sexta-feira, setembro 24, 2010

Tiago, bem-vindo às aulas de Psicologia, como as enriqueces!...

(...) já lidei muitas vezes com casos de pânico e de desespero, uma pessoa sentir que está em risco e vê-se pelo olhar que, quando nós chegamos, agarram-nos (quando ainda conseguem) como se nós fossemos "a vida", mas o mais gratificante é ver a alegria nos olhos de uma pessoa por ter sido salva!, por um familiar já estar bem! Por muitas coisas!... E aí olham-nos como se fossemos deuses, muitas das vezes fazem de tudo para não perder o contacto com quem as salvou!, porque lhe vai ficar grata o resto da vida e é muito bom sentir isso... muito bom mesmo! (...)

Na abertura do curso de Psicologia da turma do 12.º ano, deste ano letivo, lancei o convite aos alunos para que se apresentassem aos colegas, por escrito, num fórum existente para o efeito na plataforma informática da Escola. Escreveriam a partir da ideia que têm da sua relação com a Psicologia, a partir da ideia que têm sobre a maneira como, na opinião de cada um, a Psicologia esteve já presente nas suas vidas.
Um dos alunos que aceitou prontamente responder ao convite foi o Tiago. O Tiago é o aluno mais alto e mais velho da turma. Acabou de fazer 20 anos. No contacto social, é um rapaz discreto, sóbrio na expressão pessoal e nas palavras. Muito bem-educado. Facilmente desperta simpatia. Foi igual a si próprio no primeiro texto que escreveu em resposta ao meu pedido: discreto, sóbrio, simples; apoucando-se, mesmo: fala da sua formação e acaba o texto dizendo “A meu ver, acho que não há mais nada de relevante a escrever!”
O Tiago é bombeiro desde os 12 anos. Tem apagado muitos fogos, mas não consegue apagar o fogo que arde dentro dele. (Um dia lhe explicarei que o fogo que tem dentro dele é fogo do tipo que cria a vida, ao contrário daquele contra o qual luta em todo o lado, sempre que o chamam). Talvez pela experiência que tenho de contacto com os vulcões dos Açores, percebi que a dimensão do fogo que se convulsiona dentro do meu bem recente aluno é a mesma que faz a intensidade poderosa dos magmas que respiram teluricamente nas fascinantes ilhas atlânticas e atlântidas.
Confiante na minha ideia, passei do convite ao desafio. O Tiago não baixou os olhos, não deu passo nenhum atrás e decidiu enfrentar o desafio com a mesma coragem e frontalidade com que tem enfrentado tanto fogo, tanta tragédia, nos seus poucos, mas tão intensos, anos.
Com todos, agora e aqui, partilho, com a sua autorização, as suas sinceras palavras:

Posso responder, sim (…), embora não tenha escrito antes pois também não quero ser aborrecido e assim tipo chato...!

Sim, já lidei muitas das vezes com todas essas emoções humanas nos outros, e tenho de dar sempre a volta, é essa a minha função e já lidei com a tristeza de perder um familiar, [com] a raiva que têm muitas vezes por mim, porque o trabalho que fiz não deu frutos positivos, no caso da saúde.
Também já lidei muitas vezes com casos de pânico e de desespero, uma pessoa sentir que está em risco e vê-se pelo olhar que, quando nós chegamos, agarram-nos (quando ainda conseguem) como se nós fossemos "a vida", mas o mais gratificante é ver a alegria nos olhos de uma pessoa por ter sido salva!, por um familiar já estar bem! Por muitas coisas!... E aí olham-nos como se fossemos deuses, muitas das vezes fazem de tudo para não perder o contacto com quem as salvou!, porque lhe vai ficar grata o resto da vida e é muito bom sentir isso... muito bom mesmo! O lado mau é quando vamos para socorrer e muitas das vezes somos mal recebidos, muitas das vezes chega a haver agressões verbais e físicas, mas nem assim se perde a vontade de ajudar!!

Pergunta-me se eu nunca senti medo, ou vi o medo nos rostos dos outros bombeiros e das pessoas com dramas de doenças, incêndios, desastres, etc.

Toda a gente sente medo e por ser bombeiro não sou diferente, posso não mostrar que tenho medo mas sim, já senti esse medo, eu e muitos colegas. Ainda esta época de fogos, enquanto estive no Parque Nacional da Peneda Gerês, eu e todos os meus colegas passámos muitos momentos em que tivemos medo, mesmo assim nunca o mostrámos, tanto que muitas das vezes tiveram de ser superiores a ir-nos buscar para fugir mesmo à última da hora porque já estávamos em risco, e estávamos a ficar cercados pelo fogo, uma das vezes, inclusive, tivemos de ficar em cima de um pedregulho durante uma hora e meia à espera que o fogo se afastasse para podermos sair dali, mas isso é o que incentiva os bombeiros, é o risco...

"Nunca sentiste vontade de chorar, ou cansaço?"

Sim, já senti vontade de chorar, tanto por alegria, como por tristeza e pânico! Por pânico, quando ia socorrer uma bebé de 3 dias que tinha deixado de respirar e encontrava-se inconsciente, e pânico esse porque uma criança de 3 dias é um Ser muito pequeno e imprevisível, não se pode fazer muita coisa como bombeiro, para socorrer um criança desse tamanho, por motivos de não termos equipamento para esse socorro nem formação para tal! Mas mesmo assim optei por fazer o pouco que sabia como cultura geral e correu bem, a menina reanimou e começou a respirar normalmente e ainda hoje a vejo, já com um ano, e é uma criança saudável e feliz e é cada vez que a vejo que me sinto feliz...
Já chorei de tristeza, por exemplo, quando se perde um colega e amigo, pois não é fácil aceitar, como está a acontecer presentemente nos Bombeiros da Pontinha...!
Cansaço!? Muito! Mas bastam 30 minutos de sono para trabalhar mais 24 horas sem parar, como aconteceu comigo no Gerês, onde almoçava às 7 da tarde rações de combate e jantava às 5 da manhã a mesma coisa, assim sucessivamente durante 4 dias e só dormia quando o fogo estava em locais de acesso impossível, e também devo frisar que fomos 60 bombeiros de Lisboa numa viagem que demorou 5 horas e ainda fomos para lá apaga fogos com quilómetros de extensão. Só com pás, e andávamos a pé... sem carros!

"Nunca alguma coisa da tua experiência de bombeiro te deixou a pensar mais do que uma vez?"

Sim! Muitas vezes ... muitas vezes pensamos o que andamos nós a fazer a arriscar a vida sem receber "nada" em troca! Não compensa muitas vezes deixar a família toda em casa e sair a correr como já aconteceu comigo muitas vezes. Ainda recentemente, no meu dia de aniversário tinha um jantar combinado com a família, a namorada e os amigos e perto da hora de jantar tive de ir para um incêndio florestal fora de zona (Carregueira), onde passei lá a noite!! É por isso que penso muitas vezes, mas quando chega a altura de ir não penso 2 vezes!

"Nunca sentiste raiva por quereres ajudar e não conseguires?"

Por conseguir não, porque tenho de arranjar sempre maneira de conseguir, mas pode-se dizer que já senti por não conseguir como eu pensei e ter de arranjar outra maneira que na altura nem eu imagino bem como, logo se vê! Acontece constantemente a nível geral mas temos sempre de manter a calma para quem está ao nosso redor não o sinta, e deixar acontecer e agir!

"Nunca sentiste que fracassaste?..."

Sim... na maioria das vezes sem culpa, principalmente quando se perde uma vida, e nós damos tudo por tudo para reverter isso ou para evitar isso, e não vemos frutos positivos e quando ouvimos os familiares próximos a lamentar-se pelo sucedido, muitas vezes com revolta, sim, sinto que fracassei e só me resta sair de cabeça baixa, embora saiba que fiz tudo o que podia e que aquilo tinha de acontecer e não havia volta a dar...!

Caro Tiago, depois de tudo o que dizes, assim de maneira tão pessoal, tão franca, eu devia calar-me, as tuas palavras mereceriam todo esse respeito. Sim, vou calar-me mas ainda tenho de te dizer que mereces que, aula após aula, eu dê o meu melhor, sempre mais e sempre melhor e, mesmo assim, será sempre pouco para agradecer e retribuir o tanto que todos nós já devemos aos teus ainda tão jovens anos. E devemos também aos teus camaradas bombeiros.
Pronto, calo-me. Porque isso me compete. As tuas palavras são a música de que fala o profeta.
Abraço-te até aos ossos, muito afetuosamente.

segunda-feira, setembro 20, 2010

O grande assassino das crianças

O GRANDE ASSASSINO DAS CRIANÇAS
Com a ajuda da Visão (n.º 915) fiquei com os números atualizados: 4000 crianças morrem todos os dias devido a doenças provocadas por falta de água e saneamento (mais que a SIDA, a malária e o sarampo juntos). Segundo um relatório da ONG britânica WaterAid, intitulado The Biggest Child Killer, só no século XXIII é que a totalidade da população a sul do Sara deverá ver cumprido esse objetivo (dispor de saneamento básico e água potável). Nós cá estaremos para ver (Desculpe-se a ironia...).
Vai chegar o Ano Europeu das Atividades de Voluntariado (proclamado pelo Conselho da União Europeia, para 2011), será este drama mundial um bom tema para orientar os nossos esforços e a nossa atividade.
À beira do Dia Internacional da Paz (21 de Setembro), não seria de dedicarmos já algum do nosso pensamento a esta questão?

quarta-feira, setembro 15, 2010

- "Será que a perfeição existe?"

Abri hoje mais um curso de Psicologia na Escola Secundária Eça de Queirós (Olivais-Lisboa), perguntando aos alunos da minha turma do 12.º ano:
- "Será que a perfeição existe?"
A resposta foi unânime, mesmo que a força das convicções tenha variado: vamos todos empenhar-nos em reconhecer para nós e mostrar aos outros que a perfeição estará ali entre nós, na sala de aula, ao longo do ano de trabalho que agora iniciámos.
No fim da aula, mesmo antes do toque de saída, foi Miguel Torga que deixou ditas as últimas palavras. Foram estas, a desafiar-nos para o prazer de aprender, num constante e entusiasmante diálogo entre todos, os alunos e o professor; e os outros professores:

INSTRUÇÃO PRIMÁRIA

Não saibas: imagina...
Deixa falar o mestre, e devaneia...
A velhice é que sabe, e apenas sabe
Que o mar não cabe
Na poça que a inocência abre na areia.

Sonha!
Inventa um alfabeto
De ilusões...
Um a-bê-cê secreto
Que soletres à margem das lições...

Voa pela janela
De encontro a qualquer sol que te sorria!
Asas? Não são precisas:
Vais ao colo das brisas,
Aias da fantasia...

domingo, setembro 05, 2010

Causa "Abaixo as mochilas da escola supercarregadas de livros"

Numa reportagem que hoje vi na RTP Notícias sobre o regresso às aulas, falou-se de muita coisa, tendo um pormenor passado despercebido: há um primeiro momento em que uma criança se esforça por recitar o alfabeto perante as câmaras, ali com o microfone bem apontado à boca. Depois, num segundo momento, aparece a mesma criança a tentar pegar, a muito custo, numa mochila supercarregada de livros, cadernos e outro material escolar.
Ora, tenho para mim que essa era, na verdade, a situação mais grave apresentada na reportagem! Quantas vezes vemos as crianças caminhando desajeitadamente na rua por causa do peso da mochila que levam às costas para a escola! Quantas vezes é o pai, a mãe, o avô ou a avó a levar a mochila para a escola porque a criança não aguenta com aquele peso!
Penso que é mesmo um problema de saúde pública! Grave!
Não é novidade denunciar esta situação. "Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura."
Cada vez mais, hoje em dia, os estudantes dos anos terminais do ensino secundário vão para a escola praticamente sem nada, quase só com uma esferográfica e um caderno mais ou menos retorcido num bolso ou na cova da mão. Mas, no ensino básico, a maioria das mochilas são autênticas cruzes de crucificação que comprometem o desenvolvimento físico saudável das crianças.
Ora aqui está um tema que merecia uma Causa no Facebook. São tantas as causas que agora, em catadupa, chegam todos os dias pela Internet a nossas casas.
NÃO HÁ, SEGURAMENTE, NECESSIDADE DE SER ASSIM!
NÃO PODE SER ASSIM!
ABAIXO AS MOCHILAS DA ESCOLA SUPERCARREGADAS!
Há anos subi o Kilimanjaro, com amigos, em que só um não era professor. À entrada do Parque Natural, o peso das cargas de cada um dos carregadores (adultos) era fiscalizada: não podia exceder os vinte quilogramas por carregador.
Penso que, proporcionalmente à idade e ao peso corporal, há muitas crianças portuguesas que carregam muito mais que esses vinte quilogramas. Que dizem os pais?... Que fazem os professores?...