fosse dos seus colegas. Nessa altura, a escolha da Paciência chegou a ser esmagadora em algumas das turmas. Foram depois as triagem seguintes que modularam a escolha da Paciência, conhecidos que ficaram os pensamentos e as opiniões dos colegas da turma.

Sim, a Paciência é mesmo a primeira coisa que salta à cabeça quando se fala em Tolerância, como que a dizer: «Para se conseguir ser tolerante é preciso ter muita paciência.» Parece uma coisa quase instintiva; parece e deve ser mesmo assim, terei de aprofundar este assunto. Fá-lo-ei, sim, lá mais para a frente.

A outra coisa que me tocou especialmente foi a escolha do Tempo, das Horas, da Pressa e da Pausa. A escolha e os comentários e desabafos que a propósito ouvi nas várias turmas.

Pareceu-me que os alunos pedem que sejam tolerantes com eles... Quem é que eles querem que seja tolerantes com eles? Os pais, os professores, a sociedade. Parece que os jovens sentem que que todos querem que eles façam coisas depressa, mais depressa; que demorem menos Tempo; que não deixem passar as Horas; que não lhes dão pausas suficientes. Os jovens querem ir mais devagar...

É como se eles, alinhados com o Professor Agostinho da Silva — que dizia que o homem não nasceu para trabalhar, mas sim para desfrutar a vida —, estivessem a dizer aos mais velhos «Para quê tanta pressa? É preciso fazer sempre tudo a correr?»

É tentador dizer «Eles não querem é fazer nada... Quanto menos fizerem, melhor para eles, e até se puderem ter tudo já feito, melhor para eles...» Não, não é isso; ou, dito doutra maneira, não é só isso.

Eu tenho um fraquinho muito grande pelo Mestre, o Alberto Caeiro, que era (na concepção de Fernando Pessoa) pouco mais velho que os meus alunos. E tenho uma convicção muito pessoal da razão porque Fernando Pessoa "matou" o Mestre ainda com tão pouca idade (salvo erro, 26 anos): tinha medo de que ele desistisse de ser quem era e se rendesse ao conformismo da vida adulta em que a maioria das sociedades actuais desembocaram. É precisamente de Alberto Caeiro este pequeno poema:

"Eu queria ter o tempo e o sossego suficientes / Para não pensar em coisa nenhuma, / Para nem me sentir viver, / Para só saber de mim nos olhos dos outros, reflectido."

Sabe-se que Alberto Caeiro tinha a obsessão de ser só natureza tanto quanto possível, e que, ao pensar, o indivíduo imediatamente saía da sua natureza, deixava de poder desfrutar o que era na sua natureza corporal, animal, sensacionista. A percepção é a consciência das sensações, ele queria ser, ele queria ser-se, antes dessa consciência.

Penso que os jovens têm uma necessidade cada vez maior de se sentirem como são e no que são a partir da sua própria natureza; e penso que a vida que os crescidos organizam para eles é uma vida cada vez mais de horários impostos, seja para a escola, seja para os "tempos-livres". Sim, tempos livres entre aspas porque tendem a ser muito pouco livres.

«Se eu não tenho o tempo e o sossego suficientes, para não pensar em tanta coisa que querem que eu pense, que me impede de me sentir na minha natureza mais básica, anterior ao meu destino de cumprir, cumprir, cumprir, como é que eu posso saber o que sou, como é que eu posso entender o que querem de mim, como é que eu me harmonizo com quer coisas de mim? E eu quero que queiram coisas de mim! A sério que quero! Mas para isso, por favor, vamos mais devagar, deixem-me descobrir-me na minha natureza mais básica, mais antes de tudo o resto — o resto que pensa, que faz, que cria, constrói, sonha, erra, corrige; e envolve-se, sim, eu sei que, como dizia Ortega e Gasset, «Eu sou eu e a minha circunstância, e se não a salvo a ela, não me salvo a mim.» E os outros são a parte mais importante da minha circunstância.»

«Se eu sinto que não tenho de andar a correr atrás do tempo, fico menos ansioso, fico menos irritadiço, fico menos impaciente [aqui está a Paciência!]. É fico mais tolerante e dialogante. Vamos experimentar? Vá, por favor!»

Não é por acaso que tantos professores, hoje em dia, pedem programas escolares menos extensos, com menos conteúdos, mas mais aprofundamento nalguns deles.

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segunda-feira, janeiro 27, 2025

#TOLERÂNCIA 29 - NÃO HÁ PACIÊNCIA PARA TOLERAR

#TOLERÂNCIA 29 - NÃO HÁ PACIÊNCIA PARA TOLERAR

Quem escreveu assim foi o padre António Vieira: «Valei-me, Senhor, que não há paciência para tolerar, que ser homicida e ladrão, não seja argumento de ser judeu, e o seja ser devoto e pio!»

O padre António Vieira escreve assim numa carta que tem o título "Notícias recôndidas do modo de
proceder a Inquisição com os seus presos".(1) O alvo da sua crítica é a Inquisição, o Santo Ofício da Inquisição, e a irracionalidade dos seus procedimentos e julgamentos, em que é maior razão para condenar um judeu o ser pio e devoto do que criminoso a sério, homicida ou ladrão. O padre António Vieira pretende denunciar a prática da perseguição dos judeus pela Inquisição (ou sejam a Igreja do Papa de Roma), sendo tal perseguição baseada não em actos praticados pelos perseguidos, mas em preconceitos arraigados e irracionais, em que até mesmo virtudes são transformadas em suspeitas.

Um pouco mais à frente, o padre António Vieira escreve assim: «Duas impiedades se devem advertir no estilo do novo regimento em a dita dilação, e é necessária a paciência do santo Job para as tolerar».

Se eu estou a ler bem as palavras de Vieira, ele está, mais uma vez, a atacar, denunciando, a Inquisição. Vieira chama a atenção para duas "impiedades", ou seja, duas graves injustiças no novo regimento jurídico da Inquisição; e o termo "dilação" diz respeito ao prolongamento do tempo de prisão ou ao próprio processo judicial, que era frequentemente arbitrário e injusto.

Por isso, clamava o padre António Vieira, «… é necessária a paciência do santo Job para as tolerar…»

Comparando a situação ao sofrimento de Job (figura bíblica que tudo aceita com paciência sem fim(2)), o padre António Vieira enfatiza que é preciso um nível extraordinário de paciência para suportar tamanha injustiça.

Repare-se que na Introdução do "Livro de Job" (Estou a usar a 7.ª edição, de 1976, da "Bíblia Sagrada", dos Missionários Capuchinhos, pp. 659-693), lê-se que «O fim é dar-nos um modelo de paciência no meio das tribulações da vida, assim como mostrar-nos a justiça e transcendência dos desígnios divinos, que ao homem cumpre aceitar, mesmo que não os compreenda». É um regresso ao texto da #TOLERÂNCIA 22, agora alargando as questões do tolerar, aceitar e compreender a Deus, ou aos deuses, sejam eles quais sejam.

Que podemos concluir destas duas breves frases que o padre António Vieira escreveu durante o tempo em que esteve em Roma, e em que associa a Tolerância à Paciência? Se há que dar já uma resposta, mesmo que sucinta, é que a Paciência é aliada poderosa da Tolerância, mas que ela (a Paciência) não é infinita.

Se a Tolerância acaba quando acaba a Paciência; ou se a Tolerância acaba (ou deve acabar) mesmo que ainda não esteja esgotada a Paciência, ora aqui está um interessante tema para a Pedagogia e a Educação da Tolerância.

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(1) Leio na "Obra Completa, Padre António Vieira, tomo IV, volume II, Escritos sobre os Judeus e a Inquisição", do Círculo de Leitores, 2014, na p. 363, na nota de rodapé, que a autoria deste texto talvez não seja do padre António Vieira. A nota, longa, acaba assim, depois de dizer que «a hipóteses mais consentânea é a de que o autor terá sido Pedro Lupina Freire»: «Este facto torna provável que, na sua circulação, por Roma e Portugal, o texto tenha recebido contributos de outras mãos, por exemplo a da Vieira. No entanto, a questão aguarda ainda um estudo mais aprofundado.»

(2) Bem, não se pense que foi fácil para Job resignar-se e tolerar as provações a que o seu Deus o sujeitou. O pequeno livro bíblico diz que ele, despojado de tudo, começou por amaldiçoar o dia em que nasceu. O desenvolvimento da tolerância dentro de si foi um processo que reclamou dele muita paciência, reflexão e esforço para tentar compreender; a aceitação não foi imediata, nem automática. «Depois disto, Job viveu ainda cento e quarenta anos e viu os seus filhos e os filhos dos seus filhos, até à quarta geração.» (ibidem, p. 693)