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segunda-feira, agosto 11, 2025

#TOLERÂNCIA225 - FRANZ KAFKA E A TOLERÂNCIA

 #TOLERÂNCIA225 - FRANZ KAFKA E A TOLERÂNCIA

Ontem "tropecei" na edição «conforme a edição crítica» de "Todos os Contos" de Franz Kafka, editada e reeditada em português (pela Livros do Brasil) em 2023. Hoje folheei-a, e fui depois à Net tentar saber mais alguma coisa acerca da edição do livro.

Avançando quase sem cuidar do caminho, enredei-me em edições em português, alemão, inglês e francês. Tentei chegar a escritos originais (alemão) e compará-los com traduções nas outras três línguas. O Google quase sempre resvalou para a "Carta ao Pai", que Kafka escreveu em Novembro de 1919, já depois de feitos os 36 anos. Quanto às traduções que comparei, pois, lá me veio à cabeça o clássico "Traduzir é trair". Mas, que fico claro: bendigo o precioso trabalho dos tradutores competentes e cultos!

Começava assim a carta:

«Querido Pai,
Perguntaste-me há pouco tempo porque é que eu continuo a ter medo de ti. Como de costume, não fui capaz de te dar qualquer resposta, em parte por causa desse mesmo medo, em parte porque, se quisesse explicar as razões, haveria demasiados detalhes relevantes para conseguir articulá-los de forma coerente ao falar. E, mesmo tentando responder-te aqui por escrito, ficará sempre muito incompleto, porque, mesmo na escrita, o medo e as suas consequências continuam a interferir quando estou perante ti, e porque a extensão do material vai muito além da minha memória e compreensão.»

Dizem-me as fontes que a carta nunca chegou ao pai, Hermann Kafka... E que o próprio Kafka não terá tido intenção de a publicar. Publicou-a, já depois de Kafka morrer, o seu amigo Max Brod, a quem

Franz Kafka, aos 5 anos
Kafka chegou a deixar escrito o pedido para, caso ele, Kafka, morresse, «os diários, manuscritos, cartas, dele ou de outros, desenhos, etc., e que estivessem na estante de livros, no guarda-fatos (sic), na secretária, em casa, no escritório ou em qualquer outro sítio, fossem destruídos na íntegra sem serem lidos, tal como todos os escritos ou desenhos que ele — Max Brod — ou outras pessoas tivessem em seu poder.», coisa que o amigo, de todo, não fez.

O primeiro parágrafo da carta de Kafka ao pai é um excelente exemplo do que tantas vezes recomendo a pessoas ansiosas, tomadas por medos e bloqueadas nos seus pensamentos: que escrevam. Mesmo que não saibam bem o quê, mesmo que custe, é uma boa maneira de avançar numa conversa difícil com alguém, tantas vezes consigo próprio, não apenas com algum Outro.

Na edição mais completa dos Contos a que consegui acesso (uma edição inglesa de 1971-1983, logo, ainda longe da edição crítica de "Todos os Contos" de 1996), a palavra Tolerância (ou variantes da família da palavra) surge 14 vezes. Tomo nota para um dia as explorar com atenção.

Na "Carta ao Pai", Kafka fala da Tolerância 3 vezes.

A primeira tem a ver com a irmã mais nova, de quem ele, ao que parece, gostava muito, até porque a considerava forte, ao contrário de si próprio, que se via como fraco: «E não terias tu certamente tido a autoridade para fazer algo de muito bom com esta empresa (assumindo que te terias conseguido obrigar a fazê-lo) oferecendo encorajamento e conselhos e vigiando-a, talvez até apenas tolerando-a?» Parece que Kafka, aqui, sugere que mesmo a mera tolerância, a aceitação passiva dos seus caminhos [Repito, está a referir-se à irmã. Bem, no fundo, à irmã e a ele próprio, digo eu], teria sido suficiente para fazer uma diferença positiva, em contraste com a sua aparente desaprovação. A frase sugere a falta de apoio do pai, mesmo a nível mínimo.

A segunda mostra como a Tolerância não chega, pode mesmo ser enganadora: «Por exemplo, a minha escolha de profissão. Certamente que me deste total liberdade nesse aspecto, à tua maneira magnânima e, a este respeito, até tolerante. Embora, ao fazê-lo, estivesses também a seguir a forma como a classe média judaica geralmente trata os seus filhos, que era o padrão que tinhas — ou, pelo menos, estavas a seguir os seus juízos de valor. Em última análise, isso também foi afectado por um dos teus equívocos em relação à minha personalidade.» Quer dizer, a "Tolerância" do pai não vinha de uma compreensão profunda ou aceitação das suas escolhas, mas sim de uma adesão a um padrão social estabelecido.

Finalmente, a terceira será a mais contundente de todas: Kafka ousa pôr-se no lugar do pai, e fá-lo de forma bastante desafiante: «De qualquer modo, devo dizer que acharia um filho [como ele, Franz] tão calado, embotado, seco e obcecado [com o seu mundo de livros e escrita] bastante intolerável e, se mais nada fosse possível, quase de certeza fugiria dele, emigraria, tal como tu nunca tiveste a intenção de fazer até eu tencionar casar.» Kafka admite que a sua personalidade, tal como ele a percebe de si para si próprio, seria insuportável para alguém como o pai. Ele admite a sua própria dificuldade de ser amado ou aceite pelo pai, mas fá-lo de uma forma que também critica o pai pela sua intolerância. Ou seja, pai incapaz de ser tolerante coma filha e com o filho.

Pois é, entre ontem e hoje, sem que me desse conta dos passos com que lá cheguei, a certa altura vejo-me embrulhado num, deixem-me brincar, num autêntico "processos kafkiano" entre leituras, traduções e edições de Kafka. Porquê? Porque quis espreitar-lhes a Tolerância nos interstícios.

Tenha-me ou não saído bem deste labirinto, fico a pensar na maneira como a Tolerância e a Intolerância é vivida explicitamente ou surdamente na relação entre pais e filhos... Na maneira como os desejos dos pais, por mais meritórios que sejam, os tornam a eles, os pais, em educadores intolerantes, que se tornam incapazes de ver as idiossincrasias, as motivações, as individualidades e as personalidades dos filhos.

O desafio para a Educação: identificar, tão cedo quanto possível, os sinais de intolerância (sobretudo a mascarada, a sub-reptícia, velada e inconsciente) dos pais em relação aos filhos; e como evitá-la e preveni-la; e como modificá-la. Estou, naturalmente, a falar da intolerância que abafa, cerceia, o pleno desenvolvimento pessoal, saudável, das crianças e dos jovens.

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