sábado, julho 14, 2018

Olhar/Ser atraente, Tese 6: É a Política, estúpido, mas não só!

Sufocados em catadupas de informação (tese 1), incapazes de filtrá-la (tese 2), cada vez mais preocupados com a nossa imagem pública (tese 3), cada vez menos à vontade com o Outro, que nos é cada vez mais Estranho (tese 4), ensaiamos e atropelamo-nos uns aos outros em hiper-espartilhados gritos do Ipiranga - até sem muitas vezes sabermos o que estamos a gritar... (tese 5).
«Um espectro assombra o mundo ocidentalizado - o espectro do género. [...] A questão do género provocou uma verdadeira revolução na maneira convencional de pensar a diferença sexual. Mas começa a tornar-se claro que é preciso transpor os seus limites, apontar as suas possibilidades falhadas, fazer uma crítica das suas representações e convenções.» Pê Feijó, "De-Generação: nas Margens do Género".  In Electra, Fundação EDP, 1, Março 2018.
E chegamos, então, finalmente, à Política, no que a ela legitimamente podemos esperar de mais nobre: a regulação justa das relações sociais e cívicas, dentro de cada grupo social e entre os muitos grupos sociais.
O problema é que a Política continua a hesitar, por um lado, pelo que resulta directamente na tese 3; por outro, pela renitente dificuldade em ter mão na vertigem de poder e competição intrínseca à "humanidade" dos detentores dos poderes políticos. A regra é que, praticamente sem excepção (por exemplo, o ex-presidente do Uruguai, José Mujica), quem se senta na cadeira tudo faz para lá permanecer o mais tempo possível.
Entretanto, se calhar, mais do que isso - é um facto a que os cidadãos votantes estão já sobejamente habituados - acontece na Política o que Eugénio de Andrade diz a propósito de uma outra dimensão fundamental da vida dos homens (bem, para ser politicamente correcto, terei de dizer "das mulheres e dos homens"):
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes. ~
Roberto Esposito, fazendo jus a tanto pensamento arejado que continua a ser atirado para fora do poderoso caldo de fogo da península italiana. escreve:
«As categorias tradicionais da política moderna revelam-se hoje inadequadas. A própria ideia de democracia surge minada nos seus fundamentos, tal como se revelam vazias de sentido as palavras que serviram a acção e o pensamento políticos herdados da modernidade. [...] Como empregar o léxico democrático da igualdade formal entre sujeitos políticos autónomos - entendidos como átomos lógicos puros, chamados periodicamente a exprimir uma escolha racional e voluntária acerca do governo da sociedade - quando o que conta cada vez mais é a diferença étnica, sexual e religiosa de grupos humanos definidos pelas características dos seus corpos, da sua idade e do seu sexo?» (1)
E pronto. Chega de falar desta espécie de niilismo hiper-digito-pós-modernidade.
Em 1962, dois jornalista da RTF, Frédéric Carey e Jean-Claude Bergeret, entrevistaram jovens que, ao chegarem ao ano 2000, estariam na casa dos 50-60 anos. (2) Como pensariam eles que seria a vida nesse ano tão carregado de simbologia. Há uma jovem que, quando lhe perguntam que forma terá o regime político em 2000, responde: «Liberté sans être liberté.» Podemos traduzir por "Liberdade sem ser liberdade." Penso que esta jovem, que terá agora meia dúzia de anos mais do que eu, acertou na mouche!
Hugo, será que me cumpri como me desafiaste?
À cautela, e porque o bom humor é sempre expressão de fina, clara e bem comunicável inteligência, aqui deixo, em jeito de remate, um vídeo que, no fundo, toca todas as coisas destas minhas apressadas 6 teses.

 

Grau Zero da discussão: Olhar é proibido, ser atraente é... desaconselhado.
Tese 1: Porque me morrem os manjericos?
Tese 2: (Des)tapar o Sol com a peneira.
Tese 3: Espelho meu, há alguém mais bonito do que eu?
Tese 4: Querem lá ver que o idiota... sou eu.
Tese 5: Quem não precisa de favores de ninguém rega mesmo quando chove.
________________________
(1) Roberto Esposito, "A Nova Linguagem Política: pós-democracia e biopolítica"".  In Electra, Fundação EDP, 1, Março 2018.
(2) https://www.youtube.com/watch?v=emvHuVnwbJo&t=626s (aos 00:10:20)

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