domingo, novembro 25, 2018

"A Europa" de Eça de Queiroz - edição quadrilingue

A EUROPA  *  L’ OUROPA  *  L’ EUROPE  *  EUROPE
Homenagear o patrono da escola com a edição quadrilingue de “A Europa”, de 1888. A tradução inédita do texto, quanto mais em 4 línguas!
português: A «crise» é a condição periódica da Europa.
mirandês: La «crise» ye la cundiçon quaije regular de l’Ouropa.
francês: La « crise » est la condition périodique de l’Europe.
inglês: “Crisis” is the almost standard condition in Europe.
1888 é também o ano de “Os Maias”, que a Gulbenkian e os CTT vão celebrar no dia 30.
Mas o dia de Eça é hoje: - Parabéns, Eça de Queiroz!

Com a colaboração entusiasta de portugueses valentes, de dentro e de fora da escola; e outros notáveis europeus. A todos eles agradeceremos publicamente como merecem.

A primeira partilha será na próxima semana, no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, com alunos e professores dos outros países da União Europeia.

sábado, setembro 29, 2018

A boneca perdida, a criança nunca encontrada, as cartas procuradas, o afecto que nunca esmoreceu


A boneca perdida, a criança nunca encontrada, as cartas procuradas, o afecto que nunca esmoreceu

Um ano antes da sua morte, Franz Kafka viveu uma experiência singular.
Passeando pelo parque de Steglitz, em Berlim, encontrou uma menina chorando porque havia perdido a sua boneca.
Kafka disse à menina que queria ajudá-la a encontrar a boneca, ia procurá-la, e combinou um encontro com ela no dia seguinte, no mesmo lugar, podia ser que a tivesse encontrado.
Não tendo encontrado a boneca, ele escreveu uma carta como se fosse a boneca e leu-a à pequenita quando se encontraram. A carta dizia: “Por favor, não chores por mim, parti numa viagem para ver o mundo, e quero contar-te as minhas aventuras.”
Durante três semanas, Kafka entregou pontualmente à menina outras cartas que narravam
as peripécias da boneca em todos os cantos do mundo: Londres, Paris, Madagáscar…
Tudo para que a menina esquecesse a grande tristeza!
No final das três semanas, Kafka deu de presente à menina uma outra boneca.
A boneca era, obviamente, diferente da boneca original.
A última carta da boneca, que chegou no mesmo dia da nova boneca, dizia assim: “Não te assustes, não me estranhes, a minha viagem transformou-me…”.
Anos depois, a garota encontrou uma carta enfiada numa abertura escondida da querida boneca substituta.
O bilhete dizia:
“Tudo que amamos, eventualmente perderemos, mas, no fim, o amor voltará numa forma diferente.”

Nota: Será verdade o que a história conta? Durante anos, Klaus Wagenbach, um estudioso de Kafka, procurou a menina pela região próxima ao parque, investigou com os vizinhos, colocou anúncio nos jornais, mas nunca conseguiu encontrar a pista da menina ou das cartas. Contada e recontada, a versão mais difundida da história é a do conto de Jordi Sierra I Fabra “Kafka y la Muñeca Viajera”.

Querido aluno, viaja! Ousa, aceita transformar-te! Olha, embarca já nesta: a da Psicologia — cada aula é uma paragem: Paris, Roma, Londres, e por aí fora…

Um beijinho grande de carinho e gratidão à Professora Manuela Barros Ferreira, que me fez embarcar na fascinante viagem deste conto!


Bibliografia
O conto e o testemunho de Jordi Sierra I Fabra:

quarta-feira, setembro 19, 2018

O PROFESSOR DE PSICOLOGIA ENQUANTO SUJEITO DOS TRABALHOS MONOGRÁFICOS


Conversas reais ou imaginárias com alunos, 1

O PROFESSOR DE PSICOLOGIA ENQUANTO SUJEITO DOS TRABALHOS MONOGRÁFICOS

— Mas, ó “stôr”, porque é que não o podemos escolher a si como sujeito do trabalho monográfico,
"O pensador" original, na Porta do Inferno.
será que é diferente das outras pessoas?...
A provocação é grande, mas a resposta não é difícil.
— Caro aluno, o caso que eu vos contei acerca da forma como cheguei ao contacto com o Professor António Damásio, o que nos diz ele? É que o desafio que vos proponho, o desafio vencedor, é aquele em que nós vamos um pouco mais além do que óbvio, do que é lógico: se eu quero falar com o Professor António Damásio, escrevo ao Professor António Damásio. Foi o que fez o vosso colega, insistindo ao longo de mais de 2 meses. Resultado: nada, o que o fez querer desistir do Professor António Damásio enquanto sujeito monográfico. E que fiz eu para chegar ao Professor António Damásio em menos de 24 horas? Não escrevi ao Professor António Damásio, não foi o que vos disse?
Porta do Inferno (Musée Rodin).
                No fundo, o que fiz eu? Pensei um pouco para além do óbvio, do imediato; do lógico. Quer dizer, essencialmente, em vez de pensar de forma convergente, pensei de forma divergente, criativa. Imaginei o Professor no seu dia-a-dia de trabalho, na maneira como se move entre as aulas que dá, as investigações em que participa, as teses que orienta, as leituras que faz, a correspondência que manda e recebe, etc.
                Então, agora, pensem cá uma coisa: nunca algum de vocês teria hipótese de fazer o trabalho monográfico comigo! Vejam lá se é obvio, ou não: os meus alunos fazem trabalhos monográficos há vários anos — vocês acham mesmo que são os primeiros a quererem fazer o trabalho monográfico comigo? Se eu já tivesse dito sim a um dos vossos colegas, em resultado das regras (não se podem repetir sujeitos monográficos), o que eu agora vos diria era “Não posso, já alguém fez o trabalho comigo.”
                Por outro lado, para ser justo com todos, da mesma maneira que vos estou a dizer não, disse não a todos os outros. O que eu tenho dito aos vossos colegas dos outros anos é o seguinte: “Aceitarei ser sujeito de trabalho monográfico quando tiver a certeza de estar a leccionar o meu último ano de aulas. E mesmo nessa altura, só serei se algum dos alunos quiser; se não quiserem, nem nesse ano serei. Portanto, aquele ‘nunca’ lá de trás vale para todos os anos em que ainda venha a dar aulas, excepto para o último ano.”

sexta-feira, setembro 07, 2018

Do gene egoísta à cultura altruísta

A convincente verdade do gene egoísta de Richard Dawkins, que nos mete pela cabeça dentro a lei do mais forte/apto, arrasa as concepções (românticas?) dos ideias humanistas e solidários. A
inevitabilidade da selecção genética, tal como o sábio e feliz Charles Darwin soube explicitar de forma sistemática, é, tanto quanto parece, irrefutável.
Se o egoísmo está-nos no sangue, a fascinante viagem evolutiva do Homo sapiens equipou a mente com os grandes adversários: a compaixão e a inteligência.
Qual é a estratégia que a compaixão e a inteligência arquitectaram para conter a frieza do egoísmo genético e, inclusivamente, usar a sua força a favor do companheirismo e da solidariedade em vez da competição e da anulação dos outros? A estratégia tem um nome: Cultura; também podemos dizer Civilização.
Só que o Gene Egoísta não desarma - e o que hoje em dia assistimos na vida dos Povos ( a recuperação dos idealismos nacionalistas, que excluem os outros; o "America first", de Trump; e os estilos de vida do puro desfrutar. aqui e agora, das comodidades materiais e dos prazeres turísticos a todo o preço e em todo o ano) é o leque de comportamentos humanos que bem comprovam a força primordial, constantemente renovada, do Gene Egoísta.
Esclarecido (ou informado) por esta evidência, apresso-me a um conselho: depois de lerem O Gene Egoísta de R. Dawkins, leiam (ou releiam) A Estranha Ordem das Coisas de A. Damásio.

sexta-feira, agosto 03, 2018

Olhares das Religiões e o Ser Humano - Que perspectiva mais nos atrai?


Que convicção escolhe cada um de nós para lema do modo de estar na vida?
  • BUDISMO: «Somos todos budas.» (1)
  • CRISTIANISMO: «Somos todos pecadores.»
  • MANDELA: «Somos os senhores do nosso destino.»
Alguém estranha que aqui traga Nelson Mandela? Foi o Professor Adriano Moreia - alguém tem dúvidas em relação às suas convicções religiosas? - quem, em artigo vindo a público na edição 'on line' do Diário de Notícias de 30 de Julho passado, fala da santidade de Mandela e de outros homens que, como ele, dedicam, quiçá, o mais importante das suas vidas a esta "terra casa comum dos homens".
________________________
(1) Aquele que está desperto para o seu potencial de realização. Como título formal, refere-se habitualmente a Gautama Siddharta.

Quando a Psicologia, nos anúncios, é uma treta

Há dias assim: inopinadamente, isto cruza-se com aquilo, e o que tinha um pequeno efeito na atenção ganha um espaço nobre no pensamento.
Para não me alongar, que o calor record que está pede preguiça, só duas coisas:
1) Um jornalista, do género daqueles que gosta de fazer a reportagem dos fogos bem no meio de uma linda e cordial labareda, está dentro de um caiaque a dizer como é bom andar por ali de caiaque a ver as gravuras rupestres - na verdade, o que a gente vê é a enorme falta de conhecimento e de cuidado (a dois) na manobra da pequena embarcação. Pois, quando elas não acontecem, foi-porreiro-pá-nós-somos-bons-nisto ; quando acontecem, por que razão terá acontecido, se nós tivemos todo o cuidado, até estávamos de colete!
2) Mas esta é que é o alvo principal deste apontamento. Não vejo anúncios - e, por isso, já perdi, aqui e ali, boas oportunidades, não tanto de comprar, mas mais de desfrutar; mas eu sou assim. Só que, desta vez, eu estava a ver o telejornal da hora do almoço na SIC, vem o intervalo, mas eu já estava de olhos paralisados no écrã da televisão, olhando o infinito através dele. Quando volto a mim, passava o anúncio de um rapazinho vestido à super-homem, disparando tintas. Era o anúncio de uma nova pastilha de lavagem de roupa da Skip, que acaba a dizer (com direito a "selo" escrito, no canto inferior esquerdo da imagem), repare-se bem: "Manter fora do alcance das crianças".  Ah?, o que é isto?...
Então, põem as crianças no âmago do anúncio (são várias) e depois dizem para se pôr aquela pastilha super-poderosa longe das crianças, por exemplo, das que fazem o anúncio?
Há quase três anos atrás, a mesma Skip lançou um anúncio, informado com boa psicologia, que acabava dizendo "É bom sujar-se". Pois, o que isto dá para ver é que, nos anúncios, o uso da Psicologia é, em regra, perverso - a única coisa que verdadeiramente se quer é condicionar a vontade dos consumidores para que passem a desejar o produto, a psicologia, em si, é uma treta, é apenas um recurso para ser usado segundo as conveniências das vendas.


Canções com história, n.º 1: La Cucaracha

CANÇÕES COM HISTÓRIA, 1: LA CUCARACHA
Estive na Gulbenkian na estreia do conjunto de curtas-metragens de que esta faz parte (Programa Gulbenkian Distância e Proximidade, 2008)
Desde esse dia nunca mais cantei La Cucaracha em momento de folia puramente recreativa. Esta canção tornou-se para mim num hino. Como eu aprendi nesse dia, quantos não precisarão também de aprender?

Olhar o velhote, no fim do vídeo, no final da fila, deixa-me com um apertozinho no coração: o mundo, mais novo, vai-se afastando dele. Quanto é que tudo do que os mais novos deixaram de sofrer por tanto que ele, afinal, sofreu e lutou quando teve a idade dos que agora são os novos que se afastam dele?

sexta-feira, julho 20, 2018

O altruísmo é natural nas crianças. É, pois é. E depois?

Continuam em alta os estudos acerca do altruísmo e da compaixão - em todas as idades; com sofisticados estudos cheios de neuro-imagens; e muitas comparações entre culturas.
«As crianças pequenas ajudam espontaneamente», afirma a investigação experimental sistemática. Crianças pequenas são, 'grosso modo', as que têm 2 anos de idade; mas a investigação já detecta comportamentos altruístas aos 14 meses.
https://www.nytimes.com/2009/12/01/science/01human.html
Ainda há poucos dias aqui escrevi que, na minha opinião, a questão não é se o ser humano é naturalmente, e primariamente, bom ou mau; ou altruísta, ou compassivo, ou solidário.
E o foco na "ajuda" também me parece limitar o valor do que essencialmente está em causa. Para ser claro, mais do querer ajudar, a criança quer participar; participar ao lado dos outros, e com os outros..
As crianças apercebem-se, logo que despertam para o mundo (e as teorias do desenvolvimento sócio-afectivo voltam a situar por volta do ano e meio, dois anos, a consciência da vontade pessoal e do bem assumido "Não!" pela criança, em afirmação da sua própria vontade, em oposição à do adulto), que andamos por aqui todos (menos grandes e mais mais grandes), que elas têm de crescer, e que a vida dos adultos será um dia a delas. Naturalmente, as crianças querem fazer o que as outras pessoas todas à sua volta fazem; e as crianças fazem-nos com alegria e empenho. Portanto, as crianças querem, antes de mais, participar na Vida; e a vida está impregnada de adultos que fazem coisas. Se, em razão dessa natural participação na vida em comum com os outros, constatar que é preciso ajudar algum adulto, a criança, voluntariosamente, tenta ajudar.
Pensando desta maneira, a questão não será "São as crianças naturalmente altruístas?", mas sim "Por que razão as crianças se tornam cada vez menos altruístas?" Ora bem, responder a esta pergunta é comprometer os adultos.
Eu já disse, e repito-o, que a questão-chave é a da Educação.
Como deve ser, então, a educação do altruísmo, sobretudo tendo em conta que este precioso valor-motivador do comportamento corre fortemente o risco de ser vencido, ao longo da vida, pelo valor da competição entre os indivíduos e entre os grupos? Nos pódios, só há lugar para o outro, de ouro, prata e bronze - só mesmo três; e até o ideal olímpico exorta o "mais rápido, mais alto, mais forte"... que os outros! Mesmo que insista que o jeito e o espírito sejam o da competição saudável.
Ora bem, como a criança, antes de mais, faz o que vê o adulto fazer, a primeira forma de educação tem de ser o próprio exemplo do adulto. Quer dizer, a criança naturalmente, participa na vida do adulto, e ajuda-o. Naturalmente, também, a criança toma consciência de que tem desejos, tornando-se, por isso, (mais um) ser portador de desejos. Que nunca se negue que as crianças criam desejos!, alguns iguais aos dos adultos, e outros diferentes.
Na minha opinião, a chave da Educação do Altruísmo e do Desejo é uma, e é radical: a renúncia. Provavelmente, o Presidente José Mujica diria "a sobriedade do desejo" - é que renúncia, mais do que recusa ou negação total, quer dizer, no meu entender, contenção viável. Com os adultos, as crianças têm de aprender os exemplos do altruísmo e da contenção dos desejos. O altruísmo não se explica com textos, sejam eles servidos por sofisticadas ilustrações ou recomendações de boa exploração em sala de aula. O altruísmo faz-se, vive-se, todos os dias, em todos os momentos; e a sobriedade dos desejos também.

quarta-feira, julho 18, 2018

Afinal, o ser humano já é assim com a Natureza há muito tempo

Um notável documentário acerca do desenvolvimento das sociedades humanas ("The Making of Mankind", 1981, da BBC e Time-Life Films), apresenta as suas conclusões dizendo mais ou menos assim, como primeira grande constatação:
«Se há alguma coisa que desde sempre caracteriza os grupos e as sociedades humanas é que fazem muito lixo.»
 Na revista de Fevereiro 2018, da edição portuguesa, a National Geographic traz para a capa "O Despertar da Europa". E lá dentro diz:
«No entanto, aquela povoação [Bruszczewo]  morreu devido ao sucesso. Cortaram as árvores dos bosques. Os animais defecavam por todo o lado, os nutrientes desses excrementos chegavam ao lago e provocavam a proliferação de cianobactérias tóxicas. Nos excrementos, nasciam também fungos contendo ovos de vermes tricocéfalos, parasitas que em pouco tempo infestaram os alimentos e a água potável. Tudo indica que, por volta de 1650 a.C, após um incêndio e a degradação progressiva do ambiente circundante, os habitantes de Bruszczewo abandonaram o assentamento.»
Num raciocínio idêntico ao que há poucos dias fiz em relação à questão da bondade/maldade do ser humano, tenho por minhas estas convicções - até porque, sendo nós tantos, já não temos para onde deslocar mais os grupos humanos que estragaram os seus ambientes de vida:

  1. A questão não é se o desenvolvimento dos grupos humanos tem sempre de ser feita à custa do sacrifício do espaço natural, da apropriação dos bens naturais e da acumulação de bens materiais.
  2. A questão é que hoje em dia sabemos, com níveis de pormenorização bastante satisfatórios, que procedimentos devem os grupos humanos ter para compatibilizar os interesses humanos com o respeito e a preservação das condições naturais - antes de mais, amigas do Homem.
  3. Mas quem manda e tira proveito continua a, convenientemente, a fazer como a proverbial avestruz: a fugir, para não perder privilégios.

segunda-feira, julho 16, 2018

Olhar/Ser atraente, Tese 3: Espelho meu, há alguém mais bonito do que eu?

Há experiência cultural humana, até onde chega o conhecimento actual da história do Homem, em que não haja, ou tivesse havido expressão do Belo? Tomarmo-nos a nós mesmos como expressão do Belo chama-se narcisismo; cultivarmos exageradamente ou doentiamente chama-se vaidade.
“O desejo de obter a estima e a admiração de outras pessoas, quando se dá por meio de qualidades e talentos que são objectos naturais e apropriados da estima e da admiração, é o amor real da verdadeira glória; uma paixão que, se não é a melhor da natureza humana, está certamente entre as melhores. A vaidade é com frequência nada mais que a tentativa de usurpar prematuramente essa glória antes que seja devida. Embora seu filho, antes dos vinte e cinco anos, não passe de um pretensioso, não desespere, por isso, de que ele se torne, antes de chegar aos quarenta, um homem sábio e valoroso, com real aptidão para todos os talentos e virtudes em relação aos quais não passa, no presente, de um vazio e exibido dissimulador. O grande segredo da educação reside em direccionar a vaidade para os objectos apropriados.” Adam Smith, Teoria dos Sentimentos Morais, 1759
A última frase da citação é destacada por minha inteira responsabilidade. A tal educação que deve estar no âmago dos filtros falados na tese 2. A presença do Belo na essência do ser humano foi profundamente pensada e discutida, por exemplo, pelo clássico Platão e pelo contemporâneo W. Bion, um dos mais famosos psicanalistas ingleses.
"Para um homem verdadeiramente sábio, a aprovação judiciosa e ponderada de um único sábio proporciona mais satisfação sincera do que todos os ruidosos aplausos de dez mil admiradores ignorantes, ainda que entusiásticos." Adam Smith, Teoria dos Sentimentos Morais, 1759
Nos tempos actuais, os políticos têm directores de imagem e são cientificamente levados enquanto conceitos - como conceito é um restaurante, um interprete musical, um produto de supermercado. Para parecerem belos, para influenciarem mais eleitores e votantes que os adversários, os políticos e os outros líderes, fazem inquéritos, realizam sondagens e disputam percentagens. Palmo a palmo  disputam décimas e centésimas de percentagem. Tentam evitar desencadear oposição e contestação, procuram estar bem com todos. Cedem nas palavras, nas ideias, nas decisões - é preciso é não perder adeptos; há sempre que tentar ganhar mais alguns. Cedem a uma coisa que se designa por "opinião pública", evitam as ondas de 'deslikes' nas redes sociais; reduzem-se ao politicamente correcto - que é, o mais das vezes o efeito duma onda de pressão social mais ou menos duradoura, agora deste grupo, depois doutro. Quantos votos eleitorais vale a firmeza?, e quantos vale a cedência?
«Para aqueles que se habituaram à posse de admiração pública, ou mesmo à esperança de conquistá-la, todos os demais prazeres empalidecem e definham.» Adam Smith, Teoria dos Sentimentos Morais, 1759
- «Espelho meu, espelho meu, algum deles recebe mais votos do que eu?» é uma espécie de Belo travestido. «Ai, sim? Não sou eu? Ó diabo!, que tenho eu de fazer para voltar lá para cima? O quê, desdizer hoje o que ontem disse? Seja, sem problema!»

Grau Zero da discussão: Olhar é proibido, ser atraente é... desaconselhado.
Tese 1: Porque me morrem os manjericos?
Tese 2: (Des)tapar o Sol com a peneira.
Tese 4: Querem lá ver que o idiota... sou eu.

sábado, julho 14, 2018

Olhar/Ser atraente, Tese 6: É a Política, estúpido, mas não só!

Sufocados em catadupas de informação (tese 1), incapazes de filtrá-la (tese 2), cada vez mais preocupados com a nossa imagem pública (tese 3), cada vez menos à vontade com o Outro, que nos é cada vez mais Estranho (tese 4), ensaiamos e atropelamo-nos uns aos outros em hiper-espartilhados gritos do Ipiranga - até sem muitas vezes sabermos o que estamos a gritar... (tese 5).
«Um espectro assombra o mundo ocidentalizado - o espectro do género. [...] A questão do género provocou uma verdadeira revolução na maneira convencional de pensar a diferença sexual. Mas começa a tornar-se claro que é preciso transpor os seus limites, apontar as suas possibilidades falhadas, fazer uma crítica das suas representações e convenções.» Pê Feijó, "De-Generação: nas Margens do Género".  In Electra, Fundação EDP, 1, Março 2018.
E chegamos, então, finalmente, à Política, no que a ela legitimamente podemos esperar de mais nobre: a regulação justa das relações sociais e cívicas, dentro de cada grupo social e entre os muitos grupos sociais.
O problema é que a Política continua a hesitar, por um lado, pelo que resulta directamente na tese 3; por outro, pela renitente dificuldade em ter mão na vertigem de poder e competição intrínseca à "humanidade" dos detentores dos poderes políticos. A regra é que, praticamente sem excepção (por exemplo, o ex-presidente do Uruguai, José Mujica), quem se senta na cadeira tudo faz para lá permanecer o mais tempo possível.
Entretanto, se calhar, mais do que isso - é um facto a que os cidadãos votantes estão já sobejamente habituados - acontece na Política o que Eugénio de Andrade diz a propósito de uma outra dimensão fundamental da vida dos homens (bem, para ser politicamente correcto, terei de dizer "das mulheres e dos homens"):
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes. ~
Roberto Esposito, fazendo jus a tanto pensamento arejado que continua a ser atirado para fora do poderoso caldo de fogo da península italiana. escreve:
«As categorias tradicionais da política moderna revelam-se hoje inadequadas. A própria ideia de democracia surge minada nos seus fundamentos, tal como se revelam vazias de sentido as palavras que serviram a acção e o pensamento políticos herdados da modernidade. [...] Como empregar o léxico democrático da igualdade formal entre sujeitos políticos autónomos - entendidos como átomos lógicos puros, chamados periodicamente a exprimir uma escolha racional e voluntária acerca do governo da sociedade - quando o que conta cada vez mais é a diferença étnica, sexual e religiosa de grupos humanos definidos pelas características dos seus corpos, da sua idade e do seu sexo?» (1)
E pronto. Chega de falar desta espécie de niilismo hiper-digito-pós-modernidade.
Em 1962, dois jornalista da RTF, Frédéric Carey e Jean-Claude Bergeret, entrevistaram jovens que, ao chegarem ao ano 2000, estariam na casa dos 50-60 anos. (2) Como pensariam eles que seria a vida nesse ano tão carregado de simbologia. Há uma jovem que, quando lhe perguntam que forma terá o regime político em 2000, responde: «Liberté sans être liberté.» Podemos traduzir por "Liberdade sem ser liberdade." Penso que esta jovem, que terá agora meia dúzia de anos mais do que eu, acertou na mouche!
Hugo, será que me cumpri como me desafiaste?
À cautela, e porque o bom humor é sempre expressão de fina, clara e bem comunicável inteligência, aqui deixo, em jeito de remate, um vídeo que, no fundo, toca todas as coisas destas minhas apressadas 6 teses.

 

Grau Zero da discussão: Olhar é proibido, ser atraente é... desaconselhado.
Tese 1: Porque me morrem os manjericos?
Tese 2: (Des)tapar o Sol com a peneira.
Tese 3: Espelho meu, há alguém mais bonito do que eu?
Tese 4: Querem lá ver que o idiota... sou eu.
Tese 5: Quem não precisa de favores de ninguém rega mesmo quando chove.
________________________
(1) Roberto Esposito, "A Nova Linguagem Política: pós-democracia e biopolítica"".  In Electra, Fundação EDP, 1, Março 2018.
(2) https://www.youtube.com/watch?v=emvHuVnwbJo&t=626s (aos 00:10:20)

Olhar/Ser atraente, Tese 5: Quem não precisa de favores de ninguém rega mesmo quando chove.

Autora: Aleksi Siirtola, Finland
Sufocados em catadupas de informação (tese 1), incapazes de filtrá-la (tese 2), cada vez mais preocupados com a nossa imagem pública (tese 3), cada vez menos à vontade com o Outro, que nos é cada vez mais Estranho (tese 4), afirmamos cada vez mais, a qualquer preço, a nossa individualidade e os nossos inalienáveis direitos cívicos e políticos - o absoluto primado do Singular! Distorcemos e renegamos o primado da nossa condição biológica básica - sobretudo o ser humano! -, que é a de sermos parte do grupo-família (e senão se lhe quiser chamar família, chame-se-lhe grupo-nascimento). Antes de sermos indivíduos, somos díade, tríade, "multiplídade" - esquecê-lo é renegar a nossa natureza humana.
Estamos todos a aprender que não somos estritamente dicotómicos: homem-mulher, branco-preto, inteligente idiota, migrante-não migrante, puros-misturas; isso sim, despertamos cada vez mais para os matizes, as nuances, as composições - e tudo isso requer aprendizagem e reaprendizagem; perda de rotinas e criação de novos hábitos; abandono de estereótipos antigos e inconsciente substituição por outros, novos; esvaziamento de preconceitos e emergência involuntária de outros que demorarão ainda algum tempo a identificar.
Há uma anedota - tinha de ser alentejana! - em que alguém apanha um senhor a regar os seus canteiros em dia de evidente chuva. Instado a responder por que razão o fazia, o homem, muito sério, respondeu com a proverbial lenta assertividade: «Não preciso de favores de ninguém.»
A Finlândia anda cada vez mais nas bocas do mundo. Agora até por causa do futebol, e da maneira como, através deste desporto, a sociaeda finlandesa resolveu o problema da noctívaga vagabundeagem, ociosa, de um número crescente de jovens de tão longínquo e estranho país. Alarmantemente ociosa.
Ora bem, há alguns meses estive com um rapaz, velho associado dos saudosos Traquinas da Boa vida. Ele está há vários anos a viver e a trabalhar na Finlândia, país com sistema político em vigor que muito promove e assegura a paridade entre os sexos em todos os níveis da experiência cívica, hierarquias laborais e relações políticas do país. Contava-me ele que, se um homem for na rua, se deparar com uma senhora vergada ao peso dos sacos do supermercado e se se dirigir a ela a oferecer-lhe ajuda, arrisca-se a ser por ela insultado pelo "evidente" machismo, como se ela não fosse capaz de carregar sozinha com os sacos!...
É como já o disse: são tempos de aprendizagem, de novos equilíbrios, de revisitação do bom senso; da recuperação da confiança pessoal e de redução da tensão emocional.

Grau Zero da discussão: Olhar é proibido, ser atraente é... desaconselhado.
Tese 1: Porque me morrem os manjericos?
Tese 2: (Des)tapar o Sol com a peneira.
Tese 3: Espelho meu, há alguém mais bonito do que eu?
Tese 4: Querem lá ver que o idiota... sou eu.
Tese 6: É a Política, estúpido, mas não só!

Olhar/Ser atraente, Tese 4: Querem lá ver que o idiota... sou eu.

Sufocados em catadupas de informação (tese 1), incapazes de filtrá-la (tese 2), cada vez mais preocupados com a nossa imagem pública (tese 3), que nos resta fazer? Parar, bloquearmo-nos; fecharmo-nos em casa. Torna-se-nos cada vez mais difícil olhar o Outro, entendê-lo, reconhecê-lo; desconfiamos dele e queremos é que ele não nos chateie a cabeça. Só que ele continua aí, a perscrutar-nos nas redes sociais, a clicar 'likes', a assinar petições, a organizarem-se em 'lobbies' de pressão.
«Na sua origem, a world wide web suscitou um sonho ingénuo, a utopia de um espaço público digital que iria cumprir todas as promessas implícitas na própria concepção moderna de espaço público. Mas é hoje bem visível que o resultado é outro e que em vez do prometido paraíso digital triunfou o caos e o discurso da estupidez nas suas formas mais violentas e regressivas.» (1)
 O espaço social do contacto pessoal directo está cada vez mais reduzido. Houve o tempo do "Não vá, telefone". O tempo é agora de "Não telefone, mande um email". Já várias vezes fui confrontado com o absurdo (ainda esta semana!) de ir aos locais, falar com um funcionário e ele me "exigir" que mandasse um email para o colega que está na sala ao lado! Nestas ocasiões, faço um pé-de-vento, e não saio sem falar directamente com a pessoa em questão; em caso de reiterada recusa, há sempre um livro de reclamações por ali, sempre deixo uma marca formal de protesto pelo absurdo da situação.
Um caso bem claro: até há pouco tempo, as matrículas nas faculdades eram presenciais, ao balcão. Hoje, ou as fazemos 'on line', ou não há nada para ninguém.
«O termo [idiótes] significava, em grego antigo, o homem "privado", no sentido de quem vive apenas "junto a si", sem participar na vida pública ou política, que para os gregos era a forma de existência mais digna. Mantendo-se fechado na esfera privada, o idiótes tinha como referência única a sua própria pessoa (a família, a casa, a propriedade privada, etc.) e não podia aceder aos conhecimentos que a vida em público, ou no mundo, podia garantir-lhe.» (2)
 Pessoalmente, considero notável todo o texto de onde extraí esta citação. Se, historicamente, até fomos nós, os Portugueses, um dos maiores responsáveis (se não mesmo o maior - o que nos fica muito bem) pela mais alargada presença pública, ao nível de todo o Planeta, podemos ler mais à frente, no texto de Alessandro Dal Lago:
«Todavia, ao analisar os dados sobre a percepção dos fenómenos migratórios, descobre-se que os europeus temem um crescimento imparável dos migrantes e, portanto, uma verdadeira invasão. Mais ainda: os próprios refugiados, na percepção dos europeus, não são já vítimas de guerras e perseguições, mas ameaças à estabilidade cultural de cada país.»
quer dizer, da nossa casa, do nosso refúgio. Parece que cada vez mais o Outro, qualquer Outro, não apenas o migrante ou refugiado é sentido como um Estranho; e um estranho ameaçador. É, finalmente, sentido como um Invasor. Publicamente, a própria ideia do Politicamente Correcto (e tendo em mente que a Política tem a ver com a possibilidade de organização justa dos grupos sociais) abana e hesita. Hesitando, acaba-se por ceder, cada vez mais sem se saber bem a quê... Parece cada vez mais fruto da força do 'lobby' ou dos 'lobbies' que estão circunstancialmente na mó de cima - no fundo, como há vai para cem anos Thomas Mann metaforizava no jogo das esferas da tetralogia de José e os Seus Irmãos.

Grau Zero da discussão: Olhar é proibido, ser atraente é... desaconselhado.
Tese 1: Porque me morrem os manjericos?
Tese 2: (Des)tapar o Sol com a peneira.
Tese 3: Espelho meu, há alguém mais bonito do que eu?
Tese 5: Quem não precisa de favores de ninguém rega mesmo quando chove.
Tese 6: É a Política, estúpido, mas não só!
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(1) António Baião e António Pedro Marques, "Notícias do Paraíso Digital".  In Electra, Fundação EDP, 2, Junho 2018.
(2)  Alessandro Dla Lago, "Idiotia, Identidade e Migrações". In Electra, Fundação EDP, 2, Junho 2018.

Olhar/Ser atraente, Tese 2: (Des)tapar o Sol com a peneira.

Ao longo do desenvolvimento pessoal acontecem duas coisas em simultâneo, no que à informação diz respeito:
Uma delas: sendo naturalmente curiosa, a criança procura as coisas, a informação, o conhecimento.
A outra: a informação vem ter com a criança; mais, procura-a intencionalmente, ataca-a mesmo - vejam-se, por exemplo, os cada vez mais abundantemente conteúdos e canais televisivos que às crianças são dedicados; os sofisticados brinquedos; os jogos electrónicos ali bem pertinho, nos telemóveis dos pais.
As crianças - naturalmente, espontaneamente; deliberadamente, humildemente e sabiamente - procuram digerir o fluxo de informação gerado pelo que criam e também pelo que recebem. Reconhecendo-se incapazes de assimilarem sozinhas toda a informação com que lidam, humildemente procuram ajuda; e fazem-no junto de quem? Junto daqueles que a organização natural,  cultural e social dominante lhes atribuiu como interlocutores privilegiados logo desde o nascimento: os pais, e a seguir os irmãos e os avós - ou seja, a família, em geral.
Um pouco mais crescidos, juntam a estes o interlocutor escola.
São incontáveis os exemplos que ilustram a intenção e o esforço das crianças para receberem ajuda no entendimento da informação. Há um que considero especialmente delicioso, de que já falei neste blogue, há mais de 10 anos (Uff! Como o tempo passa!...), em que Philip Roth, num dos seus livros, põe uma criança a perguntar assim à mãe: «Mãe, nós cá em casa acreditamos no Inverno?» (1) (Sim, é mesmo Inverno, não é inferno). A pergunta mostra que a criança sabe espontaneamente que nem toda a informação é válida; mais: que ela própria não é o único juiz que decide acerca de qual é a informação válida - a informação válida é gregária e agregadora, com centro na família de pertença.
Ora bem, aquilo a que assistimos hoje em dia é, na minha opinião, a um cada vez menos lento - e sempre muito trágico - esboroar dos filtros familiares e, em geral, educativos básicos, que permitem à criança peneirar a boa informação. As crianças e os jovens são abandonados à sua sorte, os pais põem-lhes écrãs (cada vez mais tácteis) à frente e esperam que os 'softwares', os programas e as aplicações, desenhadas por "especialistas" da educação entretenham, estimulem cognitivamente e eduquem os filhos. Na escola, os professores são também industriados a seguirem cada vez mais estes caminhos, com as famosas e "poderosas" ferramentas da Educação do Século XXI...
Os anos passam, as crianças crescem... Como foram ajudadas a pensar? Como lhes foi apoiado o desenvolvimento do sentido crítico? Como foi respeitada a sua liberdade de pensar e fazer escolhas?

Grau Zero da discussão: Olhar é proibido, ser atraente é... desaconselhado.
Tese 1: Porque me morrem os manjericos?
Tese 3: Espelho meu, há alguém mais bonito do que eu?
Tese 4: Querem lá ver que o idiota... sou eu.
Tese 5: Quem não precisa de favores de ninguém rega mesmo quando chove.
Tese 6: É a Política, estúpido, mas não só!
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(1) https://fernandonaescola.blogspot.com/2007/04/mam-c-em-casa-acreditamos-no-inverno.html

sexta-feira, julho 13, 2018

Olhar/Ser atraente, Tese 1: Porque me morrem os manjericos?

Quase tenho medo de olhar os manjericos que trago para casa... É melhor olhá-los durante menos de 5 segundos. É que não consigo dar-lhes a água na medida certa, mas que falta de jeito eu tenho com eles! Acabo sempre por afogá-los em demasiada água. Um dia tratei para casa uma dezena ou dúzia de manjericos e regá-los-ei respeitando os mais sistemáticos procedimentos metodológicos; e concluirei - finalmente!, bem ufano - da medida certa de água, em bem quantificados centilitros.
"[...] à força de sermos confrontados com enorme quantidades de dados e de medidas, já  não sabemos aquilo que estes medem, nem que unidades de medida utilizam. A tabela Excel tornou-se omnipresente, mas já não sabemos o que contêm as suas células e aquilo que nos permitem calcular. As pretensas 'provas' assentes em números, tão indispensáveis para qualquer argumentação, revelam-se assim de uma fragilidade surpreendente, estando afinal ao serviço dos preconceitos subjectivos. [...] Neste tempo em que vivemos, as novas tecnologias do digital proporcionam um verdadeiro dilúvio de informação. Mas permanecemos muito ignorantes quanto ao modo como ela é produzida, seleccionada e hierarquizada, isto é, há um défice de informação, o que leva a uma aceitação acrítica e a um recuo do pensamento e da reflexão." (1)
Quer dizer, fazem às nossas mentes o mesmo que eu faço aos manjericos: afogamo-las em sucessivas e permanentes torrentes de (des)informação. E nós somos incapazes de ter mão no fluxo da informação que nos chega. Ou então como as mães apressadas fazem às crianças que as exasperam com a proverbial - natural! - lentidão a comer: enfiam-lhes, boca adentro, garfadas e garfadas de comida, que as crianças se vêm condenadas a engolir em pressa equivalente à da mãe, ou a vomitar, sob pena de soçobrarem num engasgamento mais dramático que o mais intenso ataque de pânico.

Grau Zero da discussão: Olhar é proibido, ser atraente é... desaconselhado.
Tese 2: (Des)tapar o Sol com a peneira.
Tese 3: Espelho meu, há alguém mais bonito do que eu?
Tese 4: Querem lá ver que o idiota... sou eu.
Tese 5: Quem não precisa de favores de ninguém rega mesmo quando chove.
Tese 6: É a Política, estúpido, mas não só!
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(1) Yves Michaud, "Quando a inteligência nos torna estúpidos". In Electra, Fundação EDP, 2, Junho 2018.

Olhar é seduzir, ser atraente é... desaconselhado

No Maio de 68, em Paris, os estudantes escreveram nas paredes "É proibido proibir". 50 anos depois, a acabar o Maio de 2018, a Netflix determinou aos seus funcionários "É proibido olhar". (1)
Autor: Atelier Popular
Paradoxalmente, o narcisista Homem da Civilização Ocidental, acabara de criticar no Outro o uso da burca; e depois legislou contra o uso do véu. E levou os agentes da polícia às praias para obrigarem as senhoras a despirem-se, a mostrarem-se.
No Maio de 68, os estudantes escreveram nas paredes "A beleza está na rua". 50 anos depois, a FIFA pede que não se mostre a beleza feminina dos estádios de futebol (2), que, entretanto, deseja que seja uma valente festa nas ruas.
Em tantos Maios, de tantos 68, a Cultura Ocidental acolheu, celebrou e homenageou a Nudez Artística do Homem. Em 2018, o Grande Irmão do Facebook lançou algoritmos e censores vigilantes que procuram tirar o Nu, antes consagrado, do democratizado acesso de todos os cidadãos, nas redes sociais digitais, às produções artísticas que o Ocidente consagrou como expressão superior do génio criativa do Homem na plenitude do seu potencial mental.
O meu querido amigo Hugo Pardal, saudoso aluno de há muitos anos atrás, perguntou-me hoje, logo pela manhã, à primeira vista muito ligeiramente:
«O professor é que percebe de psicologia. Ajude-nos a perceber porque razão a sociedade actual condena o que a natureza produziu. Quando me visita na Vidigueira?»
Respondi-lhe brincando com os "ares" que na Vidigueira abrem a alma às palavras, segundo o velho "In vino veritas". O dia foi passando, mas o desafio do Hugo não me saiu da cabeça - até que se tornou muito claro na minha mente que o desafio merecia a atenção e o respeito de uma resposta.
É o que vou tentar fazer, numa série de pretensiosas "teses".
Caro Hugo, cada uma delas, em si mesma, pouco ou nada vale, e todas te parecerão muito insatisfatórias; mas, no seu conjunto, tomando cada uma delas uma perspectiva diferente, talvez eu chegue ao meu objectivo: ajudar a perceber o porquê destas coisas, como dizes, aparentemente tão anti-natura.
Hugo, dá-me tempo, e não me peças um irrepreensível ensaio filosófico, nem um rigoroso estudo psicológico; ou uma análise sociológica de exigentes procedimentos metodológicos.
Para já, um forte e grato abraço pelo teu desafio, em que ponho sincero e entusiástico empenho.
E discute comigo. Questiona-me. E traz mais malta a jogo! Como acontecia nas aulas! Que saudades!...

Tese 1: Porque me morrem os manjericos?
Tese 2: (Des)tapar o Sol com a peneira.
Tese 3: Espelho meu, há alguém mais bonito do que eu?
Tese 4: Querem lá ver que o idiota... sou eu.
Tese 5: Quem não precisa de favores de ninguém rega mesmo quando chove.
Tese 6: É a Política, estúpido, mas não só!
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(1) https://www.independent.co.uk/arts-entertainment/tv/news/netflix-sexual-harassment-training-rules-me-too-flirting-on-set-a8396431.html
(2) https://www.rt.com/sport/432861-female-fans-fifa-sexism/


terça-feira, julho 10, 2018

Professor - ensinar e aprender

Oferta da refeição, Escola Primária Piang Luang Sam, Tailândia.
«Se fores consciente enquanto ensinas os outros, estarás a ensinar-te ao mesmo tempo. Não penses que estás somente a ensinar os outros.» 
in Calendário da Floresta 2018 . 2561, Aruno Publications 2017

[If you are mindful while giving teachings to others, you will be teaching yourself at the same time. Don’t think that you are only teaching others.]

domingo, junho 10, 2018

Gostar. Acreditar. Aprender. Ensinar.



 GOSTAR. ACREDITAR. APRENDER. ENSINAR.

- «A verdade é que nunca gostei da escola. Nunca aceitei que tudo possa, deva ou tenha de ser explicado. Explicado e transmitido.”,
conta Dulce Maria Cardoso, numa antologia de contos sobre crianças e adolescentes.
E Vergílio Ferreira escreve, em Um Escritor Apresenta-se,
«Não se acredita por deliberação, como ninguém ama porque assim o decidiu.»
O gostar e o acreditar são, respectivamente, os polos da afectividade e da inteligência dos processos mentais. Ambos procuram a verdade. A verdade do que é saboroso e do que é verdadeiro.
Na sexta-feira, saía eu da escola, uma jovem estudante chegou-se a mim, ela vinha acompanhada com quem eu deduzi ser seu namorado.
- «P’ró ano vou ser sua aluna, o que é que o professor dá, Sociologia ou Psicologia?»
- «Eu dou a melhor disciplina do ensino secundário em todo o mundo!...»
- «Que é?...»
- “«Que é?...» desafiei-a eu em eco.
- «Sociologia?... Não sei…»
- «Pois, vê-se mesmo que não sabes…»
- «Também não interessa, eu quero é ter aulas consigo, e pronto.»
A jovem, simpática, conhecer-me-á dos corredores da escola, das sessões no grande auditório da escola, dos ecos dos projectos extra-curriculares que lidero ou em que participo…
Que pensa ela que poderá gostar nas minhas aulas?... Que verdades imagina ela que poderá encontrar nas minhas lições?...
Que mais pode um professor desejar de um aluno ao arrancar num novo ciclo de ser o que deve ser sempre: um professor no autêntico sentido do termo? Sem explicar, sem transmitir, sem deliberar, sem impor amar.
«Tudo o que se ensina à criança é um obstáculo à sua capacidade de descobrir e inventar.»
é o aviso de Jean Piaget que nunca me sai da cabeça.

quinta-feira, março 15, 2018

Já tirou uma senha?

Hoje fui a um organismo público, na Baixa de Lisboa.
Já me tinham confirmado, em conversa telefónica, um pouco antes, que lá alguém estaria à minha espera. Entrei onde nunca tinha entrado e dirigi-me ao senhor que estava ao balcão, com um écrã de computador do seu lado esquerdo, em diagonal. O senhor não estava ocupado com nada.
Saudei-o com os bons dias devidos nestas ocasiões, de acordo com a mais elementar etiqueta social, mas o senhor continuou a olhar para além de mim, trespassando-me, com expressão esfíngica mais indecifrável do que a da pedra que a baptizou originalmente. Olhei para trás de mim, uma senhora esperava com ar de que o assunto que a levara ali seria bem mais complicado do que o meu. Olhei outra vez a esfíngica face - esfíngica continuava.
"Instintivamente", olhei para o meu lado direito e dei com uma máquina servidora de senhas de atendimento. Fui-me a ela, A, B, C, D. Era o botão D. Dispara-me a senha 3. Oiço, logo a seguir, o som avisante do mostrador da parede do fundo, é para ele que agora olho. Estavam a chamar pela senha D3, a minha. Quem me chamava? O senhor de composição esfíngica. Desta vez, perguntou-me: «Senha 3?» Sim, respondi-lhe; e voltei a dar-lhe os bons-dias - desta vez respondeu-me; por sinal, educadamente. Perguntou-me o que queria e eu disse-lhe ao que ia, e quem ali me tinha mandado. Levantou-se e pediu-me para esperar um pouco. Aproveitei, e voltei a olhar a repartição toda - sim, ninguém mais tinha entrado naquele lugar. Volta o senhor. Bem!... Ele tinha-se tornado irreconhecível, que simpatia!, que sorriso luminoso!
A senhora que há pouco estava à espera atrás de mim agora sentara-se ao balcão ao lado do meu. A funcionária que fora lá dentro, regressara e dava más notícias à senhora, que eu adivinhara que tinha ali assunto mais complicado do que o meu. «Ai é?, muito bem. Olhe, diga então à dona XXXX que, quando quiser falar comigo, chame-me cá ou vá ter comigo, eu que não volto cá para falar com ela.»

terça-feira, fevereiro 06, 2018