sábado, janeiro 10, 2009

O segredo é amar

Hoje, assim que saí da piscina, vi lá ao longe, a começar a afastar-se da linha irregular do perfil dos telhados, a lua, magnífica!... Enorme!... Branca, a crescer em brilho.
Da piscina a casa pouco mais é do que uma centena de metros. Mesmo assim, cruzei-me com quem me perguntou pelo Jorge América.
Associei a lembrança do rapaz à lua magnífica que acabara de ver. Logo que cheguei a casa fui procurar um dos textos que sobre ele escrevi, já há alguns anos, em 1996. Aqui está:

O segredo é amar.”, disse um dia Sebastião da Gama. Matilde Rosa Araújo, na apresentação da obra do professor, do poeta, do peda­gogo, da obra com o mesmo nome “O segredo é amar”, escreve assim: (...)

Sebastião soube sempre desde menino, e nunca o desaprendeu - e todos o sabemos desde crianças, só o desaprendemos mais tarde - que o  segredo é amar.

Foi esse segredo natural que gritou a sua pedagogia de poeta e professor, segredo natural de vida que é o dos verdadeiros homens.

Viver para Sebastião foi amar. Amar numa dádiva total. (...)

A sua clara alegria era a transparência do homem sofredor: e Sebastião, numa Carta de Estremoz, explica-a: “Se me querem ver contente, é darem-me um sábado de Estremoz. Não que eu seja triste nos mais dias. O que eu amo e quanto bendigo, pelo contrário, este precioso bem de existir!

Dores, desgostos, bofetadas? Disso é feito o bem... Que coragem teria eu de ser feliz se na base de tudo, e a dar sabor e pureza à impura alegria, não esti­vessem bofetadas, desgostos, dores?”

Nestas bofetadas, desgostos, dores, não está, de forma alguma, uma pas­sividade negativa  do comportamento, uma aceitação do mal que um conceito de natureza religiosa podia fazer aceitar para sublimar. Deus para Sebastião era o “Cristo da moldura” fraterno e militante que com ele também sofre: a fé nunca lhe quis esconder os valores terrenos nem o seu significado dentro da própria vida. A convicção de que a vida física não é senão um mero estágio, e breve, não lhe tira a ternura e o encantamento perante o mundo e, também, não lhe entrega a rejeição de um mundo imperfeito que ele sabe que saudavelmente temos de tornar melhor.

Portanto, a sua alegria (e quem ainda o poderá julgar liricamente cego?) foi a alegria consciente de quem sabe que a vida só é vida quando actuante na responsabilidade maravilhosa, e tão raras vezes maravilhada, de nos sabermos vi­vos, de olhos, ouvidos e coração abertos.” 

         Assim como ele nos revela neste escrito:

Os meus vizinhos têm um bicho numa gaiola. Um pintassilgo. Pois se eu andasse zangado com a Vida, que não ando (apesar de tanto mal que me tem feito, há tantas coisas boas que a Vida dá e me dá!), era por causa do pintassilgo que me reconciliaria com ela. Com ela e com os homens - se eu andasse zangado com os homens... Era ao lusco-fusco. Frio como só cá no meu Estremozinho. Batem à porta, vou ver. Uma velhinha. “Ó senhor, o pintassilgo é seu? É para o recolher, que o animal apanha muito frio.”

Ó velhinha santa, velhinha dos livros! Naturalmente, se te estivesse à mão a gaiola, soltavas o pintassilgo. Mas o que pudeste fazer é tão grande! Não sabes duas letras, provavelmente. E ainda se persiste no erro de que a grande desgraça é não saber ler. Qual coisa! A grande desgraça é não saber que os pássaros têm frio.” 

         Ou - acrescento agora eu - a grande desgraça é não olhar para a lua e ver que ela é bonita.

         Mas tu, meu outro príncipe [referência a outros jovens de quem falara antes no texto], há bem pouco tempo, numa nestas noi­tes de Páscoa, em que a hora a que devias ter-te deitado já tinha passado há muito, foste também capaz de dizer-me, no pátio do Lar [o Jorge era um jovem institucionalizado], quando me cruzei contigo, a caminho do meu gabinete, e eu insistia para que fosses descansar:

         Descansar, ó Bigodes? Cala-te mas é tu com essas coisas de to­dos os dias e olha! Já viste bem a lua linda que está? Descansar é dormir ou é estar bem? E eu agora estou bem é a ver aquela lua! Garantes-me que ela amanhã está ali outra vez assim como está agora?

         Parei e pensei no que ele me estava a dizer. Ele tinha razão. Não me lembro de alguma vez ter visto a lua naquele dourado tão lindo. E esqueci-me outra vez das horas.

         Pensar que este príncipe teve seis a Filosofia neste último período!... Que raio de educação ou ensino temos nós, que fazemos dum jovem filó­sofo, espontaneamente de olhos abertos para o mundo, um aluno de Filo­sofia empobrecido e desalentado, que deve ir para a cama mais cedo!...

         Diz o profeta na Bíblia (Ecles. 32:3): “Fala, ancião, porque isso te compete; mas com discrição, não perturbes a música”.

         Pois falei. Talvez sem a discrição aconselhada. Perdoem-me. É hora de me calar.

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