quarta-feira, agosto 22, 2012

Kilimanjaro - 22 de Agosto de 2007, quarta-feira (4.º dia)


22 de Agosto de 2007, quarta-feira (4.º dia)


Programa proposto:
Day 4: Arusha to Moshi Londrossi gate (About 1:30hrs)
Drive from Arusha to Londorossi Park Gate (2250m, 1.5 hours). From here a forest track requiring a 4WD vehicle leads to Lemosho Glades (2000m, 11Km. 45minutes) and a possible campsite. Walk along beautiful forest trails to Mti Mkubwa (big tree) campsite, (2750m, 3hours).

Dados da expedição para este dia:
·                  Ponto de partida: Londorossi Park Gate (2250m)
·                  Ponto de chegada: Mti Mkubwa Campsite (2750m)
·                  Progressão em altitude: 500m
·                  Distância percorrida: (a pé) 10km
·                  Tempo de caminhada previsto: (a pé) 3 horas (real: 03h23m)
Condições do dia:
·                  Nascer-do-sol:
·                  Temperatura:
·                  Condições de tempo: céu completamente limpo; sem vento

Chegou o dia da partida para o Kilimanjaro, o motivo príncipe que trouxe o grupo à Tanzânia. Após o pequeno-almoço, saímos do hotel por volta das 08h00. À nossa espera estavam a Rose (Operations Manager) e o Charles (Executive Director) da ML Tours and Safaris; e o Eliezer, que nos ia conduzir até aos Lemosho Glades. Também ali estavam um jeep e uma carrinha, para transporte do material e da equipa de carregadores.

Num praticamente improvisado briefing, a senhora Rose, provavelmente com o fito de nos tranquilizar, tendo em conta as condições climatéricas, disse-nos que “The weather is changing”, habitualmente o mês de agosto é um mês quente; os meses de maio, junho e julho são meses mais frios; os de setembro e de outubro, tal como o de agosto, são quentes; e os meses de janeiro e fevereiro são meses climatologicamente suaves.
De qualquer das maneiras, a senhora Rose diz que se notam diferenças no Kili nos últimos 10 anos. Esta afirmação, dita assim com esta simplicidade toda, obrigou o grupo a tomar outra vez consciência uma das principais razões da aventura-expedição à Tanzânia que agora verdadeiramente se iniciava: verificar pelos próprios olhos, para além do tanto que se diz, envolto em muita polémica, ditos e contaditos: a condição de “saúde ecológica” do colossal relevo montanhoso, mágico, do coração de África. O filme de Al Gore, “Uma verdade inconveniente”, tem cerca de 1 ano, os seus avisos são impressionantes! No documentário, Al Gora claramente indica a situação do Kilimanjaro como uma das situações que mais dramaticamente evidencia as consequências do aquecimento global. Na ideia que nos foi possível trazer naquela altura ao pensamento, verificamos que os 10 anos da senhora Rose coincidem genericamente com os 10 anos mais quentes da Terra, até hoje. 10 são, também, os anos de que ele fala para o desaparecimento completo das neves eternas do Kilimanjaro.

Logo naquela altura fomos apresentados a Arusha, que supostamente iria ser o nosso guia principal.

A genericamente designada equipa de carregadores (os porters) era constituída por um chefe de equipa, 2 guias auxiliares, 10 carregadores, um cozinheiro, um ajudante de cozinha e 3 assistentes. Ao todo, 17 pessoas que viriam a constituir a nossa equipa de apoio durante os dias de “ataque” ao topo do Kilimanjaro. O procedimento habitual prevê a existência de 2 carregadores por caminheiro. A regulamentação oficial (agradável surpresa para todos nós!) limita a 20kg o peso total de carga transportada por cada carregador. As caminhadas deverão ser abertas por um dos guias e fechadas por outro, com todos os caminheiros entre um e outro.

 A meio do caminho para o Londorossi Park Gate, a carrinha avariou, o que obrigou a uma autêntica revolução no transporte planeado. O grupo de caminheiros seguia no jeep, com as respectivas bagagens.
A avaria do outro veículo iria obrigar a uma segunda viagem do jeep. Para já, na primeira, ao grupo dos caminheiros se juntariam alguns dos carregadores, e as bagagens que iam no interior do veículo foram mudadas para o tejadilho. De repente, sem nos darmos conta, inesperadamente, uma das clássicas imagens das velhas expedições, que se enchem de imprevistos românticos chegava-nos à própria pele! Isto sim, isto é que dá pica!...

No interior do jeep, a compactação dos corpos trouxe também a intensificação dos cheiros e das sensações olfactivas, que passaram a testemunhar a presença, no exíguo habitáculo, de anteriores - mas bem recentes - trabalhos humanos esforçados de muitos dos passageiros... Quer dizer, o romantismo impregnava por dentro e por fora aquele veículo, prenhe de intenções e entusiasmos.

10h50. Chegámos a Londorossi Gate. O nosso altímetro[1] marcava 18º C.


A entrada no Parque obriga ao registo de todos os elementos do grupo, com assinatura pessoal dos livros de registo.
A partir de agora vai ser sempre assim, todos os dias, enquanto nos mantivermos dentro dos portões que delimitam as rotas de marcha até ao topo do Kilimanjaro, temos de assinar o livro de ponto, certificando-nos o ponto de passagem. E não se pense que uma ou outra vez um colega possa assinar por outro!... Se alguém, por qualquer razão, não estiver junto do grupo quando o funcionário do parque se aproximar, ele espera ou vai à procura de quem ali falta.


Entretanto, noutro lado, em paralelo a este procedimento, toda a bagagem é pesada, volume e volume, para verificar se, no final da pesagem, a proporção peso de carga/carregador é respeitada: 20 kg por carregador.
Estes cuidados, estes procedimentos, deixam-nos satisfeitos. Subir o Kilimanjaro não é uma balda, nem se tratam os carregadores, pessoas simples e pobres, como burros de carga!...

12h35. Saímos para Lemosho Glades, ainda de jeep, e com o apoio de transporte da camioneta de um outro grupo.
Contrariamente ao previsto, o guia-chefe previsto não iria acompanhar-nos. Disse-nos que tinha sido tomado por uma complicação de saúde súbita, mas, em nossa opinião, a sua grande preocupação era a saúde da carrinha avariada. E, tendo em conta a compreensível importância que o veículo teria para o senhor e o seu trabalho, concluímos que a avaria da carrinha seria a verdadeira razão desta primeira (e, felizmente, única) redução no número de elementos de apoio à ascensão do Kili.
O romantismo do dia ainda não tinha chegado ao fim. Foram mais 50 minutos de romantismo, por picada acima. Tinha chovido e o caminho estava enlameado, por isso, difícil. O jeep atolou mesmo. Todos teriam de ajudar, nem que fosse simplesmente saltando fora do jeep e percorrendo um pequeno trajecto a pé. O Man’el matou saudades do seu tempo de África, em Angola!... Logo ele saltou para o comando das operações de desatascanço. A intervenção dele, serena, mas carregada de empenho e de entusiasmo pelo velho desafio reencontrado, foi determinante para a resolução do problema. Ele chegou mesmo a considerar o trajecto espectacular!
E chegámos a Lemosho – um descampado a partir do qual não se podia avançar mais com o jeep. Almoçámos uma sandes, uma fruta e um bolo. Este nosso lanchezinho, perfeito para as nossas necessidades, não era nada comparado com a postura holliwoodesca de um casal de exploradores americanos que almoçavam nas suas cadeiras de realizadores, e mesa bem composta com uma toalha de xadrez. Pareciam tirados de um filme americano qualquer e assim postos no meio da paisagem africana.
São agora 14h37. A temperatura subiu para os 22º C.
E finalmente partimos. Ou melhor, finalmente começámos. A pé. Sempre assim, até mais não se poder subir, daqui a alguns dias, não restando, nessa altura, senão a necessidade de depois se voltar a descer.


Percorremos um trajecto que não levantava quaisquer dificuldades especiais, muito bonito, muito arborizado. Quase 3 horas e meia depois chegámos a Mti Mkubwa, local da primeira pernoita em “resort” e “paredes” finas – bem finas, mesmo -, ondulantes e nómadas.
À chegada esperava-nos uma tina com água quente e sabonete – que luxo!... –, antes de entrarmos numa tenda onde nos foi servido um lanche de chá, leite, café, cacau e bolachas. A partir deste dia, qual casquinha de caracol culinário, esta tenda seria o nosso delicioso refúgio e aconchego para momentos de pausa e descanso sempre saborosos, sempre desejados.

Depois fomos arrumar as bagagens nas tendas previamente montadas pela nossa equipa de apoio. Aproveitámos algum tempo que então tivemos para pequenas arrumações, verificação do equipamento pessoal, algumas antevisões; e pequenos apontamentos. Até que fomos contemplados com o nosso primeiro jantar de campo constituído por sopa, carne com batatas fritas, fruta e chai, palavra swahili para chá.

            (…)

E chegou a hora do contacto com o primeiro “poço da morte”!... E o que é isto que rapidamente baptizámos de modo tão contundente? É, nada mais, nada menos, a latrina, local ou dispositivo onde obrigatoriamente temos que deixar os nossos dejectos mais básicos, produtos naturais da dimensão excretora do nosso metabolismo digestivo. O local, aquele paralelepípedo escuro, mal-cheiroso (naturalmente, claro!... como se dizia há muitos anos entre a rapaziada que acampava, Aqui ninguém come sabonetes!...), nada convidativo a que se entre dentro dele, é verdadeiramente indescritível. Mas vamos descrevê-lo… Consiste numa estrutura de madeira fechada, sem janelas e cujo principal orifício se localiza aos nossos pés, entre dois pequenos suportes, que, pelo modo como estão pregados ao chão, sugerem a posição correcta dos nossos corpos abaixados, em equilíbrio instável, em que as mãos não chegam para as necessidades simultâneas de se encontrar algum apoio, de segurar as roupas para que não toquem em parte alguma do interior de madeiras humedecidas, não de água, certamente; e ainda mãos para segurar e fazer uso dos indispensáveis papéis ou toalhetes que assegurarão as limpezas pessoais mínimas. E pronto, descrevendo a direito, pretende-se que os comuns mortais ali exercitem a sua pontaria, à boa maneira dos antepassados (europeus e todos os demais), acocorados (como se faz ainda muito em muitos locais públicos do nosso país e também, por exemplo, em muitos quartéis; e como é tradição em muitas culturas muçulmanas), largando estrategicamente os ditos-cujos produtos de excreção digestiva, na vertical, em linha perpendicular com o exíguo buraco. Não conseguem imaginar a situação?...
A Isabel mostrou-se ansiosa, com vontade de desistir, tendo mesmo perguntado ao guia Augusto, como o poderia fazer e quais as alternativas para voltar para trás. O grupo tentou convencê-la a continuar e a enfrentar um dia de cada vez. Tomou um chá de camomila e fomos todos deitar-nos por volta das 21h45. A Isabel e a Cristina dormiram na mesma tenda, para que esta se sentisse mais acompanhada e menos nervosa. Amanhã irá decidir o que quer fazer.
Entretanto, o Luís puxou as pernas do Man’el, que estava sentado distraidamente na tenda, com um repentino sacão. Não deu conta da preciosa água que os vizinhava. A água entornou-se e ficou tudo molhado. Ora bolas!...


[1] Sim, altímetro! Não nos enganámos. Trata-se de um aparelho com multifunções (dá-nos a altitude, data, hora, temperatura e pressão atmosférica; e valores acumulados), que sempre designamos “altímetro”. 

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