sexta-feira, fevereiro 14, 2025

#TOLERÂNCIA 47 - TOLERÂNCIA PESSOAL E TOLERÂNCIA LEGAL

 #TOLERÂNCIA 47 - TOLERÂNCIA PESSOAL E TOLERÂNCIA LEGAL

As leis são convenções entre homens. Procura-se com as leis regular o relacionamento entre as pessoas entre si e também dos grupos de pessoas entre eles. Neste momento, não interessa dizer se os fazedores das leis se são poderosos, sábios, ganhadores, dominadores, bons, visionários; doutro calibre ou doutra dimensão.

Talvez importasse já saber se as leis, as boas leis, são as que estão em consonância com a natureza das pessoas (individualmente consideradas), dos grupos humanos, ou mesmo dos ambientes de vida — sim, talvez, mas também não vamos, por agora levar isso em linha de conta.

Para já, o que é o foco da minha atenção hoje é a necessidade da lei, essa convenção reguladora.

A Malala Yousafzai foi afirmar, no dia 12 de Julho de 2013, na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque, nos EUA, a sua convicção de que «One child, one teacher, one pen and one book can change the world.»

O mundo, de lá até cá, não tem confirmado essa sua convicção. Infelizmente. Enquanto as crianças, com as suas canetas e os seus livros não conseguem, a Esperança está nas Leis, que elas consigam o Respeito, a Igualdade, a Tolerância.

Até agora, o meu foco tem sido o comportamento da pessoa, individual: informar, esclarecer e propor a mudança dos comportamentos, usando a Tolerância como arma de aceitação da diferença e inibição da rejeição impulsiva.

Só que nós somos muitos milhões no Mundo, a Escola e a Educação não têm braços que cheguem a tanta gente, seja porque são demais, seja porque nunca a eles todas chegaríamos com sentido de oportunidade. A Educação precisa da companhia da Lei; e a Pedagogia pode aconselhar sabiamente ambas, tanto a Educação como a Lei.

O jornalista alemão Dieter Grimm é o autor da enumeração (no Frankfurter Allgemeine Zeitung) de que Jürgen Habermas, sociólogo, filósofo e professor universitário alemão se serve para se questionar, e para nos questionar, acerca de situações concretas que não podem deixar de ser tratadas por quem tem a responsabilidade da governação dos Povos, das Nações, dos Países.

A enumeração é esta (tal como é usada por Habermas):

  • Tem um sikh legitimidade para reclamar a isenção do dever geral de usar um capacete quando conduz uma mota com base no seu dever religioso de usar um turbante?
  • Pode um prisioneiro judeu exigir que lhe seja servida comida kosher?
  • Um trabalhador muçulmano tem o direito de suspender o trabalho para efectuar breves orações?
  • Pode um trabalhador ser despedido por estar ausente durante os dias santos da sua comunidade religiosa?
  • Pode um trabalhador despedido por estas razões requerer o subsídio de desemprego?
  • Os comerciantes judeus devem ser autorizados a abrir ao domingo porque não estão autorizados a abrir ao sábado?
  • Uma aluna muçulmana pode ser dispensada da educação física porque não pode mostrar-se aos outros alunos com roupa desportiva?
  • As alunas muçulmanas podem usar véu na escola?
  • E as professoras das escolas públicas?
  • Aplicam-se regras diferentes às freiras de hábito e às professoras muçulmanas?
  • Devemos tolerar tanto a chamada do muezim transmitida por altifalante como os sinos das igrejas nas cidades alemãs?
  • Deve permitir-se que os estrangeiros cortem a garganta aos animais, mesmo que isso seja contrário às normas de protecção do país?
  • […] Devemos permitir que os mórmones pratiquem a poligamia no nosso país, apesar de esta ser permitida no seu país de origem?(1)

A edição original da lista é de 21 de Junho de 2002, e a publicação do artigo de Jürgen Habermas é de 2003, na revista Cités (2003/1 n.° 13). De lá até cá, passaram 22 anos, é possível que algumas mudanças legais se tenham alterado, conformado, ajustado; outras continuam em discussão e reflexão; outras não terão sofrido qualquer modificação. Por exemplo, em alguns países, ou regiões de países, os sikhs já podem andar de mota sem capacete, de maneira a puderem continuar a usar o seu turbante (o dastar). Outro caso: há grupos mórmones que já aboliram a poligamia há muitos anos.

O que é de se tomar consciência é de que estas questões são objecto de debate e discussão essencialmente na Europa, ou no chamado Mundo Ocidental. Porquê? Será porque são países de acolhimento de pessoas vindas doutras partes do mundo, seja porque razões seja?

Antes que me perca na crescente complexidade deste assunto, para que não deixe de sentir o chão seguro, proponho que uma primeira discussão aberta, exploratória, destas sensibilidades, diversidades e, até, oposições seja feita tendo em conta o que no #TOLERÂNCIA 44 escrevi citando o sobrevivente de Auschwitz: «aceitá-lo como ele é — mas com uma condição: que o Outro também aceite que eu seja como eu sou.» Na minha terra e na terra dele.

Na generalidade das questões acima enumeradas, penso que se põe agudamente o desafio à volta do que é tolerar, compreender e aceitar; e, eventualmente, ajustar. Mesmo que seja difícil, este não é um tema para ser evitado. Podemos adiá-lo algum tempo, mas não devemos evitá-lo sempre.

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(1) Traduzido (a partir da versão francesa) com a versão gratuita do tradutor - DeepL.com

quinta-feira, fevereiro 13, 2025

#TOLERÂNCIA 46 - TOLERÂNCIA, INDIFERENÇA, PRAGMATISMO

#TOLERÂNCIA 46 - TOLERÂNCIA, INDIFERENÇA, PRAGMATISMO

Se há preocupação, bem, não é só preocupação, é preocupação e necessidade que se mantém com a intensidade inicial do ponto de partida desta caminhada é a de perceber bem o que é a tolerância, o que é e o que não é.

Nesta altura, o caminho desconhecido, aberto, por que optei, desde a primeira hora, caminhar, leva-me, como já tinha deixado indicado, à distinção entre Tolerância, Indiferença e Pragmatismo.

A razão prende-se com a constatação de que com frequência se critica a defesa da Tolerância dizendo que, no fundo, não se está a falar de Tolerância, mas sim de indiferença ou pragmatismo. Será verdade?

Muito bem, vamos tentar ver o que aproxima e o que distingue os três conceitos.

Duma forma quase grosseira, direi, muito pão-pão, queijo-queijo, direi que na Tolerância reconheço o Outro e admito a sua existência; na Indiferença, não ligo a que o Outro exista, na condição de que ele não me perturbe; no Pragmatismo, já que o Outro existe, vou ser prático, já que ele existe, que ele me traga alguma utilidade.

Na Tolerância domina a alteridade (Eu e o Outro somos, mas somos diferentes); na Indiferença domina o egocentrismo (Eu sou, o Outro não sei, não me interessa); no Pragmatismo domina o interesseirismo (Eu alguma coisa tenho a ganhar com o Outro, só assim ele me interessa).

Do ponto de vista da aceitação do Outro, na Tolerância, antes de se dizer que se aceita o Outro, deve-se dizer que se suporta o Outro; na Indiferença não se põe a questão de aceitar o Outro ou não, ele simplesmente é ignorado por mim, passo ao lado dele; no Pragmatismo, se o Outro me traz um ganho (ou se, no mínimo, não provoca que eu perca um ganho), o reconhecimento do Outro é puramente funcional.

Exemplos concretos a partir duma mesma situação ou condição: fumar.

Tolerância: detesto o tabaco, detesto fumar, mas um amigo meu fuma muito, até fuma à minha frente muito mais do que queria; só que ele é meu amigo e eu não quero entrar em conflito com ele. Vou tentar inalar o menos possível o fumo do seu tabaco. O meu envolvimento afectivo com o Outro é autêntico, é forte, é importante para mim.

Indiferença: detesto o tabaco, detesto fumar, na rua onde vivo muitos fumam. Quero lá saber, que levem com cancros nos pulmões em cima, que aguentem os cancros, é isso, quero lá saber, desde que não me chateiem... O meu envolvimento afectivo com o Outro é frio, é nulo, ele não tem qualquer importância para mim.

Pragmatismo: detesto o tabaco, detesto fumar, só que tenho um bar em que a maior parte dos clientes fuma, eles entram no bar para comprar tabaco, acabam por se sentar e consomem no bar, alguns são mesmo muito bons clientes. O meu envolvimento afectivo com o Outro é instrumental, convém-me a sua presença, é importante para o meu negócio.

A Tolerância é sempre boa? Não, não é. Por exemplo, não devemos tolerar a exploração salarial dos trabalhadores.

A Indiferença é sempre má? Não, não é. Quando sou indiferente a tantos comentários e opiniões expressadas em redes sociais, evito a escalada da discussão e do conflito (em geral, inútil), do género "Os cães ladram e a caravana passa".

O Pragmatismo é sempre bom ou é sempre mau? Depende... Numa investigação que, eventualmente, liderasse, se os resultados contrariam as minhas hipóteses e expectativas, mesmo que isso me traga prejuízo, mas seja benéfico para as pessoas, devo publicar os resultados — neste caso o pragmatismo é bom; se na investigação, pelo contrário, o que me importa é que venha a perder o apoio financeiro dos meus patrocinadores caso publique esses resultados, omito os resultados — neste caso, o pragmatismo é mau.

Agora, que a Tolerância seja umas vezes invadida pela vertigem da Indiferença; ou, noutras vezes, pela vertigem do pragmatismo, isso é que penso ser uma reacção que muitas vezes espreita, é que a acomodação requer menos dispêndio de energia do que a não-conformidade.

Em conclusão, para além da distinção dos três conceitos, parece-me que a Indiferença e o Pragmatismo também devem ser objecto da Pedagogia e da Educação.

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quarta-feira, fevereiro 12, 2025

#TOLERÂNCIA 45 - AS PONTES DA TOLERÂNCIA

#TOLERÂNCIA 45 - AS PONTES DA TOLERÂNCIA

Num impulso, pedi aos chatbots que uso sistematicamente (isto é, quando pergunto a um, pergunto logo de seguida aos outros 3) o seguinte: «Inventa um jogo para educar para a tolerância.»

Estou numa fase em que procuro conhecer o melhor possível a lógica de funcionamento dos chatbots e a utilidade que eles podem ter para os alunos, especialmente para os meus alunos.

Estou cada vez mais apreensivo com a Inteligência Artificial. Não duvido das imensas coisas boas que ela nos traz, mas tenho medo das muito mais imensas coisas más que ela nos traz para nos domesticar ao jeito dos seres "humanos" do Admirável Mudo Novo de Aldous Huxley. E, mais do que nunca, tento educar os meus alunos para o uso dos chatbots, para que eles saibam servir-se deles muito mais que A Inteligência Artificial se sirva deles, os alunos.

O ChatGpt propôs-me o jogo "Pontes da Tolerância", o Gemini propôs-me o "Jogo da Empatia: Construindo Pontes de Compreensão"; o Perplexity.AI propôs-me o jogo "Ponte da Compreensão"; finalmente, o DeepSeek propôs-me o jogo "Ponte da Tolerância", tal como o ChatGpt.

Ri-me à chegada de cada resposta que recebi. É que, há alguns anos, eu próprio criei o jogo "A Ponte do Entendimento e a Ponte da Esperança", no âmbito do programa Escola Embaixadora do Parlamento Europeu.

A diferença entre a minha versão e a dos chatbots é que todos eles propuseram jogos de tabuleiros, para serem jogados pelos participantes sentadinhos à volta duma mesa, variante mais para aqui, variante mais para ali. Ora o jogo que eu criei é um jogo de acção para ser jogado no pátio (exterior ou interior) duma escola, ou em qualquer outro espaço real, tipo campo de jogos permanente ou criado ad hoc. Basta dizer que, quando uma vez o estávamos a jogar no pátio exterior da escola (numa acção que estava a ser transmitida via Zoom para todo o País), por causa dum inesperado aguaceiro, em 5 minutos desmontámos o cenário e voltámos a montá-lo no pátio interior da escola.

O meu jogo até já em Mérida (Espanha) foi jogado; e pode ser replicado em qualquer parte do mundo, as instruções são claras e o material de jogo é muito simples, pode ser arranjado sem necessidade de qualquer sofisticação.(1)

Pessoalmente, do ponto de vista pedagógico, no que diz respeito a dinâmicas de grupo, acredito mais nos jogos de acção real (que envolvem movimentos e acções do corpo) do que em jogos de tabuleiro; mas se não tivermos outros recurso, porque não fazer jogos de tabuleiro? Já agora, tenho a certeza de que é mais fácil (eventualmente, mais barato) juntar o material para um jogo de campo do que para um jogo de tabuleiro.

Sabem qual é a próxima pergunta que vou fazer aos chatbots? Pensem lá um bocadinho...

A pergunta que vou fazer é a seguinte: «Inventa um jogo para educar para a tolerância, sem que seja jogado num tabuleiro.» Depois, conforme as respostas, farei perguntas-pedidos mais especificamente focadas nisto ou naquilo.

Pronto, não resisti. Já voltei aos 4 chatbots e fiz-lhes a pergunta: «Inventa um jogo para educar para a tolerância, sem que seja jogado num tabuleiro.» Decepção: insistem em jogos com cartas, papéis, mensagens escritas. A acção continua a ser pouco, a reboque de instruções escritas, que pouco valorizam a interacção entre os participantes; e marcados pela vitória individual, mais do que pela cooperação e sucesso do grupo (no meu jogo, todos os participantes ganham).

Seja como seja, vou aproveitar TODAS as propostas dos quatro chatbots, e nelas introduzirei alterações que achar interessantes e oportunas.

Agradeço aos chatbots o esforço, mas o caminho não é por aí. Sei que eles podem fazer melhor e sei o que tenho de fazer para eles fazerem melhor: tenho de ser tolerante com eles, com as suas respostas; e tenho de afinar as minhas perguntas — eles aceitam-nas todas, pacientemente, "tolerantemente"; e mesmo que não as compreendam.

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(1) Quem quiser o rationale, as instruções e a lista do material do jogo, é só pedir, que enviarei imediatamente o que me pedirem; e fico disponível para levar in loco o material que tenho e fazer uma demonstração prática do jogo.

terça-feira, fevereiro 11, 2025

#TOLERÂNCIA 44 - SHOAH, NAZISMO, ACEITAÇÃO

 #TOLERÂNCIA 44 - SHOAH, NAZISMO, ACEITAÇÃO

Vi hoje à hora do almoço o 5.º e último episódio da brilhante série

A série estrutura-se à volta dos testemunhos de 44 sobreviventes do campo de concentração e extermínio de Auschwitz. Os testemunhos foram recolhidos em 2006, a série foi agora lançada publicamente, por ocasião do 80.º aniversário da libertação do campo, em 27 de Janeiro de 1945.

O primeiro episódio é "A Perseguição"; o segundo, "A Deportação"; o terceiro, "O Campo", o quarto,
"O Extermínio"; e o 5.º, "Depois de Auschwitz".

Já li muito e vi muito (entre filmes, documentários e séries) acerca de Auschwitz, outros campos de concentração e extermínio; a perseguição aos judeus, o antissemitismo; e o Shoah (Holocausto).

Visitei, com colegas professores e grupos de alunos, os campos de concentração de Auschwitz (Polónia) e de Natzweiler-Struthof (França); e proporcionei a cerca de 100 alunos a oportunidade de falarem, via Internet, com a neerlandesa Nanette Blitz Konig (que domina muito bem o português do Brasil porque vive lá há muitos anos).

A minha curiosidade especial ao ver esta série da realizadora francesa Catherine Bernstein estava especialmente ligada ao tema da Tolerância, que agora mantenho no centro das minhas motivações pedagógicas e educativas.

Posso ter falhado uma frase ou uma palavra, mas penso que nem uma vez algum dos sobreviventes, e a própria narradora, falou de tolerância. Pois, de facto, não há nada que possa ser tolerado, tal a intensidade hedionda da bem deliberada, bem planeada e bem executada acção de extermínio levada a cabo por Hitler, os seus militares e a ambiência de intolerância que grassava na sociedade alemã daquela altura.

Para a minha especial motivação, retive para guardar aqui dois pormenores, ambos do último episódio (precisamente aquele em que eu punha mais expectativas de que o tema da tolerância viesse à fala dos sobreviventes):

— o primeiro é o testemunho dum dos sobreviventes, que diz acabou por se empenhar na realização de palestras por todo o lado, para dar testemunho vivo do que foi o Holocausto e os campos de concentração e extermínio. É curioso que ele tivesse vindo a tomar consciência do que, no documentário, veio a dizer mais ou menos assim: eu, primeiro, pensava que estava a falar de antissemitismo e que era isso que era importante falar; depois percebi que o que era importante falar era de racismo; até que finalmente percebi que o que era importante falar era da aceitação do Outro, de aceitá-lo como ele é — mas com uma condição: que o Outro também aceite que eu seja como eu sou.

Aqui está, é esta uma proposta-chave de lição, de Pedagogia e Educação da Tolerância. O que confirma muito do que foi ficando escrito nos anteriores 43 apontamentos desta saga.

— o segundo é o testemunho duma sobrevivente que nos diz que houve judeus que, quando regressaram às suas aldeias na Polónia, foram mortos pelos aldeãos polacos porque eles já se tinham apropriados dos seus bens (penso que estava a falar de terras, casas e pertences pessoais) e não queriam devolver tais coisas. (Veio-me à cabeça o romance "Os Loucos da Rua Mazur" de João Pinto Coelho, penso que ele compreenderá porquê)

Este segundo testemunho traz-me ao pensamento, outra vez, o menino cantor da aldeia polaca, que voltou à aldeia muitos anos depois, e se juntou aos aldeãos à saída da missa. Servindo-se duma tradutora, Claude Lanzmann, a certa altura, pergunta aos aldeãos se sentem a falta dos judeus e os aldeãos responde-lhe que sim. Depois faz-lhes a pergunta que acaba por destapar o milenar antissemitismo: «Porque é que isto tudo aconteceu aos judeus?» Nas respostas atropelaram-se as razões dos judeus serem os mais ricos, de polacos terem morrido (parece que por causa dos judeus), e porque foram os judeus que há 2000 anos denunciaram Jesus Cristo. O plano cinematográfico final desse encontro à porta da igreja, em que aos poucos o rosto do velho menino de linda voz vai ocupando o espaço todo da cena, o espectador vê como a apreensão invade o rosto dele, certamente por tomar consciência do ódio intolerante que ressurgia.

O 5.º e último episódio da série acaba com a realizadora a perguntar a Simone Weill — prisioneira de Auschwitz e que, muitos anos depois, venceu as primeiras eleições para a presidência do Parlamento Europeu realizadas por sufrágio universal direto, em 1979, exercendo o cargo de presidente entre os anos de 1979 e 1982 — que mensagem é que ela gostaria de deixar aos netos. Simone Weil pensou e não encontrou resposta. Olhar o rosto dela deixa-nos presos na angústia de perceber o seu significado: é que é difícil responder, não há respostas satisfatórias, não é possível tomar a Paz e o Bem-Estar como garantidos; e que a luta pela Tolerância, a Aceitação, a Compreensão, a Convivência e a Reciprocidade não pode abrandar, já que nada está garantido para o Futuro. Que os netos podem vir a sofrer; e que os netos também se terão de empenhar na luta pela Tolerância, a que promove o Bem-Estar, a Paz e a Justiça.

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segunda-feira, fevereiro 10, 2025

#TOLERÂNCIA 43 - OS LIVROS E A TOLERÂNCIA DOS PORTUGUESES NO NOVO MUNDO

#TOLERÂNCIA 43 - OS LIVROS E A TOLERÂNCIA DOS PORTUGUESES NO NOVO MUNDO

O "Novo Mundo", designação certamente europeísta, por oposição ao "Velho Mundo" (a própria Europa), é a América do Sul e a América do Norte. Mas já lá vamos.

Naturalmente, pela natureza do caminho que escolhi para a aventura na Tolerância, constantemente procuro informações, conhecimentos, opiniões, perspectivas, experiências, investigações, enfim, tudo o que me possa tornar conhecedor mais informado e habilitado no assunto.

Há dias, cheguei a uma pequena "estação de conhecimento". Não parei nela, mas guardei-a para lá voltar. Trata-se de um 'site' chamado "World Literature Today" (A Literatura Mundial Actual).

No apontamento de 15 de Novembro de 2023, escrevem assim os editores:

"Durante anos, um prognóstico de Johann Wolfgang von Goethe apareceu na página de rosto da World Literature Today: “Estas revistas, ao atingirem um público mais vasto, contribuirão mais eficazmente para a literatura mundial universal que esperamos. Não se trata, porém, de que as nações pensem da mesma maneira. O objetivo é simplesmente que se conheçam, se compreendam e, mesmo que não se possam amar, possam pelo menos tolerar-se mutuamente” (On Art and Antiquity, 1828).

Em 2017, o WLT publicou uma edição especial dedicada à “Crença numa Era de Intolerância” e, em 2018, uma lista de livros intitulada “11 Livros para a Tolerância e a Compreensão”. A edição e a lista de livros tinham como objetivo facilitar a reflexão, promover a tolerância e fomentar a compreensão. O WLT publicou a lista a 16 de novembro, em conjunto com o Dia Internacional da Tolerância e no espírito da Declaração de Princípios sobre a Tolerância da UNESCO de 1995.

Cinco anos mais tarde, os editores do WLT decidiram compilar uma nova lista de livros para o Dia da Tolerância deste ano, elaborada a partir de recomendações de professores/estudantes de pós-graduação da Universidade de Oklahoma e apresentando livros didácticos sobre o tema da tolerância, especialmente numa perspetiva literária, cultural e/ou histórica. (N.B. Os links para os doze livros podem ser encontrados na página da Livraria do WLT).

A etimologia de tolerância em inglês tem raízes no latim tollere (levantar) e no grego tlēnai (suportar). Neste tempo de intolerância assassina, os editores esperam que a seguinte lista de livros dê aos leitores uma razão para se erguerem uns aos outros e para suportarem o peso das injustiças históricas e da violência atual."(1) (2)

É aqui que entram o Velho e o Novo Mundo, os Portugueses e os Índios do Padre António Vieira.

Quando li os títulos dos livros, o que ganhou prioridade na minha atenção foi o que aparece em 5.º lugar na lista, de que é autor o Professor Stuart B. Schwartz: "All Can Be Saved: Religious Tolerance and Salvation in the Iberian Atlantic World", da Yale University Press, 2008.

O Professor Raphael Folsom, Professor Associado, do Departamento de História da mesma

universidade, apresenta assim o livro: «Utilizando registos das Inquisições espanhola e portuguesa, Schwartz argumenta que os impérios ibéricos eram as sociedades mais tolerantes do ponto de vista religioso no início do mundo atlântico moderno. Centenas de casos atestam a presença de culturas vernáculas de tolerância religiosa baseadas em máximas práticas como “Todos, se levarem uma vida boa, podem ser salvos na sua própria lei”. Assim, os diversos povos do Brasil e do México comercializavam, discutiam, casavam entre si e davam-se bem, apesar das fés díspares. O livro, espirituoso, sexy, hilariante em alguns pontos, conta a história mortalmente séria de pessoas comuns que vivem juntas em circunstâncias duras e complicadas.»(2)

Confesso que, não obstante ter ficado contente com a referência elogiosa à colonização portuguesa, fui tomado também por um afecto de rejeição impulsiva, automática, pela referência, primeiro, à Inquisição"; e depois aos espanhóis — lembrei-me imediatamente (estereotipadamente?) de Hernán Cortés, "o Conquistador", e pouco alívio encontro no meu sentimento de rejeição por saber que foram as doenças que os europeus levaram para as Américas que mais nativos mataram, mais do que as armas de fogo, já que os nativos das Américas não tinham defesas para os vírus levados pelos europeus — nem os europeus tinham consciência das armas biológicas tão letais que levavam com eles.

Quanto ao Padre António Vieira, é claro que não sei (Ainda não sei!) se o autor fala do Padre António Vieira, mas estou curioso sobre se o faz ou não.(3)

Sim, fica guardado o registo. Sim, vou ler os resumos, as análises e as críticas dos livros. Para além do livro, é claro. Uma das coisas que pude já ler, e que achei muito interessante, do lado das críticas, é sobre se o autor não estará a misturar três coisas diferentes e a dar a todas elas um único nome. Essas coisas são, então, a tolerância, a indiferença e o pragmatismo. Interessante... Fica-me a apetecer falar sobre estes 3 conceitos, talvez já amanhã, quem sabe.

Agora, não há dúvida de que há aqui qualquer coisa que me agrada, enquanto português. Sim, que tem a ver com a proverbial, estereotipada, imagem de que os portugueses têm uma facilidade muito grande em aceitar os Outros e de se misturarem com os Outros. Lembro-me, por exemplo, que isso me disseram empresários, rotários ou não, na África do Sul, em 1992, quando visitei a região de Joanesburgo, a convite da Fundação Rotária Internacional, na qualidade de Embaixador da Boa Vontade. Várias vezes o ouvi durante as 4 semanas que lá estive. Diziam-me isso, desesperando que eles, de ascendência inglesa e neerlandesa, não conseguissem o mesmo, não tinham esse jeito.

Cá está, a Pedagogia e a Educação não podem alimentar-se apenas de opiniões, suposições, intuições e criatividade abstracta. Temos de baixar à terra e alimentarmo-nos de informação fidedigna, abalando os estereótipos, preconceitos e demais distorções históricas necessárias. A bem da Tolerância, bem diferenciada da indiferença e do pragmatismo.

(1) https://www.worldliteraturetoday.org/blog/lit-lists/12-books-tolerance-and-understanding-2023-editors-wlt

(2) Traduzido com a versão gratuita do tradutor - DeepL.com

(3) Passaram poucas horas da escrita deste apontamento. Num bocadinho, folheei o e-livro. Sim, são muitas as referências ao padre António Vieira. Mais uma razão para, assim que puder, mergulhar mais profundamente neste livro.

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domingo, fevereiro 09, 2025

#TOLERÂNCIA 42 - PEDAGOGIAS: DA TOLERÂNCIA E DA INTOLERÂNCIA

#TOLERÂNCIA 42 - PEDAGOGIAS: DA TOLERÂNCIA E DA INTOLERÂNCIA

Em 2020, quando tivemos, em todo o mundo, de ficar fechados em casa por causa da pandemia do coronavírus SARS-CoV-2, tive tempo para ver as mais de 25 horas da monumental obra de Claude Lanzmann sobre o Holocausto: o "Shoah" e o "Sobibor, 14 de Outubro 1943". O "Shoah" é de 1985 e o "Sobibor" é de 2001. A edição conjunta dos documentários em Portugal é de 2013. Claude Lanzmann nasceu em Paris em 1925.

Os documentários, achei-os assombrosos. Queria que tivessem mais registos, mais horas, muitos mais registos, muitas mais horas. Não era porque quisesse ser espectador perverso de desgraças e horrores humanos, era porque o jeito de recolher testemunhos pessoais e de captação dos lugares, uns e outra sem artificialismos, sem enfeudamento ideológico fosse ao que fosse, tornava os olhos e os passos deles os nossos olhos e os nossos passos. Na contracapa da caixa dos DVD's, lêem-se estas palavras de Simone de Beauvoir, de quem Claude Lanzmann foi amigo: «Uma grande obra. Pela primeira vez, sentimos (este acontecimento terrível) na nossa cabeça, no nosso coração, na nossa carne. Torna-se nosso.»

Os notáveis documentários, entretanto, deixaram-me uma quase excruciante angústia, estou convicto de que o autor colocou aquele registo no final intencionalmente. Arrisco-me a dizer que a generalidade das pessoas que vêem esse registo não se apercebem do que ele contém.

À porta da igreja duma pequena aldeia polaca ocupada pelas tropas alemãs, à saída da missa, as pessoas juntam-se à volta do homem que a revisitava, e que um dia foi rapazinho da aldeia e que, não obstante ser judeu, se salvou do ódio racista e anti-judeu dos alemães porque tinha uma linda voz para cantar. Os oficiais nazis pouparam-no para que o miúdo pudesse entretê-los com as canções que ele sabia e mais as que os alemães queriam que o rapaz lhes cantasse.

No final da cena desse ajuntamento à saída da missa, ainda hoje eu sinto o arrepio e a pele de galinha que intensamente me invadiram quando a vi: era o retorno da intolerância, da milenar intolerância — a de que tinham sido os judeus a denunciar Jesus aos governantes romanos e, por causa disso, Jesus foi perseguido, preso, julgado e crucificado.

A angústia de que fiquei preso tem precisamente a ver com a consciência, com a dúvida, de se alguma vez seremos capazes de vencer a intolerância, ou melhor, de vencer as intolerâncias.

Sobre isto, confesso que não sou optimista; e tenho a bem clara convicção de que não se vence a intolerância apenas promovendo, por melhor que o façamos, a Tolerância. A Tolerância precisa de ser educada, mas a Intolerância também precisa. Não, não são apenas os pólos opostos dum mesmo espectro. As raízes da intolerância são muito profundas, estão-nos na composição do cérebro, são biológicas, são de natureza animal.

Sendo biológica, sendo da natura humana, a intolerância é desculpável ou aceitável? Não, não é, a intolerância não é desculpável, a intolerância não é aceitável. Só é aceitável a intolerância da intolerância — e sobre isto, depois, fica quase tudo por discutir, mas o meu caminho não é agora por aqui.

Na Introdução à "Dança dos Demónios, intolerância em Portugal", com a coordenação de António Marujo e José Eduardo Franco, vinda a público em Outubro de 2009, estes autores (são eles que escrevem a Introdução) começam por citar José Augusto Mourão, Professor da Universidade Nova de Lisboa e frade dominicano, quando ele escreveu «Compreender já é o princípio da cura.» (Repare-se que estamos de volta ao tolerar-aceitar-compreender)

A intolerância e a agressividade andam de mãos dadas. Aprendi com Konrad Lorenz, o fundador da Etologia há quase 100 anos, que os rituais de grupo, os rituais que constroem e mantêm as civilizações, são essencialmente os efeitos das humanas (e animais, os outros animais também têm destes rituais) tentativas de conter a agressividade — a agressividade negativa, a qual, em última instância pode ser perigosa para a própria sobrevivência da espécie humana.

Olhamos à nossa volta e vemos, para nossa tragédia, que os rituais, que tanto trabalho deram a criar, estão em perda, estão a ser delapidados, ridicularizados, dissipados, destruídos. É a voragem da competição à solta, a lei do mais forte (que é o que tem dinheiro e tem armas), na vertigem neoliberal radical que grassa nos partidos políticos e nos dirigentes partidários, sejam eles da direita ou da esquerda do espectro partidário, a lógica neoliberal domina-os a todos.

Quando um dirigente de esquerda vem proclamar, a propósito de eleições autárquicas, que quer juntar a Esquerda para «dar uma lição às direitas raivosas», está a mostrar o que lhe vai na alma. A Direita, essa, até pode ser que seja «raivosa», mas a Esquerda assim está simplesmente a reagir, em espelho, ao que a sua própria mundividência produz. O resultado não pode ser senão a escalada simétrica do conflito, como dizem os psicólogos sociais, ou seja, intensificação da agressividade e da intolerância.

Se a agressividade e a intolerância no Homem não podem ser eliminadas porque fazem parte da natureza humana, podem, como tudo o que é parte da mesma natureza humana, ser reguladas, inibidas, transformadas.

É esse o desafio da Pedagogia e da Educação da (In)Tolerância. Se a Educação da Tolerância é muito necessária, a Educação da Intolerância não o é menos. Sim, são duas frentes de trabalho, ou de combate, diferentes.

Na "Dança dos Demónios" fala-se, em textos razoavelmente longos, em 10 exemplos clássicos de intolerância: o anti-semitismo, o anti-islamismo, o anti-clericalismo, o anti-protestantismo, o anti-jesuitismo, o anti-maçonismo, o anti-feminismo, o anti-liberalismo, o anti-comunismo e o anti-americanismo.

Há mais, e cada um de nós considerará uns mais prementes ou perigosos que outros. Sejam eles quais sejam, estejam listados ou não, do que não quero perder o foco é do sentimento de necessidade de equipar a Pedagogia e a Educação dos recursos e das estratégias de os combater, minorar, regular a sua expressão ao mínimo possível.

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sábado, fevereiro 08, 2025

#TOLERÂNCIA 41 – DEIXAR UMA MARCA PARA DEPOIS VOLTAR

 #TOLERÂNCIA 41 – DEIXAR UMA MARCA PARA DEPOIS VOLTAR


Às vezes é assim, deixamos uma marca para voltar. Ou porque queremos que seja assim, porque queremos voltar; ou porque é preciso voltar lá.

Levaram-me aos sabores da Palestina, deixaram-me o pensamento a vaguear pela história da Palestina e dos palestinianos. Pela história, pela cultura, pela alma; e pelo sofrimento.

Deambulando, encontrei na Internet, um artigo publicado no dia 16 de Dezembro do ano passado (quer dizer, uma semana antes de começar a minha saga — É gostei muito de que o notável Ricardo Dias, de quem tive o privilégio de ser professor e dele me ter tornado muito amigo —), escrito por Hend Salama Abo Helow, com o título “In Gaza, The Olive Trees Resist” (Em Gaza, as oliveiras resistem).(1)

Tomei especial consciência do amor que os palestinianos têm pelas oliveiras e quanto elas os espelha, os inspira e os ajudam a viver e a resistir.

A autora, a certa altura, diz-nos: «Como escreveu um dia Mahmoud Darwish, “se as oliveiras conhecessem as mãos que as plantaram, os seus azeites transformar-se-iam em lágrimas”.»

Talvez a frase nem seja de Mahmoud Darwish, mas dúvidas não haverá de que ela é profundamente palestiniana, da sua milenar cultura, do imenso e quasi-eterno sofrimento do seu Povo.

Leio também na Net que, entre os estudiosos, as obras de Mahmoud Darwish — dizem eles —, configuram uma espécie de “tolerância poética”, tanto e constante era o esforço dele de pacificação, entendimento, respeito, reciprocidade; de saudade, perda e exílio; e também de firmeza e resistência.

Quem, na Palestina, escuta as oliveiras, ouve, passada dumas para as outras — qual eco sussurrante, doce, que nunca perde a energia da identidade genuína daquela terra —, a determinação das ancestrais vozes, geração a geração, acalentando a preservação da personalidade do Povo numa afirmação cuja autoria se dispersa por todos os palestinianos: «A oliveira é um símbolo da nossa resiliência, é um testemunho da nossa paciência e tolerância duradouras.»

Sim, quero voltar a esta terra, a este Povo, a estas oliveiras.

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(1) https://www.palestine-studies.org/en/node/1656591

sexta-feira, fevereiro 07, 2025

#TOLERÂNCIA 40 – 40 DIAS E 40 NOITES A PENSAR NA TOLERÂNCIA

#TOLERÂNCIA 40 – 40 DIAS E 40 NOITES A PENSAR NA TOLERÂNCIA


“Tendo Noé seiscentos anos de vida de Noé, no mês segundo, no dia dezassete do mesmo mês, nesse dia romperam-se todas as fontes do grande abismo, e abriram-se as cataratas do céu. A chuva caiu sobre a terra durante quarenta dias e quarenta noites.” (Génesis 7: 11-12)

“Moisés permaneceu junto do Senhor quarenta dias e quarenta noites, sem comer pão nem beber

água.” (Êxodo 34:28-35)

“Jesus ao deserto a fim de ser tentado pelo demónio. Jejuou durante quarenta dias e quarenta noites e, por fim, teve fome.” (São Mateus 4: 1-2)

De quarenta dias e quarenta noites se faz a quarentena, a prática de saúde pública que remonta, tanto quanto sei, ao século XIV, durante a pandemia de Peste Negra (ou Peste Bubónica), que devastou a Europa, a Ásia e a África. Era um período de isolamento de 40 dias, imposto a navios e pessoas para evitar a propagação de doenças.

Em mim, entretanto, passaram 40 dias e 40 noites de pensamento muitas vezes focado na Tolerância…

Foram tempos de limpeza purificadora, tal como Noé? Foram tempos de jejum iluminador, tal como Moisés? Foram tempos de provação fortalecedora, tal como Jesus? Foram tempos de confirmação da saúde, tal como os embarcados?

Como foram, afinal, os primeiros 40 dias e as 40 noites de aventura no caminho da Tolerância?

Contornando a tentação da filosofia, da poesia e do romantismo, direi já que a primeira consciência que tenho é a de que tive muito mais presente do que antes a disponibilidade para a tolerância, a preocupação de saber se, no que dizia e fazia, o meu comportamento estava marcado pela intolerância negativa ou pela tolerância positiva — e isso faz-me sentir bem comigo mesmo!

Séneca, nas Cartas a Lucílio, exortava o seu destinatário para que pensasse na morte todos os dias, que assim nunca teria medo dela. Talvez, ao cabo destes 40 dias e 40 noites, eu me sinta com vontade de exortar que pensemos todos os dias na Tolerância, assim sentir-nos-emos mais disponíveis para sermos tolerantes. Mais tolerantes, menos quezilentos, menos impacientes, menos intempestivamente opositores.

Tenho também consciência de que talvez se tenha tornado mais fácil para mim dizer «Basta!», é que está a tornar-se cada vez mais claro para mim, não é que a Tolerância tem limites, isso já sabia; mas talvez esteja a ser mais fácil para mim identificar os limites. E chego-me a eles, ou imponho-os, com o seguro, tranquilo e agradável sentimento de que não estou a desrespeitar o Outro ou a provocar-lhe dano.

É verdade, sinto-me bem. Sinto também que tenho ainda muito que aprender e amadurecer, mas todo o caminho feito até agora já valeu a pena. Falta ainda muito nesta viagem-aventura, mas aquilo que começou como um impulso, como uma necessidade, tornou-se mais numa motivação e num entusiasmo.

E estou muito contente de ter já produzido algumas propostas de actividades educativas, que podem ser já levadas à pratica livremente, por quem quiser, em qualquer circunstância e em qualquer parte do mundo; e que são seguramente inspiradoras e sugestivas para que outros criem e desenvolvam as suas próprias iniciativas e actividades. Por mim, estou pronto a partilhar, dando e recebendo.

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quinta-feira, fevereiro 06, 2025

#TOLERÂNCIA 39 - PIADAS ACERCA DA TOLERÂNCIA

 #TOLERÂNCIA 39 - PIADAS ACERCA DA TOLERÂNCIA

Estou de volta ao humor na Pedagogia e na Educação da Tolerância. Não se pode fazer trabalho continuado, sistemático, sem ter uma colecção de recursos e materiais à disposição; tudo isso, evidentemente, para além de tudo o mais que possa ir sendo criado — só que a criatividade nem sempre vem quando é necessária ou a gente quer. Reforço, sobretudo quando se pretende ter um trabalho continuado, sistemático.

Trago, então, hoje, estas pequenas piadas para o dossier "Humor e Tolerância". Para introduzir uma sessão de dinâmica de grupo (numa escola, numa aula; num grupo de trabalho, numa empresa; num grupo de encontro, numa instituição social; etc.) proponho o lema "A tolerância entre as pessoas ganha, cresce, se encontrar humor nas nossas diferenças e se aprendermos a rir uns com os outros ou uns dos outros.”; ou então colocando-o na forma interrogativa: “Poderá a tolerância ganhar e crescer se for capaz de encontrar humor nas nossas diferenças e se aprendermos a rir uns com os outros ou uns dos outros?”

Vamos às piadas:

  1. Por que razão a tolerância foi ao terapeuta?
    • Porque estava tendo dificuldade em aceitar que as pessoas não a aceitassem.
  2. Qual é o lema da tolerância?
    • "Aceitar as diferenças, desde que não me perturbem o sono."
  3. Porque é que a tolerância é como um bom vinho?
    • Porque melhora com o tempo e ajuda a suportar as pessoas difíceis.
  4. Qual é o superpoder da tolerância?
    • Poder suportar o seu sogro sem perder a calma.
  5. Porque é que a tolerância é como um bom amigo?
    • Porque está lá sempre disponível para ouvir, mesmo quando a gente não queira falar.
  6. Dizem que quanto mais se bebe mais tolerante se fica. É verdade?
    • Eu acho que não. Por exemplo, o meu avô é alcoólico e continua a ser extremamente racista.

Se quisermos dar suporte à exploração pedagógica destas piadas, a partir das emoções, sentimentos, estereótipos, preconceitos, que estejam implícitos neste conjunto de piadas, podemos criar um 'rationale' ou um guião, que oriente tal exploração nas dinâmicas do grupo. Coisas deste tipo:

  1. Dimensões Pessoais
    O sentimento de frustração (da pessoa tolerante que percebe que não recebe em troca a tolerância do(s) Outro(s)). Alerta para a necessidade de validação social e para o desafio de ter de aprender a lidar com a rejeição.
    Os limites da tolerância: o que motiva a tolerância de cada um, é o humanismo autêntico ou são as conveniências pessoais?
    Amadurecimento. Como os bons vinhos, a Tolerância não é uma questão de num momento não a ter e ela surgir no momento seguinte. A Tolerância precisa de tempo para crescer, amadurecer, esclarecer-se [Não é isso, afinal, o que estou a tentar fazer com estes escritos diários?], fortalecer-se.
    Relacionamento familiar. Quantas piadas há no mundo em que o protagonista principal é a sogra? Haverá famílias sem divergências ou desavenças entre os seus membros? Não teremos todos de fazer crescer em nós a capacidade de sermos pacientes, tolerantes perante as diferencas que fazem parte de qualquer grupo familiar?
    Amigo = Empatia e compreensão. Não é essa, ou melhor, não são essas, no plural, as características fundamentais duma duradoura relação de amizade? Também junto a confiança, é que estou a lembrar-me dum notável livro que fala sobre as decepções que nos jovens os fazem ficar profundamente decepcionados com o "melhor amigo".
  2. Dimensões Sociais
    Diferenças pessoais, desavenças familiares, diversidade de crenças, valores, opiniões, motivações, objectivos de vida, estilos de vida.
    Capacidade de adaptação pessoal, negociação, reciprocidade.
    A minha zona de conforto, a tua zona de conforto... E se trocássemos, nem que seja por poucos instantes, as nossas zonas de conforto?
    Somos todos genuínos ou estamos todos acomodados? Vamos experimentar mudar?

Se alguma coisa me apetece recomendar, é que não se tenha nunca a preocupação de se chegar a uma conclusão. Não nos esqueçamos — Sejamos prudentes e sábios... — de que os grupos humanos, os filósofos, os líderes espirituais e religiosos andam há centenas há centenas de anos à procura do elixir da longa tolerância e, tal como o elixir da vida eterna, ainda não chegaram a lado nenhum — que todos eles sejam tolerantes com as suas frustrações e insucessos.

Tradução da imagem: "As minhas capacidades relacionais estão óptimas. O que precisa de ser trabalhado é a minha tolerância aos idiotas."

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quarta-feira, fevereiro 05, 2025

#TOLERÂNCIA 38 - NÃO À TOLERÂNCIA PARA OS ATEUS

 #TOLERÂNCIA 38 - NÃO À TOLERÂNCIA PARA OS ATEUS

Se o título deste escrito fosse "Não há tolerância com os ateus" o pensamento seria diferente?

Não, no fundo, não. Outra coisa: há diferença entre escrever esta frase no século XVII ou no século XXI? Não vou responder, vou apenas trazer algumas informações e reflexões para se pensar no assunto.

Quem escreveu «Por fim, aqueles que não devem de forma alguma ser tolerados – os que negam a

existência de Deus. As promessas, os pactos e os juramentos, que são os vínculos da sociedade humana, não devem ser mantidos com um ateu. A supressão de Deus, ainda que apenas em pensamento, destrói tudo; além disso, aqueles que por seu ateísmo solapam e destroem toda religião não podem, Pretextando religião, reivindicar para si o privilégio da tolerância. Quanto às outras opiniões práticas, embora não absolutamente isentas de erros, se não tendem a estabelecer uma dominação sobre os outros, ou impunidade civil para a igreja em que são ensinadas, não há razão para que não devam ser toleradas.»(1) foi John Locke (29 de agosto de 1632 – 28 de outubro de 17049).

Considerado como o Pai do Liberalismo, John Locke tornou-se sensível à Tolerância quando saiu de Inglaterra e foi para a Holanda (onde se exilou devido a suas ideias políticas.). Fez-lhe bem, na verdade, como faz bem sair de sua casa, da sua terra, do seu país — como sempre advogou o Padre António Vieira —, e foi conhecer outro país, outra dinâmica social, cultural e religiosa.

É precisamente a partir da sua experiência pessoal na Holanda que John Locke escreve a sua célebre "Carta sobre a Tolerância". Ele é claro quanto à intolerância para com os ateus, mas o que ele pensa também acerca da Tolerância em relação aos católicos merecerá que lá mais para a frente eu lhe dê alguma atenção.

Teve um condão, a Carta: na separação entre os poderes do Estado e os poderes da Igreja. Nessa medida, deu um contributo importante para a universalidade dos direitos e dos valores, direitos e valores que podem ser encontrados em opções políticas e religiosas diferentes.

Se a assumpção da "Não Tolerância aos ateus" fosse proclamada hoje, certamente o limite da Tolerância recairia sobre os autores e defensores desta intolerante afirmação. Volto a Camões: «Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.»

É importante ter consciência da data e do tempo histórico, e das condições, em que a Carta foi escrita: em 1689, na Holanda; e anonimamente. Por que razão anonimamente? Seria porque admitir a tolerância religiosa, ou político-religiosa, era ainda... intolerada?

Seguramente o que é mais antigo de tudo no que à Tolerância na história dos grupos humanos diz respeito, mesmo que a História deles não tenha guardado registos, são os comportamentos de Tolerância — aconteciam simplesmente quando a bondade e a vontade das pessoas faziam que acontecessem. Só muito mais tarde o conceito de Tolerância surgiu e foi referido ou usado como exemplo ou forma de Valor, ou Direito, ou Princípio, ou Ideal, ou Virtude, ou...

Quer parecer-me, com o que aqui tenho tenho deixado escrito acerca da minha viagem pelo mundo da Tolerância, que John Locke, o tempo (século XVII) e o lugar (Europa) em que ele viveu, estão no âmago do momento do surgimento, digamos, oficial da Tolerância como objectivo social, político e religioso a atingir. Terá sido, não sei, vou investigar melhor, a partir daí que a Tolerância terá começado a constituir-se também como conceito jurídico que a Lei deveria passar a consagrar.

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(1) https://marcosfabionuva.com/wp-content/uploads/2011/08/locke-john-segundo-tratado-sobre-o-gov-civil.pdf