sábado, agosto 25, 2012

Kilimanjaro 2007 - 25 de Agosto de 2007, sábado (7.º dia)


25 de Agosto de 2007, sábado (7.º dia)


Programa proposto:
Day 7: The moor lands soon come to an end and the rocky path leads amongst outcrops to the Lava tower (this is optional if one not taking western breach) where there are good campsites (4600m, 5 hours) then continue to Barranco hut (3900m, 2hours).

Dados da expedição para este dia:
·                  Ponto de partida: Shira Camp 2 (3850 m)
·                  Ponto de chegada: Barranco Camp (3950 m)
·                  Progressão em altitude: 100 m
·                  Distância percorrida: 6 km
·                  Tempo de caminhada previsto: 8 horas (real: 08h32)
Condições do dia:
·                  Nascer-do-sol: às 07h10, já com o céu muito claro, vimos o sol aparecer pelo lado esquerdo do Kilimanjaro, a partir do ponto mais baixo visível, que sobe suavemente até ao topo
·                  Temperatura: na tenda, não medida; no exterior: 0º C
·                  Condições de tempo: céu limpo; algumas nuvens, muito finas, espalhadas, longe umas das outras; não há vento

A alvorada hoje foi às 06h30, o chá às 07h00, e o pequeno-almoço às 07h30. Saímos do acampamento às 08h22. A temperatura, entretanto, subiu para os 10º C.


Confirmam-se os indícios de planeamento e regulamentação das actividades com os grupos de turistas e montanheiros. Os guias e os carregadores, gente simples, pobre – sim, gente pobre; muito pobre -, são muito zelosos e cumpridores. Não lhes podemos chamar profissionais. Não o são, nem de perto, nem de longe. Só os guias possuem uma certificação oficial. Nas atitudes dos guias e das equipas de carregadores notamos que a sua relação com os turistas é regulada por princípios e normativos profissionais que visam proteger as pessoas dos turistas e proteger também as condições ambientais. Sentirmos isso faz-nos sentir em segurança, faz-nos ter respeito por eles; faz-nos pensar que o Kilimanjaro, no que deles depender, terá vigor e saúde por muito tempo.
O respeito que os guias e carregadores têm pelos turistas não é reverencial, nem subserviente. E isso torna-os muito dignos aos nossos olhos. Na verdade, não aturam complacentemente tudo aos montanheiros, são educadamente e discretamente firmes. Todos os visitantes da Montanha deverão cumprir regras de boa utilização daquele ambiente magnífico (por exemplo, quanto aos lixos e à satisfação das bem humanas necessidades fisiológicas para eliminar do interior do corpo as substâncias líquidas e sólidas residuais do metabolismo de assimilação de alimentos… Uf! Que eufemismos!... Será do respeito pela Montanha que nos penetra cada vez mais até aos ossos?). É verdade, não é qualquer moita ou chaparro que serve para o que costumamos fazer no campo. E – atenção! – eles, os guias e os carregadores, são os primeiros a dar o exemplo.
Também as estruturas que sinalizam os caminhos de ascensão ao topo do Kili revelam o planeamento e a organização. O mais engraçado de todos – pelo menos, na rota que fizemos – é capaz de ser o que mostramos na seguinte fotografia. Dispensa palavras, naquele ermo longínquo e de acesso muito difícil.

A progressão em altitude prevista para este dia é enganadora. Na verdade, o percurso prevê a ascensão até aos 4600 m, só depois descendo à altitude de Barranco Camp. A acentuar as dificuldades do dia, o valor da altitude a que efectivamente já nos encontramos, ou seja, ronda já os 4000 m. O percurso será difícil com subidas prolongadas, sempre em grande altitude, fazendo-nos tomar contactom mesmo que de mansinho, com os sintomas para que estamos bem avisados: dificuldades respiratórias e dores de cabeça. A vegetação é rasteira e a progressão será feita em passo lento. Nem a beleza da paisagem conseguia fazer esquecer os efeitos da altitude, especialmente sentidos pela companheira Cristina.
Só para se ter uma ideia das diferenças no ritmo de progressão durante o dia de hoje, veja-se o seguinte: às 09h27, uma hora depois de termos iniciado a ascensão de hoje, atingimos os 4000 m. Quer dizer, subimos 150 metros; mantínhamos uma cadência de passada de 57 passos por cada minuto. À tarde, por volta das 13h15, ainda a subir para Lava Tower, a cadência mantinha-se nos 58 passos por minuto. Às 16h00, depois de escalarem a Lava Tower, os rapazes desceram para Barranco Camp com uma cadência de 110 passos por minuto!
09h55. Atingimos os 4100 m. A temperatura é de 14º C. Fizemos uma pausa de descanso, praticamente à mesma altitude, às 10h30.
Intersecção da Lemosho Route com a Machame Route. 
O almoço decorreu já depois da intersecção com a Machame Route, um outro percurso alternativo de aproximação ao Kilimanjaro. Aqui, a Cristina, sentindo-se bastante afectada pela altitude com dores de cabeça, mau-estar e náuseas, resolveu tomar um comprimido de Diamox que é referido em vários sites como redutor dos sintomas negativos da altitude. Verificou-se que, pelo contrário, não só os sintomas se agravaram ao longo da tarde como ficou num estado febril.
13h13. O céu continua limpo e a temperatura está nos 16º C. Retomámos o caminho para Lava Tower. O grupo iria separar-se. As meninas, com o guia Augusto, seguiriam directamente para o acampamento de Barranco Camp; e os rapazes, com o guia António, seguiriam para escalar a “Lava Tour”, a 4600 m de altitude. A escalada era difícil, mas presenteou os corajosos “alpinistas” com uma vista soberba sobre o Barranco Valey. Chegaram ao topo da Lava Tower às 14h10.
Desceram daquela bem vertical irrupção rochosa e voltaram a pegar nas mochilas que tinham largado praticamente na base da Torre, para o assalto final ao topo da mesma, à força de pernas e mãos.
Outra vez na base, aproveitando um tempo de descanso, o Fernando foi fotografar os primeiros, ainda bem fraquitos, pedaços de neve velha. O Man’el e o Luís entretiveram-se a “espremer” o António com a tradução para swahili de palavras e expressões verbais para a canção que temos todos andar a congeminar.
Lava Tower. Lá em cima chegamos aos 4600 m. Desde a base, são à volta de 100 m que se erguem abruptamente
As mochilas ficaram lá atrás. Agora, sobe-se "à felino", "a quatro patas".

Sentados na lava arrefecida da Tower. Bom sítio para tentar ter sinal de rede no telemóvel.
Com o esforço do António, a nossa canção vai tomando forma em swahili.
Após esta experiência os rapazes dirigiram-se ao acampamento, percorrendo o Vale que tinham contemplado lá do alto, e que mais parecia uma paisagem pré-histórica devido à profusão de lobélias e senécios.
Barranco Camp, como o vamos ver na manhã do dia 26. Ao fundo, o Monte Meru (cerca de 4600 m). De permeio, um mar de nuvens que apetece pisar para lhes sentir a suavidade.
No acampamento, em Barranco Camp, deparámos com imensas tendas e diferentes grupos, já que os percursos começam a juntar-se, oriundos de diferentes rotas para o ataque final ao Kili.
A Isabel está aparentemente bem e com mais coragem. A Cristina, pelo contrário, está adoentada e, para cúmulo, partiu um dente a comer pipocas (a exigir indemnização ou reposição do trabalho clínico fracassado ainda em Lisboa). Após a lavagem habitual das mãos, jantou-se sopa, guisado de legumes, panquecas, ananás e chá, no final.

            Constituir este pequeno episódio como tema de jornada justifica-se fundamentalmente como alerta para outros que tenham oportunidade de uma aventura igual à nossa. Já se perceberá porquê.
            Como já dissemos no apontamento que deixámos sobre a nossa alimentação durante a ascensão ao Kilimanjaro, as refeições eram condicionadas pelas necessidades específicas da actividade; pelas condições de transporte e conservação adequada de produtos perecíveis; e pela conveniente “ocidentalização”, de maneira a que fosse fácil a nossa adaptação à alimentação que nos era oferecida.
            Ora, hoje, depois do jantar, saímos da tenda e, quando alguns de nós davam um pequeno passeio, demos de caras com toda a equipa de apoio tomando o seu jantar. Reparámos que o que comiam era muito diferente daquilo que punham na nossa mesa. Estavam a comer minúsculos peixes secos, que faziam lembrar os nossos “jaquinzinhos”, que misturavam com o tradicional puré branco antes de levarem à boca. Tivemos curiosidade de provar e não nos fizemos rogados quando os nossos guias nos puseram a jeito de experimentar. Sabia bem! E lamentámos que não tivéssemos contacto com mais pitéuzinhos deste género…
            Portanto, depois desta pequena ocorrência, deixamos aqui a sugestão de, se possível, se tal não mexer com a organização do projecto de subida ao Kilimanjaro, não deixem de coscuvilhar de que é feita a alimentação da equipa de apoio, talvez seja possível provar alguma coisa tradicional e saborosa.

Por conselho do guia Augusto, a Cristina foi para a caminha com 2 Ben-urons e ficámos a aguardamos as suas rápidas melhoras.
A deita foi às 20h30, em ambiência de nevoeiro.

sexta-feira, agosto 24, 2012

Kilimanjaro 2007 - 24 de Agosto de 2007, sexta-feira (6.º dia)


24 de Agosto de 2007, sexta-feira (6.º dia)


Programa proposto:
Day 6. A gentle walk across the plateau leads to Shira two camp on moorland meadows by a stream (3850m, 1.5 hours). A variety of walks are available on the plateau making this an excellent acclimatization day.

Dados da expedição para este dia:
·                  Ponto de partida: Shira Camp 1 (3500 m)
·                  Ponto de chegada: Shira Camp 2 (3850 m)
·                  Progressão em altitude: 350 m
·                  Distância percorrida: 5 km
·                  Tempo de caminhada previsto: 5 horas (real: 05h04)
Condições do dia:
·                  Nascer do sol: 06h53
·                  Temperatura: na tenda, 0º C; no exterior: -1º C
·                  Condições de tempo: céu completamente limpo; sem vento
Como de costume, a alvorada “oficial” foi às 07h00. E o chá para desfazer o jejum matinal, às 07h30. O pequeno-almoço, às 08h00. A saída para a jornada de hoje estava prevista para as 08h30. Os horários continuam a ser cumpridos quase cronometricamente.

Tema de jornada n.º 1 – O Emanuel, o assistente do grupo
É hora de apresentar o Emanuel. Quem é o Emanuel? 
O Emanuel e o Man'el
O Emanuel é o membro da equipa que nos garante o serviço das refeições no acampamento (o pequeno-almoço e o jantar); e nos faz a entrega da refeição volante do almoço. É, digamos, o nosso assistente. Todas as manhãs o Emanuel se certifica que nos levantamos à hora prevista[1], traz-nos as bacias de água quente para as breves lavagens da manhã; e a seguir nos serve o chá. Pouco depois chama-nos para a tenda do pequeno-almoço, onde acabámos por fixar os lugares[2]
A tenda das refeições e os lugares "marcados"
2 dias mais tarde... Eh! Eh! Eh!
O Emanuel ainda nos ajuda no ritual de preparação e distribuição da água a beber durante o dia: 
A preparação da água para a jornada do dia: a água é fervida no dia anterior, e filtrada; depois são adicionadas pastilhas desinfectantes. Só passadas 2 horas é que a água deverá ser consumida.
          
            Em rigor, a jornada de hoje iniciou-se às 09h10. Logo hoje, que falámos da precisão cronométrica!   Akuna Matata!...
A temperatura já tinha subido para os 14º C. O céu mantinha-se limpo, mas agora soprava um vento ligeiro, agradável. Percorremos um chão de rocha, muito poeirento.
            Aproveitando uma pequena pausa para descanso, um de nós abordou o assunto das neves do Kilimanjaro com o guia António. Perguntámos-lhe se ele sabia o que se dizia do aquecimento global e das neves do Kilimanjaro. O António pôs um ar sério, bem distinto do ar simpático e brincalhão com que ele constantemente procura manter-nos alegres e bem-dispostos. Percebemos que o assunto não lhe era desconhecido e que não era a primeira vez que o abordava. Tomou uma posição intimista, quase secretiva e disse-nos: Já vimos o Kilimanjaro sem neve nenhuma, talvez há 14 anos. E a neve voltou depois. Já voltou muita. Vai e vem. Mas ele falava com uma expressão de rosto que não confirmava o que as suas palavras pareciam dizer: que as neves seriam eternas, num movimento cíclico de vai-vem. Não, a expressão do seu rosto, e a tonicidade dos seus gestos não transmitiam tranquilidade, nem confiança; nem receio, também. Mostravam a seriedade de uma questão que estava ligada a uma forma de ganha-pão, por exemplo, para garantir o prosseguimento dos estudos da filha; e mostravam também a convicção na crença que a seguir exprimiu com clareza: Para mim, o Kilimanjaro, as neves do Kilimanjaro estão na mão de Deus, e só dele. Só ele sabe o futuro das neves do Kilimanjaro. Estas afirmações denunciam que ele (eles) já se apercebeu da irregularidade presente das neves que tantos turistas com dinheiro atrai; denunciam também que é preciso acreditar… ter fé… e, no que dele e dos seus colegas guias e carregadores depender, defender e preservar aquela imensa galinha de ovos d’ouro.
            Era para nós evidente que o António tinha vontade de continuar a conversa. O assunto é importante. Não está nas mãos dele, nem dos seus colegas; ou dos governantes do País. Está nas mãos de Deus. E, se calhar, Deus não tem sido claro nas suas intenções acerca do Kili. Já pareceu ser uma; e também a sua contrária.
            11h16. Estamos juntos a um pedaço de Natureza agradável, que convida ao descanso. Sob a orientação dos guias, largámos as mochilas por uns momentos e baixámos um pouco até uma pequena queda de água, uma preciosidade da região onde nos encontrávamos. A temperatura agora é de 18º C. O altímetro diz-nos que subimos à volta de 120 m nas 2 horas já andadas.

            Por volta das 12h20 fizemos paragem para almoço. Nesta hora subimos tanto quanto nas 2 horas anteriores, mais precisamente, juntámos 136m à altitude já conquistada. 17º C. O almoço de hoje era composto por sandes mista (tomate, ovo e pimento), coxinha de galinha frita, cenoura crua, ovo cozido, banana, laranja e bolinho. Um banquete!...
            14h14. Chegamos a Shira Camp 2, com uma temperatura de 16º C. Agora o céu está nublado, com algumas abertas.
            O percurso deste dia foi calmo e, como deixámos já entender, de declives geralmente suaves. Cruzámo-nos com poucos caminheiros. A vegetação é cada vez mais rasteira, à base de arbustos e entrecortada por alguns riachos, que começavam a surgir por entre as rochas. Viram-se as primeiras lobélias [ver ilustração …], plantas tipo cacto com um porte médio e cilíndrico, que marcaram a partir de aqui a vegetação da montanha com menos humidade e mais pedregosa. Ao longo do percurso de hoje aproveitámos para conversar um pouco mais com os guias. Estamos a tentar compor uma canção em Swahili, utilizando uma música popular alusiva ao Kilimanjaro e eles vão-nos ajudando a traduzir algumas palavras.
            Assim que chegámos à zona do acampamento, largámos as mochilas, servimo-nos das bacias de água quente e do sabonete para as ablações habituais desta hora, e fomos lanchar na tenda. Depois, como de costume, hasteámos a bandeira portuguesa.
            Hoje, a bandeira assim posta à vista de todos atraiu um grupo de espanhóis que tinham ali antes de nós, estavam num acampamento próximo, fazendo uma outra rota.
            Por volta das 18h00, os guias conduziram-nos para um passeio de aclimatação, que durou pouco mais de hora e meia e nos fez subir – e depois baixar – cerca de 150 m. A Cristina e a Isabel, que à chegada ao campo pareciam incapazes de dar mais um passo que fosse, à vista de “nuestros Hermanos” ganharam novo fôlego e acabaram por se decidir fazer o passeio de aclimatação com os restantes membros do grupo e – sobretudo! – com os parceiros espanhóis. 
O passeio foi muito divertido e proporcionou às meninas uma acentuada melhoria do seu estado físico e psicológico… E viva Espanha!...
18h05. Hora de jantar. Sopa de abóbora, com a tradicional farinha de milho que o nosso cozinheiro (e, ao que parece, todos os cozinheiros) gosta de pôr em tudo; arroz com cenoura crua, guisado de carne e legumes e salada de couve-flor e feijão verde. A sobremesa foi laranja e mais chá de gengibre. A Cristina preferiu chá de tília, para acalmar, pois começa a sentir os efeitos da altitude, nomeadamente no sono.
O gengibre, embora digestivo, é excitante. Após o jantar estivemos a iniciar a composição da nossa canção final mas, antes, o Kili presenteou-nos com uma visão da sua face clara à luz da Lua. O céu estava todo estrelado. O que nos reservará o dia de amanhã? Há a salientar que, no final do jantar, a Isabel (surpresa!...) não perguntou ao guia Augusto como era possível desistir.



[1] Bem, na verdade o Emanuel deveria acordar-nos às 7 horas da manhã, como faz com todos os grupos de montanhistas. Pois… só que, como os guias nos dirão mais tarde, numa fase de confiança pessoal mais garantida, nós formávamos um grupo muito activo, autónomo e colaborante, e antecipávamo-nos  sempre, e quando ele chegava às nossas tendas, já nós estávamos a pé… e prontos para o chá do desjejum, ao contrário da maioria dos grupos; por exemplo, de um recente grupo de alemães, que lhes deu muito trabalho, logo a começar na hora de tirar o rabinho da cama!... Estes alemães estilhaçaram-lhes os horários das sucessivas jornadas! É claro que se não fossemos todos fáceis de levantar da cama, o Man’el se encarregaria de se antecipar ao Emanuel. E, diga-se de passagem, a nós sabia-nos muito bem essa segurança no despertador Man’el. Mesmo que a gente falhasse, ele, de certeza, lá estaria. Ele é mais seguro que o melhor dos Rolex, Ómegas, ou quejandos!
[2] Na hora de arrumar os apontamentos e as fotografias para este documento final, constatámos que, afinal, pouco ou nada sabíamos do Emanuel. Com ele estivemos, com ele ganhámos alguma familiaridade, mas deixámos a Tanzânia sem saber um pouco mais sobre ele, a sua vida, as suas aspirações e ambições ou a sua família. Por qualquer razão, não se proporcionou que conversássemos e nos conhecêssemos melhor. Agora, a distância, temos pena. Na verdade, a progressão na escalada em si; o verdadeiramente pouco tempo de contacto com o rapaz, por causa da necessidade de cumprir os horários – no fundo, os nossos horários são de férias, mas os do nosso grupo de apoio são de trabalho, mesmo que a disponibilidade pessoal que todos revelam connosco seja notável); e a necessidade de se estar bastante atento aos pormenores da subida (as roupas, a água, a condição física) absorvem-nos completamente a atenção.

quinta-feira, agosto 23, 2012

Kilimanjaro 2007 - 23 de Agosto de 2007, quinta-feira (5.º dia)


23 de Agosto de 2007, quinta-feira (5.º dia)


Programa proposto:
Day 5: The trail gradually steepness and enters the giant heather moor land zone then crosses the Shira ridge at about 3600m to drop gently down to Shira 1 camp located by the stream on the Shira plateau (3500m, 5hours).

Dados da expedição para este dia:
·                  Ponto de partida: Mti Mkubwa Campsite (2750m)
·                  Ponto de chegada: Shira Camp 1 (3500m)
·                  Progressão em altitude: 750m
·                  Distância percorrida:
·                  Tempo de caminhada previsto: 5 horas (real: +/- 7 horas)
Condições do dia:
·                  Nascer do sol: 06h53
·                  Temperatura: na tenda, não medida; no exterior: entre 6 e 7º C
·                  Condições de tempo: céu completamente limpo; sem vento

Alvorada às 06h00. Chá na tenda às 07h00. Pequeno-almoço 07h30. Saída às 08h00.
Hoje acordámos às 6h00 com um “galo” a cantar... Era o Man’el, claro!... Quem mais poderia querer que toda a gente saísse bem cedinho da cama e não descansava enquanto não conseguisse o seu desiderato?...
 Arrumámos as mochilas e tomámos um bom pequeno-almoço com fruta, torradas, chá, café, cacau, leite, ovos e papa maizena.
A caminhada iniciou-se às 08h33. Desde que nos levantámos até começar a agora a temperatura subiu cerca de 5 graus, dos 7º para os 12º.
Caminhámos numa zona de floresta semi-tropical com árvores enormes, a que se seguiu uma zona de arbustos e mata menos densa. A paisagem era exuberante.
Às 09h55 fizemos a primeira paragem para descanso, com 18º C. O céu estava completamente limpo.
Começamos a ensaiar as primeiras canções na língua nativa. Os guias ajudavam.
Muzungo…
Ánápanda…
Mulima…
Kilimanjaro…
10h14. Pelas coordenadas locais, atingíamos, pela primeira vez, o meio da escalada. A vegetação torna-se decididamente arbustiva.
10h53. Atingimos os 3000 m. O céu está agora nublado, mas a temperatura continua a subir: 22º C.
11h43. Paramos para almoçar ligeiramente abaixo dos 3000m. 26º C, céu pouco nublado e absolutamente sem vento.
12h15. Retomamos a marcha.
15h15. Chegamos a Shira Camp 1. Tempo total da caminhada de hoje quase nas 7 horas. Foi um percurso difícil, com subidas muito longas e íngremes. Estávamos agora a 3500 m de altitude, mas antes atingíramos os 3600 m
17h05. Avistámos, pela primeira vez, as neves do Kilimanjaro, desde que iniciámos a subida. Um recorte imponente na paisagem.
As 17h05 já iam longe quando tirámos esta fotografia. As nuvens cobriam toda a montanha, excepto uma pequena região na base. Praticamente ficámos ali todo o tempo à espera que as nuvens se dissipassem.

O Campo Shira 1 fica num plateau/planalto imenso que permite que a nossa vista alcance bem longe.
Depois da excitação do primeiro contacto directo com o Kili, fomos finalmente lanchar. Chá e pipocas, como sempre, a marcar o fim do esforço da jornada. O jantar veio um pouco mais tarde. Sopa - óptima! - de legumes e massa com ratatouille e frango. Para a sobremesa havia abacate, mel e crepes. No fim, tomámos um chá de gengibre, disseram-nos os guias que era para ficarmos fisicamente mais vigorosos e de espírito mais forte.
Durante este percurso temo-nos cruzado com vários grupos de diferentes nacionalidades que, como nós, estão a fazer a subida do Kilimanjaro. Hoje cruzámo-nos com um grupo provavelmente pouco frequente (seria mesmo pouco frequente?...) Havia um contraste nítido entre a nossa estrutura relativamente pequena,  um grupo de 5 pessoas, e uma outra, de um grupo de 3 americanos… com 27 carregadores! Ou seja, uma proporção de 9 carregadores por escalador. Nós mantínhamos a proporção habitual: 2 carregadores por cada elemento do grupo. Será que até levariam camas com eles?...
 Amanhã, como será?... Teremos um dia fácil ou difícil? Mais uma vez a Isabel perguntou ao guia Augusto como seria o percurso daqui para a frente e se haveria possibilidade de desistir. O guia, bondosamente (e verdadeiramente, como pudemos comprovar depois) respondeu que o percurso do dia que se seguiria seria mais fácil do que o que o antecedia, ou seja, o dia de hoje.

quarta-feira, agosto 22, 2012

Kilimanjaro - 22 de Agosto de 2007, quarta-feira (4.º dia)


22 de Agosto de 2007, quarta-feira (4.º dia)


Programa proposto:
Day 4: Arusha to Moshi Londrossi gate (About 1:30hrs)
Drive from Arusha to Londorossi Park Gate (2250m, 1.5 hours). From here a forest track requiring a 4WD vehicle leads to Lemosho Glades (2000m, 11Km. 45minutes) and a possible campsite. Walk along beautiful forest trails to Mti Mkubwa (big tree) campsite, (2750m, 3hours).

Dados da expedição para este dia:
·                  Ponto de partida: Londorossi Park Gate (2250m)
·                  Ponto de chegada: Mti Mkubwa Campsite (2750m)
·                  Progressão em altitude: 500m
·                  Distância percorrida: (a pé) 10km
·                  Tempo de caminhada previsto: (a pé) 3 horas (real: 03h23m)
Condições do dia:
·                  Nascer-do-sol:
·                  Temperatura:
·                  Condições de tempo: céu completamente limpo; sem vento

Chegou o dia da partida para o Kilimanjaro, o motivo príncipe que trouxe o grupo à Tanzânia. Após o pequeno-almoço, saímos do hotel por volta das 08h00. À nossa espera estavam a Rose (Operations Manager) e o Charles (Executive Director) da ML Tours and Safaris; e o Eliezer, que nos ia conduzir até aos Lemosho Glades. Também ali estavam um jeep e uma carrinha, para transporte do material e da equipa de carregadores.

Num praticamente improvisado briefing, a senhora Rose, provavelmente com o fito de nos tranquilizar, tendo em conta as condições climatéricas, disse-nos que “The weather is changing”, habitualmente o mês de agosto é um mês quente; os meses de maio, junho e julho são meses mais frios; os de setembro e de outubro, tal como o de agosto, são quentes; e os meses de janeiro e fevereiro são meses climatologicamente suaves.
De qualquer das maneiras, a senhora Rose diz que se notam diferenças no Kili nos últimos 10 anos. Esta afirmação, dita assim com esta simplicidade toda, obrigou o grupo a tomar outra vez consciência uma das principais razões da aventura-expedição à Tanzânia que agora verdadeiramente se iniciava: verificar pelos próprios olhos, para além do tanto que se diz, envolto em muita polémica, ditos e contaditos: a condição de “saúde ecológica” do colossal relevo montanhoso, mágico, do coração de África. O filme de Al Gore, “Uma verdade inconveniente”, tem cerca de 1 ano, os seus avisos são impressionantes! No documentário, Al Gora claramente indica a situação do Kilimanjaro como uma das situações que mais dramaticamente evidencia as consequências do aquecimento global. Na ideia que nos foi possível trazer naquela altura ao pensamento, verificamos que os 10 anos da senhora Rose coincidem genericamente com os 10 anos mais quentes da Terra, até hoje. 10 são, também, os anos de que ele fala para o desaparecimento completo das neves eternas do Kilimanjaro.

Logo naquela altura fomos apresentados a Arusha, que supostamente iria ser o nosso guia principal.

A genericamente designada equipa de carregadores (os porters) era constituída por um chefe de equipa, 2 guias auxiliares, 10 carregadores, um cozinheiro, um ajudante de cozinha e 3 assistentes. Ao todo, 17 pessoas que viriam a constituir a nossa equipa de apoio durante os dias de “ataque” ao topo do Kilimanjaro. O procedimento habitual prevê a existência de 2 carregadores por caminheiro. A regulamentação oficial (agradável surpresa para todos nós!) limita a 20kg o peso total de carga transportada por cada carregador. As caminhadas deverão ser abertas por um dos guias e fechadas por outro, com todos os caminheiros entre um e outro.

 A meio do caminho para o Londorossi Park Gate, a carrinha avariou, o que obrigou a uma autêntica revolução no transporte planeado. O grupo de caminheiros seguia no jeep, com as respectivas bagagens.
A avaria do outro veículo iria obrigar a uma segunda viagem do jeep. Para já, na primeira, ao grupo dos caminheiros se juntariam alguns dos carregadores, e as bagagens que iam no interior do veículo foram mudadas para o tejadilho. De repente, sem nos darmos conta, inesperadamente, uma das clássicas imagens das velhas expedições, que se enchem de imprevistos românticos chegava-nos à própria pele! Isto sim, isto é que dá pica!...

No interior do jeep, a compactação dos corpos trouxe também a intensificação dos cheiros e das sensações olfactivas, que passaram a testemunhar a presença, no exíguo habitáculo, de anteriores - mas bem recentes - trabalhos humanos esforçados de muitos dos passageiros... Quer dizer, o romantismo impregnava por dentro e por fora aquele veículo, prenhe de intenções e entusiasmos.

10h50. Chegámos a Londorossi Gate. O nosso altímetro[1] marcava 18º C.


A entrada no Parque obriga ao registo de todos os elementos do grupo, com assinatura pessoal dos livros de registo.
A partir de agora vai ser sempre assim, todos os dias, enquanto nos mantivermos dentro dos portões que delimitam as rotas de marcha até ao topo do Kilimanjaro, temos de assinar o livro de ponto, certificando-nos o ponto de passagem. E não se pense que uma ou outra vez um colega possa assinar por outro!... Se alguém, por qualquer razão, não estiver junto do grupo quando o funcionário do parque se aproximar, ele espera ou vai à procura de quem ali falta.


Entretanto, noutro lado, em paralelo a este procedimento, toda a bagagem é pesada, volume e volume, para verificar se, no final da pesagem, a proporção peso de carga/carregador é respeitada: 20 kg por carregador.
Estes cuidados, estes procedimentos, deixam-nos satisfeitos. Subir o Kilimanjaro não é uma balda, nem se tratam os carregadores, pessoas simples e pobres, como burros de carga!...

12h35. Saímos para Lemosho Glades, ainda de jeep, e com o apoio de transporte da camioneta de um outro grupo.
Contrariamente ao previsto, o guia-chefe previsto não iria acompanhar-nos. Disse-nos que tinha sido tomado por uma complicação de saúde súbita, mas, em nossa opinião, a sua grande preocupação era a saúde da carrinha avariada. E, tendo em conta a compreensível importância que o veículo teria para o senhor e o seu trabalho, concluímos que a avaria da carrinha seria a verdadeira razão desta primeira (e, felizmente, única) redução no número de elementos de apoio à ascensão do Kili.
O romantismo do dia ainda não tinha chegado ao fim. Foram mais 50 minutos de romantismo, por picada acima. Tinha chovido e o caminho estava enlameado, por isso, difícil. O jeep atolou mesmo. Todos teriam de ajudar, nem que fosse simplesmente saltando fora do jeep e percorrendo um pequeno trajecto a pé. O Man’el matou saudades do seu tempo de África, em Angola!... Logo ele saltou para o comando das operações de desatascanço. A intervenção dele, serena, mas carregada de empenho e de entusiasmo pelo velho desafio reencontrado, foi determinante para a resolução do problema. Ele chegou mesmo a considerar o trajecto espectacular!
E chegámos a Lemosho – um descampado a partir do qual não se podia avançar mais com o jeep. Almoçámos uma sandes, uma fruta e um bolo. Este nosso lanchezinho, perfeito para as nossas necessidades, não era nada comparado com a postura holliwoodesca de um casal de exploradores americanos que almoçavam nas suas cadeiras de realizadores, e mesa bem composta com uma toalha de xadrez. Pareciam tirados de um filme americano qualquer e assim postos no meio da paisagem africana.
São agora 14h37. A temperatura subiu para os 22º C.
E finalmente partimos. Ou melhor, finalmente começámos. A pé. Sempre assim, até mais não se poder subir, daqui a alguns dias, não restando, nessa altura, senão a necessidade de depois se voltar a descer.


Percorremos um trajecto que não levantava quaisquer dificuldades especiais, muito bonito, muito arborizado. Quase 3 horas e meia depois chegámos a Mti Mkubwa, local da primeira pernoita em “resort” e “paredes” finas – bem finas, mesmo -, ondulantes e nómadas.
À chegada esperava-nos uma tina com água quente e sabonete – que luxo!... –, antes de entrarmos numa tenda onde nos foi servido um lanche de chá, leite, café, cacau e bolachas. A partir deste dia, qual casquinha de caracol culinário, esta tenda seria o nosso delicioso refúgio e aconchego para momentos de pausa e descanso sempre saborosos, sempre desejados.

Depois fomos arrumar as bagagens nas tendas previamente montadas pela nossa equipa de apoio. Aproveitámos algum tempo que então tivemos para pequenas arrumações, verificação do equipamento pessoal, algumas antevisões; e pequenos apontamentos. Até que fomos contemplados com o nosso primeiro jantar de campo constituído por sopa, carne com batatas fritas, fruta e chai, palavra swahili para chá.

            (…)

E chegou a hora do contacto com o primeiro “poço da morte”!... E o que é isto que rapidamente baptizámos de modo tão contundente? É, nada mais, nada menos, a latrina, local ou dispositivo onde obrigatoriamente temos que deixar os nossos dejectos mais básicos, produtos naturais da dimensão excretora do nosso metabolismo digestivo. O local, aquele paralelepípedo escuro, mal-cheiroso (naturalmente, claro!... como se dizia há muitos anos entre a rapaziada que acampava, Aqui ninguém come sabonetes!...), nada convidativo a que se entre dentro dele, é verdadeiramente indescritível. Mas vamos descrevê-lo… Consiste numa estrutura de madeira fechada, sem janelas e cujo principal orifício se localiza aos nossos pés, entre dois pequenos suportes, que, pelo modo como estão pregados ao chão, sugerem a posição correcta dos nossos corpos abaixados, em equilíbrio instável, em que as mãos não chegam para as necessidades simultâneas de se encontrar algum apoio, de segurar as roupas para que não toquem em parte alguma do interior de madeiras humedecidas, não de água, certamente; e ainda mãos para segurar e fazer uso dos indispensáveis papéis ou toalhetes que assegurarão as limpezas pessoais mínimas. E pronto, descrevendo a direito, pretende-se que os comuns mortais ali exercitem a sua pontaria, à boa maneira dos antepassados (europeus e todos os demais), acocorados (como se faz ainda muito em muitos locais públicos do nosso país e também, por exemplo, em muitos quartéis; e como é tradição em muitas culturas muçulmanas), largando estrategicamente os ditos-cujos produtos de excreção digestiva, na vertical, em linha perpendicular com o exíguo buraco. Não conseguem imaginar a situação?...
A Isabel mostrou-se ansiosa, com vontade de desistir, tendo mesmo perguntado ao guia Augusto, como o poderia fazer e quais as alternativas para voltar para trás. O grupo tentou convencê-la a continuar e a enfrentar um dia de cada vez. Tomou um chá de camomila e fomos todos deitar-nos por volta das 21h45. A Isabel e a Cristina dormiram na mesma tenda, para que esta se sentisse mais acompanhada e menos nervosa. Amanhã irá decidir o que quer fazer.
Entretanto, o Luís puxou as pernas do Man’el, que estava sentado distraidamente na tenda, com um repentino sacão. Não deu conta da preciosa água que os vizinhava. A água entornou-se e ficou tudo molhado. Ora bolas!...


[1] Sim, altímetro! Não nos enganámos. Trata-se de um aparelho com multifunções (dá-nos a altitude, data, hora, temperatura e pressão atmosférica; e valores acumulados), que sempre designamos “altímetro”.