sábado, julho 14, 2018

Olhar/Ser atraente, Tese 4: Querem lá ver que o idiota... sou eu.

Sufocados em catadupas de informação (tese 1), incapazes de filtrá-la (tese 2), cada vez mais preocupados com a nossa imagem pública (tese 3), que nos resta fazer? Parar, bloquearmo-nos; fecharmo-nos em casa. Torna-se-nos cada vez mais difícil olhar o Outro, entendê-lo, reconhecê-lo; desconfiamos dele e queremos é que ele não nos chateie a cabeça. Só que ele continua aí, a perscrutar-nos nas redes sociais, a clicar 'likes', a assinar petições, a organizarem-se em 'lobbies' de pressão.
«Na sua origem, a world wide web suscitou um sonho ingénuo, a utopia de um espaço público digital que iria cumprir todas as promessas implícitas na própria concepção moderna de espaço público. Mas é hoje bem visível que o resultado é outro e que em vez do prometido paraíso digital triunfou o caos e o discurso da estupidez nas suas formas mais violentas e regressivas.» (1)
 O espaço social do contacto pessoal directo está cada vez mais reduzido. Houve o tempo do "Não vá, telefone". O tempo é agora de "Não telefone, mande um email". Já várias vezes fui confrontado com o absurdo (ainda esta semana!) de ir aos locais, falar com um funcionário e ele me "exigir" que mandasse um email para o colega que está na sala ao lado! Nestas ocasiões, faço um pé-de-vento, e não saio sem falar directamente com a pessoa em questão; em caso de reiterada recusa, há sempre um livro de reclamações por ali, sempre deixo uma marca formal de protesto pelo absurdo da situação.
Um caso bem claro: até há pouco tempo, as matrículas nas faculdades eram presenciais, ao balcão. Hoje, ou as fazemos 'on line', ou não há nada para ninguém.
«O termo [idiótes] significava, em grego antigo, o homem "privado", no sentido de quem vive apenas "junto a si", sem participar na vida pública ou política, que para os gregos era a forma de existência mais digna. Mantendo-se fechado na esfera privada, o idiótes tinha como referência única a sua própria pessoa (a família, a casa, a propriedade privada, etc.) e não podia aceder aos conhecimentos que a vida em público, ou no mundo, podia garantir-lhe.» (2)
 Pessoalmente, considero notável todo o texto de onde extraí esta citação. Se, historicamente, até fomos nós, os Portugueses, um dos maiores responsáveis (se não mesmo o maior - o que nos fica muito bem) pela mais alargada presença pública, ao nível de todo o Planeta, podemos ler mais à frente, no texto de Alessandro Dal Lago:
«Todavia, ao analisar os dados sobre a percepção dos fenómenos migratórios, descobre-se que os europeus temem um crescimento imparável dos migrantes e, portanto, uma verdadeira invasão. Mais ainda: os próprios refugiados, na percepção dos europeus, não são já vítimas de guerras e perseguições, mas ameaças à estabilidade cultural de cada país.»
quer dizer, da nossa casa, do nosso refúgio. Parece que cada vez mais o Outro, qualquer Outro, não apenas o migrante ou refugiado é sentido como um Estranho; e um estranho ameaçador. É, finalmente, sentido como um Invasor. Publicamente, a própria ideia do Politicamente Correcto (e tendo em mente que a Política tem a ver com a possibilidade de organização justa dos grupos sociais) abana e hesita. Hesitando, acaba-se por ceder, cada vez mais sem se saber bem a quê... Parece cada vez mais fruto da força do 'lobby' ou dos 'lobbies' que estão circunstancialmente na mó de cima - no fundo, como há vai para cem anos Thomas Mann metaforizava no jogo das esferas da tetralogia de José e os Seus Irmãos.

Grau Zero da discussão: Olhar é proibido, ser atraente é... desaconselhado.
Tese 1: Porque me morrem os manjericos?
Tese 2: (Des)tapar o Sol com a peneira.
Tese 3: Espelho meu, há alguém mais bonito do que eu?
Tese 5: Quem não precisa de favores de ninguém rega mesmo quando chove.
Tese 6: É a Política, estúpido, mas não só!
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(1) António Baião e António Pedro Marques, "Notícias do Paraíso Digital".  In Electra, Fundação EDP, 2, Junho 2018.
(2)  Alessandro Dla Lago, "Idiotia, Identidade e Migrações". In Electra, Fundação EDP, 2, Junho 2018.

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