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segunda-feira, março 28, 2011

"O segredo é amar", como diria Sebastião da Gama

É claro que fiquei muito satisfeito com a revogação da avaliação dos professores, votada na semana passada pela Assembleia da República. [O Governo e a liderança dos deputados do Partido Socialista falam em aproveitamento eleitoralista... não sei (e interessará saber?, no meio de tanta coisa que tem acontecido na governação e na política do País?... Prefiro pensar: "Deus escreve direito por linhas tortas"]
Na altura em que foi o momento próprio para o fazer (2009, 2010), protestei pessoalmente, por escrito, contra este modelo de avaliação dos professores. Ato contínuo, reclamei ser submetido à forma mais exigente de avaliação prevista pelo modelo, para publicamente mostrar que o não temia.
Por isso, nesta hora, tomado, naturalmente, ainda por alguma inebriante satisfação, exorto (Que legitimidade tenho eu para o fazer?...) os meus companheiros de célebres manifestações na rua, a que o poder político nos obrigou, a apurarmos o rigor e a exigência no nosso trabalho, assim mostrando a zelosos fiscalizadores burocratas, que não necessitamos do seu olhar desconfiado, denegridor e inquisitório, ali mesmo em cima dos nossos atos e dos nossos procedimentos. Menos inquisição anatómica de métodos, mais enobrecimento de almas entusiasmadas na partilha de saberes, como logo aos 24 anos muito sabiamente intuiu Sebastião da Gama, quando se apresentou aos seus alunos, no início do seu estágio de professor.
Proponho duas frases, geograficamente vizinhas (páginas 216 e 217, na edição portuguesa da Porto Editora) na obra de Daniel Pennac, Mágoas da escola: "Neste mundo, é preciso ser bom demais para ser o suficiente." [Dans ce monde il faut être un peu trop bon pour l'être assez.] e "Basta um professor - um único! - para nos salvar e nos levar a esquecer todos os outros." [Il suffit d'un professeur - un seul - pour nous sauver de nous même et nous faire oublier tous les autres.]
Esforcemo-nos todos por um dia sermos este professor assim.

terça-feira, maio 12, 2009

O menino grande foi ao encontro do grande menino

No domingo passado fui à Orada. O Zeca Barroso tinha-me desafiado, e à nossa amiga Maria João, para outra vez irmos à feira das ervas aromáticas.
Eu tenho a mania de que sou um menino grande.
Peguei na moderna caneta e deixei um bilhetinho na caixa de correio do amigo Norberto, mais ou menos assim: "Diga ao Zé que vou tentar passar por casa dele amanhã, domingo."
No caminho do Redondo para a Orada falei com o Zeca sobre a minha intenção. "Isso arranja-se...", disse-me ele. E assim foi. À tardinha, chegámos a São Tiago de Rio de Moinhos.
O batedor Miguel prontamente nos conduziu, rua acima, com rijas pedaladas à frente do mercedes do Zeca, à casa da família Geadas.
A mãe do Zé reconheceu-me imediatamente e convidou-nos a entrar. Boamente, a senhora foi buscar o filho, e o senhor Geadas ficou ali, na entrada da casa, a acolher-nos.
O Zé, qual pardalito titubiante, destacou-se finalmente da penumbra da porta, que os pais insistiam que passássemos adiante, para dentro da casa.
O corpo e a consciência do Zé pediam o descanso que os olhos, a muito custo, contrariavam.
Ainda assim, o Zé arranjou concentração para o autógrafo; arranjou sorriso para a fotografia; e arranjou palavra para o compromisso de um dia irmos vibrar com o Benfica, na Luz.
Ao final do dia, quando cheguei a casa, em Lisboa, fui escrever ao Zé num bilhete apressado: "Desculpa a maldade que te fiz hoje." Assim que o carteiro electrónico confirmou que o bilhete tinha sido bem enviado, fui abrir o correio do dia. Logo à frente, sendo a mais recente mensagem que me tinha chegado, encontrei, escrito pelo Zé: "Será sempre benvindo à minha casa." Sorri e apaziguei.
Zé Geadas, eu não sou poeta, tal como o Manuel Correia, que contigo cantou; e a tua beleza interior merece que me justifique com as palavras, igualmente belas, de quem as sabe juntar. Aqui ficam. São do poeta Sebastião da Gama:

O MENINO GRANDE

Também eu, também eu,
joguei às escondidas, fiz baloiços,
tive bolas, berlindes, papagaios,
automóveis de corda, cavalinhos...

Depois cresci,
tornei-me do tamanho que hoje tenho.
Os brinquedos perdi-os, os meus bibes
deixaram de servir-me.
Mas nem tudo se foi:
ficou-me,
dos tempos de menino,
esta alegria ingénua
perante as coisas novas
e esta vontade de brincar.

Vida!
não me venhas roubar o meu tesoiro:
não te importes que eu ria,
que eu salte como dantes.
E se riscar os muros
ou quebrar algum vidro
ralha, ralha comigo, mas de manso...

(Eu tinha um bibe azul...
Tinha berlindes,
tinha bolas, cavalos, papagaios...

A minha Mãe ralhava assim como quem beija...
E quantas vezes eu, só pra ouvi-la
ralhar, parti os vidros da janela
e desenhei bonecos na parede...)

Vida!, ralha também,
ralha, se eu te fizer maldades, mas de manso,
como se fosse ainda a minha Mãe...

sábado, janeiro 10, 2009

O segredo é amar

Hoje, assim que saí da piscina, vi lá ao longe, a começar a afastar-se da linha irregular do perfil dos telhados, a lua, magnífica!... Enorme!... Branca, a crescer em brilho.
Da piscina a casa pouco mais é do que uma centena de metros. Mesmo assim, cruzei-me com quem me perguntou pelo Jorge América.
Associei a lembrança do rapaz à lua magnífica que acabara de ver. Logo que cheguei a casa fui procurar um dos textos que sobre ele escrevi, já há alguns anos, em 1996. Aqui está:

O segredo é amar.”, disse um dia Sebastião da Gama. Matilde Rosa Araújo, na apresentação da obra do professor, do poeta, do peda­gogo, da obra com o mesmo nome “O segredo é amar”, escreve assim: (...)

Sebastião soube sempre desde menino, e nunca o desaprendeu - e todos o sabemos desde crianças, só o desaprendemos mais tarde - que o  segredo é amar.

Foi esse segredo natural que gritou a sua pedagogia de poeta e professor, segredo natural de vida que é o dos verdadeiros homens.

Viver para Sebastião foi amar. Amar numa dádiva total. (...)

A sua clara alegria era a transparência do homem sofredor: e Sebastião, numa Carta de Estremoz, explica-a: “Se me querem ver contente, é darem-me um sábado de Estremoz. Não que eu seja triste nos mais dias. O que eu amo e quanto bendigo, pelo contrário, este precioso bem de existir!

Dores, desgostos, bofetadas? Disso é feito o bem... Que coragem teria eu de ser feliz se na base de tudo, e a dar sabor e pureza à impura alegria, não esti­vessem bofetadas, desgostos, dores?”

Nestas bofetadas, desgostos, dores, não está, de forma alguma, uma pas­sividade negativa  do comportamento, uma aceitação do mal que um conceito de natureza religiosa podia fazer aceitar para sublimar. Deus para Sebastião era o “Cristo da moldura” fraterno e militante que com ele também sofre: a fé nunca lhe quis esconder os valores terrenos nem o seu significado dentro da própria vida. A convicção de que a vida física não é senão um mero estágio, e breve, não lhe tira a ternura e o encantamento perante o mundo e, também, não lhe entrega a rejeição de um mundo imperfeito que ele sabe que saudavelmente temos de tornar melhor.

Portanto, a sua alegria (e quem ainda o poderá julgar liricamente cego?) foi a alegria consciente de quem sabe que a vida só é vida quando actuante na responsabilidade maravilhosa, e tão raras vezes maravilhada, de nos sabermos vi­vos, de olhos, ouvidos e coração abertos.” 

         Assim como ele nos revela neste escrito:

Os meus vizinhos têm um bicho numa gaiola. Um pintassilgo. Pois se eu andasse zangado com a Vida, que não ando (apesar de tanto mal que me tem feito, há tantas coisas boas que a Vida dá e me dá!), era por causa do pintassilgo que me reconciliaria com ela. Com ela e com os homens - se eu andasse zangado com os homens... Era ao lusco-fusco. Frio como só cá no meu Estremozinho. Batem à porta, vou ver. Uma velhinha. “Ó senhor, o pintassilgo é seu? É para o recolher, que o animal apanha muito frio.”

Ó velhinha santa, velhinha dos livros! Naturalmente, se te estivesse à mão a gaiola, soltavas o pintassilgo. Mas o que pudeste fazer é tão grande! Não sabes duas letras, provavelmente. E ainda se persiste no erro de que a grande desgraça é não saber ler. Qual coisa! A grande desgraça é não saber que os pássaros têm frio.” 

         Ou - acrescento agora eu - a grande desgraça é não olhar para a lua e ver que ela é bonita.

         Mas tu, meu outro príncipe [referência a outros jovens de quem falara antes no texto], há bem pouco tempo, numa nestas noi­tes de Páscoa, em que a hora a que devias ter-te deitado já tinha passado há muito, foste também capaz de dizer-me, no pátio do Lar [o Jorge era um jovem institucionalizado], quando me cruzei contigo, a caminho do meu gabinete, e eu insistia para que fosses descansar:

         Descansar, ó Bigodes? Cala-te mas é tu com essas coisas de to­dos os dias e olha! Já viste bem a lua linda que está? Descansar é dormir ou é estar bem? E eu agora estou bem é a ver aquela lua! Garantes-me que ela amanhã está ali outra vez assim como está agora?

         Parei e pensei no que ele me estava a dizer. Ele tinha razão. Não me lembro de alguma vez ter visto a lua naquele dourado tão lindo. E esqueci-me outra vez das horas.

         Pensar que este príncipe teve seis a Filosofia neste último período!... Que raio de educação ou ensino temos nós, que fazemos dum jovem filó­sofo, espontaneamente de olhos abertos para o mundo, um aluno de Filo­sofia empobrecido e desalentado, que deve ir para a cama mais cedo!...

         Diz o profeta na Bíblia (Ecles. 32:3): “Fala, ancião, porque isso te compete; mas com discrição, não perturbes a música”.

         Pois falei. Talvez sem a discrição aconselhada. Perdoem-me. É hora de me calar.