#TOLERÂNCIA 29 - NÃO HÁ PACIÊNCIA PARA TOLERAR
Quem escreveu assim foi o padre António Vieira: «Valei-me, Senhor, que não há paciência para tolerar, que ser homicida e ladrão, não seja argumento de ser judeu, e o seja ser devoto e pio!»
O padre António Vieira escreve assim numa carta que tem o título "Notícias recôndidas do modo deproceder a Inquisição com os seus presos".(1) O alvo da sua crítica é a Inquisição, o Santo Ofício da Inquisição, e a irracionalidade dos seus procedimentos e julgamentos, em que é maior razão para condenar um judeu o ser pio e devoto do que criminoso a sério, homicida ou ladrão. O padre António Vieira pretende denunciar a prática da perseguição dos judeus pela Inquisição (ou sejam a Igreja do Papa de Roma), sendo tal perseguição baseada não em actos praticados pelos perseguidos, mas em preconceitos arraigados e irracionais, em que até mesmo virtudes são transformadas em suspeitas.
Um pouco mais à frente, o padre António Vieira escreve assim: «Duas impiedades se devem advertir no estilo do novo regimento em a dita dilação, e é necessária a paciência do santo Job para as tolerar».
Se eu estou a ler bem as palavras de Vieira, ele está, mais uma vez, a atacar, denunciando, a Inquisição. Vieira chama a atenção para duas "impiedades", ou seja, duas graves injustiças no novo regimento jurídico da Inquisição; e o termo "dilação" diz respeito ao prolongamento do tempo de prisão ou ao próprio processo judicial, que era frequentemente arbitrário e injusto.
Por isso, clamava o padre António Vieira, «… é necessária a paciência do santo Job para as tolerar…»
Comparando a situação ao sofrimento de Job (figura bíblica que tudo aceita com paciência sem fim(2)), o padre António Vieira enfatiza que é preciso um nível extraordinário de paciência para suportar tamanha injustiça.
Repare-se que na Introdução do "Livro de Job" (Estou a usar a 7.ª edição, de 1976, da "Bíblia Sagrada", dos Missionários Capuchinhos, pp. 659-693), lê-se que «O fim é dar-nos um modelo de paciência no meio das tribulações da vida, assim como mostrar-nos a justiça e transcendência dos desígnios divinos, que ao homem cumpre aceitar, mesmo que não os compreenda». É um regresso ao texto da #TOLERÂNCIA 22, agora alargando as questões do tolerar, aceitar e compreender a Deus, ou aos deuses, sejam eles quais sejam.
Que podemos concluir destas duas breves frases que o padre António Vieira escreveu durante o tempo em que esteve em Roma, e em que associa a Tolerância à Paciência? Se há que dar já uma resposta, mesmo que sucinta, é que a Paciência é aliada poderosa da Tolerância, mas que ela (a Paciência) não é infinita.
Se a Tolerância acaba quando acaba a Paciência; ou se a Tolerância acaba (ou deve acabar) mesmo que ainda não esteja esgotada a Paciência, ora aqui está um interessante tema para a Pedagogia e a Educação da Tolerância.
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(1) Leio na "Obra Completa, Padre António Vieira, tomo IV, volume II, Escritos sobre os Judeus e a Inquisição", do Círculo de Leitores, 2014, na p. 363, na nota de rodapé, que a autoria deste texto talvez não seja do padre António Vieira. A nota, longa, acaba assim, depois de dizer que «a hipóteses mais consentânea é a de que o autor terá sido Pedro Lupina Freire»: «Este facto torna provável que, na sua circulação, por Roma e Portugal, o texto tenha recebido contributos de outras mãos, por exemplo a da Vieira. No entanto, a questão aguarda ainda um estudo mais aprofundado.»
(2) Bem, não se pense que foi fácil para Job resignar-se e tolerar as provações a que o seu Deus o sujeitou. O pequeno livro bíblico diz que ele, despojado de tudo, começou por amaldiçoar o dia em que nasceu. O desenvolvimento da tolerância dentro de si foi um processo que reclamou dele muita paciência, reflexão e esforço para tentar compreender; a aceitação não foi imediata, nem automática. «Depois disto, Job viveu ainda cento e quarenta anos e viu os seus filhos e os filhos dos seus filhos, até à quarta geração.» (ibidem, p. 693)
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