“O segredo é amar.”, disse um dia Sebastião da Gama. Matilde Rosa Araújo, na apresentação da obra do professor, do poeta, do pedagogo, da obra com o mesmo nome “O segredo é amar”, escreve assim: (...)
Sebastião soube sempre desde menino, e nunca o desaprendeu - e todos o sabemos desde crianças, só o desaprendemos mais tarde - que o segredo é amar.
Foi esse segredo natural que gritou a sua pedagogia de poeta e professor, segredo natural de vida que é o dos verdadeiros homens.
Viver para Sebastião foi amar. Amar numa dádiva total. (...)
A sua clara alegria era a transparência do homem sofredor: e Sebastião, numa Carta de Estremoz, explica-a: “Se me querem ver contente, é darem-me um sábado de Estremoz. Não que eu seja triste nos mais dias. O que eu amo e quanto bendigo, pelo contrário, este precioso bem de existir!
Dores, desgostos, bofetadas? Disso é feito o bem... Que coragem teria eu de ser feliz se na base de tudo, e a dar sabor e pureza à impura alegria, não estivessem bofetadas, desgostos, dores?”
Nestas bofetadas, desgostos, dores, não está, de forma alguma, uma passividade negativa do comportamento, uma aceitação do mal que um conceito de natureza religiosa podia fazer aceitar para sublimar. Deus para Sebastião era o “Cristo da moldura” fraterno e militante que com ele também sofre: a fé nunca lhe quis esconder os valores terrenos nem o seu significado dentro da própria vida. A convicção de que a vida física não é senão um mero estágio, e breve, não lhe tira a ternura e o encantamento perante o mundo e, também, não lhe entrega a rejeição de um mundo imperfeito que ele sabe que saudavelmente temos de tornar melhor.
Portanto, a sua alegria (e quem ainda o poderá julgar liricamente cego?) foi a alegria consciente de quem sabe que a vida só é vida quando actuante na responsabilidade maravilhosa, e tão raras vezes maravilhada, de nos sabermos vivos, de olhos, ouvidos e coração abertos.”
Assim como ele nos revela neste escrito:
Os meus vizinhos têm um bicho numa gaiola. Um pintassilgo. Pois se eu andasse zangado com a Vida, que não ando (apesar de tanto mal que me tem feito, há tantas coisas boas que a Vida dá e me dá!), era por causa do pintassilgo que me reconciliaria com ela. Com ela e com os homens - se eu andasse zangado com os homens... Era ao lusco-fusco. Frio como só cá no meu Estremozinho. Batem à porta, vou ver. Uma velhinha. “Ó senhor, o pintassilgo é seu? É para o recolher, que o animal apanha muito frio.”
Ó velhinha santa, velhinha dos livros! Naturalmente, se te estivesse à mão a gaiola, soltavas o pintassilgo. Mas o que pudeste fazer é tão grande! Não sabes duas letras, provavelmente. E ainda se persiste no erro de que a grande desgraça é não saber ler. Qual coisa! A grande desgraça é não saber que os pássaros têm frio.”
Ou - acrescento agora eu - a grande desgraça é não olhar para a lua e ver que ela é bonita.
Mas tu, meu outro príncipe [referência a outros jovens de quem falara antes no texto], há bem pouco tempo, numa nestas noites de Páscoa, em que a hora a que devias ter-te deitado já tinha passado há muito, foste também capaz de dizer-me, no pátio do Lar [o Jorge era um jovem institucionalizado], quando me cruzei contigo, a caminho do meu gabinete, e eu insistia para que fosses descansar:
“Descansar, ó Bigodes? Cala-te mas é tu com essas coisas de todos os dias e olha! Já viste bem a lua linda que está? Descansar é dormir ou é estar bem? E eu agora estou bem é a ver aquela lua! Garantes-me que ela amanhã está ali outra vez assim como está agora?”
Parei e pensei no que ele me estava a dizer. Ele tinha razão. Não me lembro de alguma vez ter visto a lua naquele dourado tão lindo. E esqueci-me outra vez das horas.
Pensar que este príncipe teve seis a Filosofia neste último período!... Que raio de educação ou ensino temos nós, que fazemos dum jovem filósofo, espontaneamente de olhos abertos para o mundo, um aluno de Filosofia empobrecido e desalentado, que deve ir para a cama mais cedo!...
Diz o profeta na Bíblia (Ecles. 32:3): “Fala, ancião, porque isso te compete; mas com discrição, não perturbes a música”.
Pois falei. Talvez sem a discrição aconselhada. Perdoem-me. É hora de me calar.
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