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terça-feira, julho 10, 2018

Professor - ensinar e aprender

Oferta da refeição, Escola Primária Piang Luang Sam, Tailândia.
«Se fores consciente enquanto ensinas os outros, estarás a ensinar-te ao mesmo tempo. Não penses que estás somente a ensinar os outros.» 
in Calendário da Floresta 2018 . 2561, Aruno Publications 2017

[If you are mindful while giving teachings to others, you will be teaching yourself at the same time. Don’t think that you are only teaching others.]

segunda-feira, julho 20, 2015

Leonore Goldschmidt e o magistério de professor

"I have greatly enjoyed the cooperation and friendship of my pupils. I have learned that, in the end, nothing remains as satisfying as the love of those who come after us."
(Apreciei sempre muito a colaboração e a amizade dos meus alunos. Aprendi que, no final, nada fica de tão satisfatório quanto o apreço daqueles que nos seguem.)
Leonore Goldschmidt é uma heroína, que se libertou das leis da morte, com todo o mérito, em resultado de um esforço pessoal notável, numa das épocas histórias mais perigosas para os seres humanos, em que a arbitrariedade de dispor da vida e da morte reinava injustamente no seu país - a Alemanha, a partir da ascensão de Hitler ao poder - paradoxalmente, numa cultura que faz subir ao nível do sagrado o respeito pela Lei e pela Ordem. E os altamente inteligentes correligionários de Hitler puseram todas as suas capacidades ao serviço dos Valores contrários aos que nas sociedades humanas, desde sempre, alimentaram os princípios da Lei e da Ordem; e fizeram-no (ou melhor, começaram por fazê-lo) de uma forma altamente "sofisticada": precisamente através da Lei e da Ordem! Terá sido por questões de pueril pudor? Por viciada cegueira cultural?
As imagens eternizaram-na como "A professora que desafiou Hitler" (The teacher who defied Hitler).

domingo, outubro 12, 2014

A ESPANTOSA CAPACIDADE DE SER DAS CRIANÇAS. E DE NOS AJUDAREM A SER.

A ESPANTOSA CAPACIDADE DE SER DAS CRIANÇAS. E DE NOS AJUDAREM A SER.
Na sexta-feira passada cheguei à escola um pouquinho mais tarde que o costume. A riscar o estar atrasado! Detesto chegar atrasado às aulas!
Logo que passei o portão de entrada, estuguei ainda mais o passo, para atacar as escadas tão depressa quanto pudesse. Um grito de criança, atrás de mim, obrigou-me a parar, ainda não chegara sequer ao primeiro degrau: "Amigo!..." Voltei-me. A correr para mim, de mão esticada, francamente aberta à procura da minha, um lindo sorriso de criança transportou consigo estas tão aconchegantes palavras: "Que bom começar o dia a cumprimentar um amigo!..."
Eh, lá!... Reconheci as minhas próprias palavras, das outras vezes, das vezes habituais, em que entro na escola em passo bem mais sereno, cumprimento este, pergunto aquilo àquele, desejo um bom dia de trabalho a outro, ou faço nariz torcido aquele outro, o que está logo ali às oito da manhã pendurado num cigarro.
Ali estava eu, parado, preso às minhas próprias palavras. As nossas mãos trocaram-se. Os olhos do petiz, francamente postos nos meus, eram o eco saboroso do sentido das palavras que agora a memória confirmava. Os dentes brancos, alinhados como se deseja, uns a seguir aos outros, mantinham, bem pertinho, o sorriso luminoso que antes, mais longe, me prendeu à beira das escadas. Sim, tomei consciência que estava a testemunhar que alguém um dia escutou as palavras que eu disse; um dia as sentiu; e as guardou; e hoje as trouxe ao sítio e ao momento de que eu agora quase fugia.
Evidentemente, perdi toda a pressa - aquele era um momento de ouro, que apareceu trazido pelo coração notável de uma criança que sabe reconhecer e sabe ser grata. Que pede pouco e que tem noção do que vale muito - pelo menos para si própria. Olho-a no tamanho que o 5.º ano de escolaridade torna possível aos alunos. Mas só uma criança deste tamanho, com o coração e o pensamento que as crianças deste tamanho têm, faz o que esta fez.
Uma criança, ou jovem, mais velho, aluno da escola, ter-me-ia olhado com benevolência e teria desabafado, pelo menos, em pensamento: "Deixa-o ir, já vai atrasado, coitado..."
Acabei por subir as escadas com o vagar do costume, olhando com quem me cruzava. Os meus alunos, quando pouco depois entrasse na sala de aula, seguramente me perdoariam (hummm... não deveria ter escrito "agradeceriam"?) o excepcional atraso.

segunda-feira, agosto 25, 2014

Os drones, à entrada do novo ano escolar

Está prestes a começar outro ano escolar.
Oficialmente, deliberadamente, por imperativos políticos, económicos e financeiros, a condição do professor apouca-se, degrada-se; em proporcionalidade inversa às exigências que o Ministério da tutela impõe e que largos grupos da Sociedade, carentes cada vez mais de cada vez mais coisas, aceitam - umas vezes passivamente, mas acomodadamente; e outras vezes, mesmo agressivamente.
http://www.alexchiodi.com.br/vereador-
retoma-discussao-sobre-o-ciclo-educacional/
Entretanto, ao lado desta triste e lamentável situação sócio-profissional, as crianças e os jovens continuarão a ir para a escola dispondo-se, desejando, confiando; quiçá mesmo, ansiando - sempre legitimamente! -, que os professores os ajudem a aprender e a entender um pouco melhor o Mundo - o que os rodeia, na casa e na escola; e o que sem parar, intensivamente, agressivamente, lhes entra pelos sentidos e pelos poros, nas televisões, na Internet, por todo o lado! 24 horas por dia.
Nova Iorque é a cidade que não dorme, acaba de mo confirmar, por testemunho pessoal, o meu amigo Luís Moniz. O Mundo transformou-se, ele, também, numa gigantesca Nova Iorque, e hoje em dia podemos estar em nossas casas a assistir o que acontece, seja onde seja, seja a que horas seja. O Mundo é uma Nova Iorque também cheio de bairro periféricos, pobres, degradados, anónimos, impessoais; o Mundo é a cidade de Nova Iorque que tanto desconforto deu a Eça de Queiroz, e que, provavelmente, ele nunca compreendeu, nem assimilou totalmente, fosse nas marcas da Civilização que lá encontrou, fosse nas marcas da negação da Civilização que também lá encontrou abundantemente, e que tão longe estava da Civilização que ele tinha como ideal; muito lucidamente, Eça percebeu que Nova Iorque não era modelo para ninguém, que o Progresso e o Bem-Estar teriam - se algum modelo de Progresso e Bem-Estar fosse desejável - de ser procurados noutro lado.
Num interessante e curto artigo publicado hoje no jornal Público, Francisco Louça fala de "este progresso são drones a bombardear aldeias, são consolas a comandar guerras, são algoritmos financeiros a arrasar o mundo."
Precisamente, é Nova Iorque uma das grandes capitais mundiais destes drones, destas consolas e destes algoritmos financeiros. Nunca fui a Nova Iorque, nem tenho vontade de lá ir. De Nova Iorque, a única coisa que verdadeiramente gosto é a interpretação deste miúdo, que nem o próprio autor da canção conseguiu alguma vez interpretar com tanta alma, com tanto dar de si mesmo, simbolicamente visível nas traições que a mudança de voz exibe em desafinações aqui e ali, e, sobretudo, naquele vaso sanguíneo do pescoço que a todo o instante parece que vai rebentar; e que no final, perante os aplausos, diz "Obrigada!"
A generalidade das crianças e dos jovens que os professores apanham nas escolas são assim, ou estão dispostos a sê-lo: entusiastas, ávidos por desenvolverem as capacidades pessoais; prontos para nisso serem ajudados por quem tem competência para os educar e confiando, de boa fé; e nenhum professor se pode negar a corresponder a estas expectativas! Sejam quais sejam os obstáculos e as dificuldades que governantes, inspecções, encarregados de educação e outros lhes plantem no caminho.
Na nossa sociedade, não é mais possível viver sem drones, consolas e algoritmos financeiros. Quem sabe falar deles?... Quem os entende?... Quem os domina?... Quem não se sente incomodado por eles?... Quem não foi já, de alguma forma, atingido e prejudicado por estas coisas que os poderosos políticos e financeiros do Mundo, da capital Nova Iorque, a verdadeira e as simbólicas, sem dormirem, criam e infiltram perversamente nas nossas vidas?...
Mas é aos professores que cabe sempre a tarefa de enfrentar, com lucidez, e mesmo que com medo, estas interrogações, estas realidades, ao pé dos seus alunos. Se ninguém entende, a nós, professores, cabe o desafio de ir um pouco mais além; além do que os pais também, cheios de angústia, não sabem explicar aos filhos. Não recusemos nunca este combate!
Os professores é que estão sempre na linha da frente, num frente a frente institucional e formal, que parece cada vez mais uma trincheira de guerra. Aos professores cabe a desafiante e irrecusável tarefa de fazer da trincheira, em que a sala de aula e a escola quase se tornaram, o espaço de encontro que notavelmente, há 100 anos, os soldados alemães e russos tomaram a iniciativa de fazer no Natal de 1914, aproximando-os dos franceses e seus aliados, num exemplo real, vivo, que deve ser para nós, em todos os encontros das nossas vidas , modelo de diálogo, tolerância e convívio humano; sobretudo por nos terem mostrado, em bem concreto risco de vida ou morte, a profunda humanidade que está antes e depois dos mais vis absurdos da guerra dos poderosos do Mundo.

domingo, agosto 10, 2014

EDUCAÇÃO, "IMPERATIVOS BÁSICOS DE ADAPTAÇÃO" - 01

EDUCAÇÃO, "IMPERATIVOS BÁSICOS DE ADAPTAÇÃO"
São exigência biológicas de qualquer espécie, até - e uso a preposição para ironizar - a espécie humana.
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"Qualquer biólogo da vida animal sabe que os animais dos jardins zoológicos não se desenvolverão normalmente se o ambiente em que estiverem não for compatível com as necessidades sociais próprias das suas espécies Mas nós esquecemo-nos disto a propósito da nossa própria espécie. Alterámos radicalmente o curso natural do comportamento da nossa espécie segregando artificialmente as crianças em grupos organizados por idades, pelas mesmas idades, em vez de grupos organizados em comunidades compostas por diferentes idades; e forçámo-las a actividades sedentárias nos espaços fechados das escolas, na maior parte do dia, e pedimos-lhes que aprendam com base em materiais escritos, que são artificiais, em vez de actividades contextualizadas no mundo real, e estabelecendo horários arbitrários para aprenderem, em vez cuidarmos seguir o curso natural das aptidões que o desenvolvimento infantil comporta." (Annie Murphy Paul)
(Any wildlife biologist knows that an animal in a zoo will not develop normally if the environment is incompatible with the evolved social needs of its species. But we no longer know this about ourselves. We have radically altered our own evolved species behavior by segregating children artificially in same-age peer groups instead of mixed-age communities, by compelling them to be indoors and sedentary for most of the day, by asking them to learn from text-based artificial materials instead of contextualized real-world activities, by dictating arbitrary timetables for learning rather than following the unfolding of a child’s developmental readiness.)

sexta-feira, junho 27, 2014

POR FAVOR! Não se peça mais escola para as crianças!

The Decline of Play and Rise of Mental Disorders: Peter Gray at TEDxNave... 
  • Menos brincadeiras, mais perturbações mentais.
  • Menos brincadeiras, menos crianças autónomas.
  • Menos brincadeiras, crianças menos auto-controladas e menos resistentes às frustrações.
POR FAVOR!  Não se peça mais escola para as crianças! Reinventem-se as relações de vizinhança e o espaço da rua para brincar.

quinta-feira, janeiro 09, 2014

"Homenagem a Eusébio" - Luís Filipe Borges - 5 Para a Meia Noite

Aos poucos, irei aqui enumerando as razões porque considero que este pequeno discurso tem uma miríade de potencialidades pedagógicas, que podem ser tranquilamente exploradas na educação, também tranquila, das crianças e dos jovens.

sexta-feira, outubro 11, 2013

A vida é feita de pequenos nadas, não é?

Hoje estive na escola em "sessão contínua" das oito da manhã às três da tarde. Só depois vim a casa almoçar.
Tomara, como é costume, o pequeno-almoçoas seis e meia da manhã. No primeiro intervalo da manhã, consegui respegar uma banana que tentei digerir discretamente enquanto uma colega me falava de uma ocorrência bem matinal entre alunos, ocorrência essa bem mais difícil de digerir.
Quando estava a chegar a casa, a enfiar o passe do Metro no bolso no pátio largo da saída da estação, em Chelas, tomei consciência de que a fome, difusa, fazia mossa no humor e na genica para me mexer dali.
Quando entro no corredor de acesso à escadaria da saída, vindo precisamente dele, reparo que vem de lá o Roman, que não via há tempos. Ele vê-me no mesmo momento em que eu o vejo. Mesmo à distância vejo que o rosto dele se abre num intenso sorriso - e se são lindos todos os sorrisos genuínos! Logo a seguir estávamos a trocar um valente abraço.
O Roman, assim que desfizemos um abraço, diz-me, muito alegremente: "Ó 'store' nem sabe o que eu vinha a pensar!... Vinha ali atrás e vinha a pensar se  o ia encontrar agora aqui!... E o 'store' aparece mesmo!..."
E pronto, dissemos aquelas coisas que se dizem nestas alturas, divertidas; depois falámos das aulas, do seu curso. Acabou o 1.º ano, está a acabar as férias; na próxima segunda-feira começa o 2.º ano. E depois virá o resto, foi-me ele dizendo com entusiasmo e confiança.
Repetimos, à despedida, o abraço.
A subir as escadas dei-me conta que o humor como eu gosto de sentir regressara; e a genica também. Afinal, mais cedo do que era a minha expetativa de três ou quatro minutos antes. E sem ingerir qualquer caloria, ainda por cima!
Olha se eu tivesse vindo a casa almoçar a horas!... Não teria saboreado este tão agradável momento!
É bom quando o mundá dá as voltas do jeito que a gente quer, não é caro Roman?

terça-feira, setembro 17, 2013

Santo Agostinho: brincar ou ir à escola; e ser castigado

O meu amigo Luís B. Moniz é o principal "culpado" de uma revisita aos escritos que tenho de Santo Agostinho. Encontrei um que achei ter muito a ver com o recomeço das aulas.
Os responsáveis dos estabelecimentos escolares esforçam-se em receber os alunos com cordialidade, com carinho, com sorrisos; mas não conseguem resistir a lançar firmes avisos da tolerância zero para os atos de indisciplina. Cada vez mais eu me interrogo sobre o que vale hoje a escola na formação integral da pessoa que é cada criança e cada jovem que a frequenta. Tenho cada vez menos certezas, mas também não me angustio com as minhas incertezas.
Creio que a generalidade dos alunos gosta de voltar à escola, mas as aulas são cada vez menos espaço para se gostar de estar, são espaços que despertam cada vez menos entusiasmo para aprender.
Os professores são profissionais com cada vez menos tranquilidade na sua condição profissional e também na sua condição pessoal; e familiar. Os professores são profissionais cada vez mais tolhidos na sua espontaneidade, na sua criatividade, na sua intuição e experiência pessoal por regulamentos, decretos ministeriais, procedimentos administrativos, e outras burocracias...
Não tenho soluções, mas acredito que continua a valer a pena privilegiar a experiência social positiva em sala de aula à preocupação obsessiva de encher as cabeças dos alunos com conteúdos programáticos - até porque, entretanto, seria necessário verificar se eles são os oportunos e ajustados. As lideranças políticas, económicas e financeiras do mundo estão cheias de especialistas de conhecimentos e o estado do mundo é a desgraça que se conhece. Falta na condução do mundo, nas lideranças o que, por exemplo, o ministro da Educação tanto critica: a humanidade, a ética, os valores, a solidariedade e a tolerância que as Ciências da Educação tanto alertam que não sejam descurados. Como diz a expressão popular, bem podem Nuno Crato e outros especialistas esclarecidos e empreendedores limparem as mãos à parede com a linda... coisa que têm andado a fazer!
Por isso deixo, então, aqui esse texto de Santo Agostinho, que ele escreveu há quase 1600 anos. Fala ele de gostar de ir à escola, gostar de brincar; compara crianças com homens de negócios (- Olha!...) e da maneira como uns são castigados e outros não por pecados equivalentes; finalmente, de quem acaba por ficar atormentado pela ira e pela inveja.
O texto:

Na paixão do jogo [da brincadeira]

Ó Deus, meu Deus, que misérias e enganos não experimentei, quando, simples criança, me propunham vida reta e obediência aos mestres, a fim de mais tarde brilhar no mundo e me ilustrar nas artes da língua, servil instrumento da ambição e da cobiça dos homens.
Fui mandado à escola para aprender as primeiras letras, cuja utilidade eu, infeliz, ignorava. Todavia batiam-me se no estudo me deixava levar pela preguiça. As pessoas grandes louvavam esta severidade. Muitos dos nossos predecessores na vida tinham traçado estas vias dolorosas, por onde éramos obrigados a caminhar, multiplicando os trabalhos e as dores aos filhos de Adão. Encontrei, porém, Senhor, homens que Vos imploravam, e deles aprendi, na medida em que me foi possível, que éreis alguma coisa de grande e que podíeis, apesar de invisível aos sentidos, ouvir-nos e socorrer-nos. Ainda menino, comecei a rezar-Vos como a "meu auxílio e refúgio", desembaraçando-me das peias da língua para Vos invocar. Embora criança, mas com ardente fervor, pedia-Vos que na escola não fosse açoitado. Quando me não atendíeis — "o que era para meu proveito" —, as pessoas mais velhas e até os meus próprios pais, que, afinal, me não desejavam mal, riam-se dos açoites — o meu maior e mais penoso suplício.
 Haverá, Senhor, alma tão generosa e tão unida a Vós pelos laços dum ardente afeto, que despreze, não por insensibilidade louca, mas por amor intenso e forte para convosco, os cavaletes, os garfos de ferro e os demais tormentos deste género dos quais os homens em toda parte suplicam que os liberteis? Haverá alguma alma dessas que despreze essas torturas a ponto de rir dos que tão acerbamente temem esses suplícios, como meus pais caçoavam das penalidades que a nós, meninos, infligiam os mestres? Eu não temia menos os castigos do que as torturas, nem Vos suplicava menos que nos livrásseis deles.
Contudo, pecava por negligência, escrevendo, lendo e aprendendo as lições com menos cuidado do que de nós exigiam.
Senhor, não era a memória ou a inteligência que me faltavam, pois me dotastes com o suficiente para aquela idade. Mas gostava de jogar - e aqueles que me castigavam procediam de modo idêntico! As ninharias dos homens, porém, chamam-se negócios; e as dos meninos, sendo do mesmo jaez, são punidas pelos grandes, sem que ninguém se compadeça da criança, nem do homem, nem de ambos. Um juiz reto aprovaria os castigos que me davam, por eu, em pequeno, jogar a bola e o jogo ser um obstáculo ao meu aproveitamento nos estudos, com os quais eu havia de jogar menos inocentemente quando chegasse a homem? Agia, porventura, de modo diferente aquele que me batia, se nalguma questiúncula era vencido pelo seu competidor? Então esse não era mais atormentado pela ira e inveja do que eu quando superado no desafio da bola pelo meu rival?...
(Santo Agostinho, 2010. Confissões. Público 20 anos, Livros que mudaram o mundo, p. 27-29)

segunda-feira, setembro 16, 2013

O melhor presente é...

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Reproduzo agora um pensamento que encontrei no Facebook, com a fotografia que o acompanhava. É capaz de ficar bem aqui hoje, dia em que recebemos os novos alunos na nossa escola:
"The best gift you can give to someone is your time, because you're giving them something you can never get back."
"O melhor presente que alguma vez podemos dar a alguém é o nosso tempo, já que assim estaremos a dar qualquer coisa que nunca poderemos tomar de volta."
É um pouquinho desse tempo, para lá do tempo profissional que, se calhar, os professores podem ainda dar, não obstante as sempre crescentes dificuldades e cada vez mais insuperáveis obstáculos no seu trabalho diário.
É essa também a grande dádiva dos jovens mediadores que se comprometeram já, perante as crianças e os seus pais, a ajudar que a empresa da escola seja mais fácil e saborosa!
P.S. - Ao que parece, ninguém sabe quem é o autor deste pensamento. É certamente de alguém que refletiu sobre as coisas importantes na Vida. Como também fez e disse, entre outros, Nelson Mandela.

segunda-feira, setembro 02, 2013

O almofariz da Escola Portuguesa atual

Sou professor dedicado à escola pública.
http://1.bp.blogspot.com/-pgeFEMUhvZQ/UPgmUNjVyxI/
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Regresso hoje ao trabalho (sem que dele saísse completamente durante as férias... Tantas coisas boas encontrei, delas logo fazendo desejo de trazer a alunos e colegas!), com o entusiasmo renovado dos outros anos.
Sinceramente penso que o grande desafio dos professores - e dos pais dos alunos! - continua a ser a vitória sobre a escola de que fala Guerra Junqueiro neste seu poema. Aliás, do meu pensamento sobre a escola atual faz parte a convicção de que a "estupidez decretada" e  "esse almofariz" estão mais presentes do que nunca!
Acredito nos professores dedicados. Acredito na vontade de muitos de se tornarem professores dedicados. Assim ganharemos os alunos, até mesmo os mais renitentes à escola e aos professores! Todos os alunos merecem a dedicação dos professores!
Vivemos tempos em que muito teremos - nós, os professores -  de nos esforçar contra o tutelar ministério e a estupidez decretada. Se estivermos unidos será mais fácil.

A Escola Portuguesa


Eis as crianças vermelhas 
Na sua hedionda prisão: 
Doirado enxame de abelhas! 
O mestre-escola é o zangão. 

Em duros bancos de pinho 
Senta-se a turba sonora 
Dos corpos feitos de arminho, 
Das almas feitas d'aurora. 

Soletram versos e prosas 
Horríveis; contudo, ao lê-las 
Daquelas bocas de rosas 
Saem murmúrios de estrela. 

Contemplam de quando em quando, 
E com inveja, Senhor! 
As andorinhas passando 
Do azul no livre esplendor. 

Oh, que existência doirada 
Lá cima, no azul, na glória, 
Sem cartilhas, sem tabuada, 
Sem mestre e sem palmatória! 

E como os dias são longos 
Nestas prisões sepulcrais! 
Abrem a boca os ditongos, 
E as cifras tristes dão ais! 

Desgraçadas toutinegras, 
Que insuportáveis martírios! 
João Félix co'as unhas negras, 
Mostrando as vogais aos lírios! 

Como querem que despontem 
Os frutos na escola aldeã, 
Se o nome do mestre é — Ontem 
E o do discíp'lo — Amanhã! 

Como é que há-de na campina 
Surgir o trigal maduro, 
Se é o Passado quem ensina 
O b a ba ao Futuro! 

Entregar a um tarimbeiro 
Um coração infantil! 
Fazer o calvo Janeiro 
Preceptor do loiro Abril! 

Barbaridade irrisória, 
Estúpido despotismo! 
Meter uma palmatória 
Nas mãos dum anacronismo! 

A palmatória, o açoite, 
A estupidez decretada! 
A lei incumbindo a Noite 
Da educação da Alvoradal 

Gravai na vossa lembrança 
E meditai com horror, 
Que o homem sai da criança 
Como o fruto sai da flor. 

Da pequenina semente, 
Que a escola régia destrói, 
Pode fazer-se igualmente 
Ou o assassino ou o herói. 

Desta escola a uma prisão 
Vai um caminho agoireiro: 
A escola produz o grão 
De que a enxovia é o celeiro. 

Deixai ver o Sol doirado 
À infância, eis o que eu vos peço. 
Esta escola é um atentado, 
Um roubo feito ao progresso. 

Vamos, arrancai a infância 
Da lama deste paul; 
Rasgai no muro Ignorância 
Trezentas portas de azul! 

O professor asinino, 
Segundo entre nós ele é, 
Dum anjo extrai um cretino, 
Dum cretino um chimpanzé. 

Empunhando as rijas férulas 
Vós esmagais e partis 
As crianças — essas pérolas 
Na escola — esse almofariz. 

Isto escolas!... que índecência 
Escolas, esta farsada! 
São açougues de inocência, 
São talhos d'anjos, mais nada. 

(Guerra Junqueiro [1850-1923], in 'A Musa em Férias')

quinta-feira, abril 25, 2013

25 de abril, sempre! Em 2013.


Este é o poema que escolhi para o 25 de abril de 2013. Porque penso que são cada vez maiores e mais poderosas, mesmo que menos nítidas ou imediatamente visíveis, as prisões em que confinamos as crianças e os jovens e lhes comprometemos irremediavelmente o futuro. 


25 de abril, sempre!
PELO FUTURO DAS CRIANÇAS E DOS JOVENS DE HOJE
Por razões que eles mesmos conhecem (será que conhecem mesmo?, ou só eu conheço as razões por que eles me marcaram para os destacar nesta ocasião?...), dedico estes versos especialmente à Maria João, à Vanda Menezes, ao Márcio Perdigão, ao João de Matos, ao Fábio Fernandes, ao Hugo Fernandes e ao Ricardo de Sousa.

"Camaradas, para a Con
[Condessa Constance Markievicz, defensora dos direitos humanos irlandesa]
A noite tranquila que me rodeia flui,
Rompe pelas portas de ferro da tua prisão,
Livre pelo mundo o teu espírito vai,
Mãos proibidas entrelaçam-se nas tuas.
O vento é nosso cúmplice
A noite deixou as portas entreabertas;
Voltaremos a encontrar-nos para lá das grades dos portões da Terra,
Lá, onde todos os rebeldes selvagens do Mundo estão."
- Eva Gore-Booth
[irmã de Con]
Chris Newman, o Patrick
Comrades, To Con
The peaceful night that round me flows,
Breaks through your iron prison doors,
Free through the world your spirit goes,
Forbidden hands are clasping yours.
The wind is our confederate
The night has left the doors ajar;
We meet beyond earth's barred gate,
Where all the world's wild rebels are.
- Eva Gore-Booth
Estes versos são recitados de cor pelo personagem Patrick, praticamente no final do filme "Song for a raggy boy", quando o professor Franklin se encaminha para a saída do reformatório, de malas na mão.
http://www.youtube.com/watch?v=EWiVx7SyGdA&list=PL1A4B4C8512642559

Constance e Eva eram ambas ativistas políticas irlandesas. Ambas se empenharam na defesa dos pobres e dos mais desfavorecidos. Constance foi presa e condenada à morte. Entretanto, dado ser uma mulher, a pena foi comutada para prisão perpétua. Beneficiou de uma amnistia em 1917, mas pouco depois voltou a ser presa; até que foi libertada novamente. Eva morreu em 1926 (aos 56 anos) e Constance em 1927 (aos 59 anos).


sexta-feira, abril 12, 2013

O que é a Educação?


Na passada quarta-feira, dia 10, participei numa sessão de trabalho promovida por uma grande empresa informática. A sessão visou apresentar um conjunto extraordinário de recursos informáticos integrados para uso nas escolas e na educação, em geral, a partir das mais tenras idades. Que sofisticação de materiais e equipamentos!... Até na discrição das formas, dos tamanhos e dos pesos de tais coisas! Deixando a pairar no ar a sussurante ideia do Big Brother - superbonzinho, neste caso - que tudo verifica, que tudo controla, nas ações dos miúdos aprendentes.
Quase ao arrepio de tudo o mais que foi dito durante toda a manhã e a primeira parte da tarde, o último conferencista, um muito interessante especialista escocês, avisou, a determinada altura da sua comunicação:
Ewan McIntosh
"Empathy is the key!" Quem diria!... Fantástico! Como eu gostei de o ouvir dizer isto!
Hoje fui confrontado por uma jovem que se inicia como uma muito promissora estudiosa das ciências da Educação com a seguinte questão:
- O que é a Educação?
Pois bem, o melhor jeito que encontrei de lhe responder, foi assim, quase num ápice:
- "Educar é influenciar; em sentido geral, influenciar intencionalmente. Habitualmente é um indivíduo mais velho, mais sabedor, com mais experiência - quase sempre, um progenitor ou um professor - que procura influenciar o comportamento de um outro indivíduo, mais novo, (ainda) menos sabedor, com menos experiência: a criança-filho ou a criança-aluno. A influência social contida no(s) atos(s) de educar visam, tradicionalmente, a INTEGRAÇÃO nas formas de convivência social e nos rituais de relacionamento das famílias e dos outros grupos sociais de pertença; e de TRANSMISSÃO de saberes acumulados (na família e nos diferentes níveis de culturas de pertença). Cada vez mais, as mais modernas formas de educação, sejam formais, sejam informais, visam também o DESENVOLVIMENTO pessoal específico de cada indivíduo, visto na ótica de um ser que nasce com potencialidades únicas, específicas, idiossincráticas, que reclamam oportunidade de expansão e desenvolvimento."
Olho agora para o que lhe disse, e confesso que acho que não me saí mal... Certamente irei partir ainda alguma pedra à volta desta asserção; mas, para uma resposta curta e urgente, repito, acho que não me saí nada mal.
Beijinho grande, querida S.! Obrigado por me teres dado a oportunidade de tornar consciente e dar forma a este pensamento, que é ao mesmo tempo de síntese e prospetivo.

quarta-feira, agosto 10, 2011

Com a língua partilhamos a saudade, com a saudade partilhamos o destino e com o destino partilhamos a utopia.

O que tem estado a acontecer em Inglaterra (Reino Unido, eu sei, mas isso é mais para quem lá vive mesmo) é lamentável, muito lamentável. Os problemas sociais ganham forma de espetáculo de televisão e canais inserem na sua programação avisos de que vão fazer emissões especiais , diretamente de várias cidades inglesas, a partir das horas tais e tais, para que todos nós possamos ver, no descanso das nossas casas, os atos de violência e saque, e possamos exclamando, em tempo real, como agora se diz: Credo!... Ai que horror!... Que vândalos!... Meus Deus, onde é que este mundo vai parar!...
Hoje de manhã, pois claro, um dos canais generalistas da televisão portuguesa, apresentou imagens da noite que passou, mostrando várias cidades inglesas, focando bem o ferro e o fogo. Curiosamente, logo a seguir, no alinhamento do telejornal, veio o habitual noticiário dos movimentos de compra e venda nas principais bolsas europeias, notícias essas apresentadas com o tom de voz sempre monocórdico, de frases feitas, sempre iguais, absolutamente comuns a todos os canais que dão, todas as manhãs, informações sobre as ações que sobem, as ações que descem, os índices para cima, os índices para baixo.
No jogo que se sempre se joga nestas ocasiões, das causas próximas e das causas remotas deste tipo de acontecimentos, se calhar, sem querer, o canal de televisão em causa associou o efeito a uma das suas causas maiores, que nos mostra o estilo de vida dominante nas nossas sociedades: o movimento de capitais a pôr e a dispor das pessoas e das sociedades.
Repare-se no seguinte: os danos acumulados já devem chegar a valores que dariam para cobrir os orçamentos anuais dos centros de juventude que fecharam em Londres. Não estou a dizer que foi esta a causa precipitante, nem tão pouco que é a mais importante.
Não me canso de repetir o que o meu mestre João dos Santos muito sabiamente me repetiu, que, no fundo, o que importa na organização da vida das pessoas é a educação e a política. Ora, terão sido precisamente a educação e a política que falharam; que estão a falhar. Em Inglaterra e em todo o mundo.
Entre nós, portugueses, por exemplo, o grande desiderato da Educação é a melhoria dos resultados a Matemática, e quase se tem a vertigem de criar um deserto à volta dela, qual eucalipto voraz que absorve tudo avidamente.
Que sociedades, na história dos povos, conseguiu engrandecer com a desvalorização dos sábios da Educação, com a menorização dos seus professores?
É essa a desgraça dos tempos de hoje: os donos do dinheiro manietam os políticos, e os políticos desprezam os professores.
Curiosamente, também, na leitura matinal de hoje, li, precisamente depois de ver os noticiários:
"Podemos partilhar a saudade, entre todos os falantes da língua que se impôs como uma das maiores do mundo, veículo de muitas culturas, identidade comum. Pelo caminho houve muito sangue desperdiçado, muitos desastres ecológicos, muitos equívocos irreparáveis. Muitas pedras no meio do caminho. De todos esses desastres restam algures vestígios, uns indeléveis outros violentos, pelas veredas tortuosas que trouxeram até nós o poder de todas as paixões e a força de todas as utopias que se afeiçoam ao nosso destino. Com a língua partilhamos a saudade, com a saudade partilhamos o destino e com o destino partilhamos a utopia." (in Diário de Bordo, de António de Abreu Freire, apontamento de quinta-feira, dia 17 de maio de 2007, em Salvador da Bahia, no Brasil) 
A crise em que se inserem os acontecimentos de Inglaterra tem a ver, no meu entender, com o desprezo pelos valores da partilha, pelo deslaçamento das pessoas e dos grupos sociais, pela desistência das utopias coletivas. É o domínio absoluto do individualismo, casado, por intensa paixão, ao insaciável consumismo, que reclama satisfação imediata.
A responsabilidade última de tudo isto é sempre dos políticos e dos governantes.

sábado, julho 09, 2011

"Sou porque sonho" um filme de Ricardo de Sousa

Caro Ricardo,
sei muitas das montanhas e escarpas que tiveste de escalar para chegares aqui. Quando eu era criança, há mais de 40 anos, quis fixar esta letra do Música no Coração, uma das razões era esta: queria lembrar-me dos versos quando me mostrasses este filme. "Climb every mountain, / Ford every stream, / Follow every rainbow, / 'Till you find your dream. / A dream that will need / All the love you can give, / Every day of your life / For as long as you live." Um grande abraço, Ricardo de Sousa!

sábado, março 12, 2011

O toque de Midas do Empreendedorismo

Também a especialista em Comunicação Social Felisbela Lopes, investigadora da Universidade do Minho, veio hoje à televisão bater no ceguinho (o ceguinho é a escola, os professores e os alunos) e dizer que começamos na escola a não ter a cultura do empreendedorismo, por isso é que as coisas estão como estão. Minha nossa! De repente, qual toque de Midas, onde o empreendedorismo toca nasce a solução de um problema. Como se os gravíssimos problemas em todo o mundo não tivessem resultado de esforços empreendedores! O que não tem faltado ao mundo é empreendedores. Mas empreendedor não é sinónimo de justo, nem solidário! O que fecha o futuro aos jovens não é a SUA falta de empreendedorismo, mas sim a ÉTICA (a falta dela) de tantos empreendedores que tomaram conta de todos os poderes na POLÍTICA, na ECONOMIA e na JUSTIÇA, SEM ÉTICA NENHUMA e gerem as nossas vidas a seu bel-prazer! Apesar de tudo, nas escolas, os professores ainda tentam que os alunos parem, escutem, olhem, pensem e criem valores! E os jovens estudantes continuam a ter uma apetência natural, instintiva, para uma sociabilidade saudável, amiga e solidária.

quinta-feira, junho 10, 2010

Educação Sexual nas escolas - outro episódio

A sempre polémica e acaloradamente discutida Educação Sexual nas escolas.
Agora apareceu um kit de educação sexual, em que, entre tantas coisas que diz ou apresenta que nos deixam de olhos esbugalhados, se fala que "os espermatozóides do meu pai começaram a correr loucamente para ver qual atingia primeiro o óvulo da minha mãe". Quer dizer, continua-se, pretenciosamente invocando as mais nobres ou respeitadas ideias pedagógicas, a imbecilizar as pessoas (crianças e jovens) a quem a educação se dirige, e a imbecilizar temas ou assuntos que mereceriam outro senso (muito bom senso!) e outra competência (verdadeiramente) científica.
Enfim, a Terra continua a girar sobre si própria e também à volta do Sol.

No meu entender, o grande erro da Educação Sexual é estar centrada nas crianças, nos jovens e nas escolas. A verdadeira educação sexual deveria estar centrada nas famílias. Há famílias que são difíceis?... Ora, esse é que é o verdadeiro desafio!... Eduquem-se as famílias que elas encontrarão os momentos e as formas mas adequadas e oportunas para abordar a sexualidade enquanto dimensão da vida; aliás, como outras dimensões igualmente importantes.

domingo, janeiro 31, 2010

Os vizinhos dos colegas da Mariana

- Vou agora à Praia do Norte, vou lá comprar uma massa sovada.

- Posso ir contigo?, tio, perguntou-me a Mariana.

Para a minha sobrinha, na ilha do Faial, nos Açores, ir da Horta à Praia do Norte é como ir da cidade para o campo, numa perspectiva que nunca antes eu tivera da ilha, não obstante as minhas tantas visitas lá, de há quase vinte anos para cá.

Fomos da Horta ao Capelo, pelo lado sul da ilha. Na Feteira perguntou-me se depois voltávamos pelo outro lado. Percebi que lhe apetecia dar a volta à ilha, ia muito pensativa sobre a geografia da ilha e sobre a vida que se leva fora da sua cidade.

Acabou por reconhecer que há muito tempo não se deslocava para aquela zona, que não saía para fora da cidade; e reconheceu que entrava num mundo outro, diferente do dela, um mundo que muitos dos seus colegas de escola falavam e que ela desconhecia e, se calhar pela convivência com eles, agora queria entender melhor.

Fez-me lembrar os meus tempos de escola, e os meus colegas dessa altura, que vinham das aldeias ali à volta de Abrantes, e chegavam a andar sete e mais quilómetros a pé todos os dias para virem para as aulas.

- Ó tio, agora é que eu estou a ver bem o que é eles irem todos os dias para a escola assim de tão longe!... Mesmo que vão de transportes é muito tempo.

Lembrei-me do Luís, que no ano passado connosco subiu o Pico, que, em São Jorge, para uma distância de cerca de 20 quilómetros, faz, todos os dias, mais de uma hora para cá e outro tanto para lá na carreira, entre a sua casa e a sua escola. E lembrei-
-me dos meus velhos – que saudades me sobrevêm, meu Deus!... – colegas, que saíam de casa, a caminho da escola, pelo menos hora e meia antes de eu sair da minha… todos, todos os dias, enquanto as aulas duravam.

E pus-me a pensar se a vontade que ela tem mostrado nestes dias de ir a pé para a escola teria alguma coisa a ver com isto tudo ou não. Ir a pé para a escola é bom, se o fizer com colegas, ainda melhor.

Nas suas ruminações geográficas, procurando tirar o melhor partido desta viagem para esclarecer coisas que aos poucos lhe povoaram a cabeça de interrogações e reflexões mais ou menos indefinidas e sedentas de esclarecimento, pediu-me que a ajudasse a localizar a Feteira de Cima e a Feteira de Baixo. A Dalila, a empregada lá de casa, falava-lhe da de Cima e tinha colegas que lhe falavam da de Baixo.

Foi nesta altura que eu claramente tomei consciência do meu papel, e que percebi que aquela conversa da Mariana era mesmo importante para ela. Na verdade, foi nesta altura que eu percebi que talvez não estivesse à altura do papel que ela me atribuía: a do tio que sabia porque era mais velho e porque era tio; que conhecera o Faial ainda antes dela mesmo; o tio que um dia foi o sábio que falou ao irmão, o João, sobre o mar dos Açores.

Afinal, aquela ilha, mesmo que muito pequenina na minha representação mental, não era para a minha sobrinha açoriana aquilo que eu pensava que era; nem era para mim aquilo que a Mariana pensava que fosse… Por exemplo, não me passava sequer pela cabeça que houvesse ali uma Feteira de Cima e outra de Baixo!...

E consciencializei que estava perante uma situação engraçada, desafiadora, em que um desconhecimento se dispunha alia à minha frente, pronto para ser conhecido se ao encontro dele avançasse. E assim decidi fazer.

Onde me faltava experiência sensorial, física, de passos calcorreados por aqueles lugares, a trazer para dentro da pele a realidade daqueles lugares e daquelas pessoas, tornando-os parte de mim; dizia eu, onde me faltavam essas coisas, pus eu o poder da análise dos meus esquemas mentais, adquiridos noutros lugares e com outras pessoas, ao longo de muitos anos.

O que resultou em cheio!... Acabámos por concordar, na volta a casa, com as massas sovadas descansando no banco de trás do carro, que a estrada dividiria a povoação para cima e para baixo e a Mariana, apontando agora já com esclarecimento e segurança com a ponta do dedo, localizou a Feteira de Cima e a de Baixo, a da Dalila e a dos colegas de escola.

Esta pequena viagem era mesmo uma necessidade para a menina da cidade. A incursão nos territórios de vida dos colegas e da experiência social de muitos deles trouxe-lhe à mente e aos sentimentos um novelo bem enrodilhado de interrogações e fantasias.

A Mariana ouvia-os lá na escola e hipnotizava-se com o que diziam. Tentava chegar a pôr-se na pele deles para entender – sentir mesmo! – o que eles diziam mas era muito difícil.

- Tio, eles falam dos vizinhos deles… Eu já pensei por mim, eu não sei o que são vizinhos, eu não sei os nomes de quem mora ao pé de mim, nem sei quem são… e acho que era engraçado ter vizinhos…

Na verdade, a minha sobrinha mostrava uma vaga tristeza por não poder fruir a experiência social e afectiva que ela adivinhava nas conversas, nos risos e nos entusiasmos dos seus colegas do campo. Eles falam de tanta coisa, conhecem os nomes das pessoas que moram ao pé deles, vão para o café ou para a associação e conhecem os nomes dos velhotes que lá estão e falam com eles todos. “E eu não conheço ninguém… não posso falar de ninguém…”

Eles têm de tratar dos animais e das coisas lá do campo, falam do que plantam e do que apanham. “E ainda têm que estudar…”

Não sei se na cabeça da minha sobrinha a vida dos seus colegas tinha tomado proporções hercúleas: iam de longe para a escola, o que lhes tomava, todos os dias, muito tempo; tinham de tratar das coisas dos animais e das tarefas agrícolas dos seus pequenos pedaços de terreno; juntavam-se aos vizinhos e falavam com eles; e tinham ainda de estudar as coisas da escola. E nem ao domingo os animais e outros trabalhos davam descanso!... E ela não sabia fazer nada, nem com o leite das vacas, nem com couves que se apanham…

Não sei se ela chegaria a invejar os seus colegas por isso, mas seguramente que ela se deixava fascinar pela “sabedoria” e pelo prazer com que os ouvia a falar uns com os outros, solidários numa experiência de vida, que lhes alimentava o desenvolvimento pessoal com um húmus que a Mariana não tem dúvidas nenhumas que é muito importante na formação das pessoas.

Lembrei-me do extraordinário documentário sobre Konrad Lorenz, em que ele diz, a certa altura, “Onde as rãs sobrevivem, as crianças medram”.

Tenho dito repetidamente que me reconheço como psicólogo praticamente desde os meus dez anos de idade. E a Mariana agora estava a ser também sabiamente empática dos outros e da importância das experiências sociais precoces no desenvolvimento das pessoas. Penso mesmo que se lhe desse uma ou outra dica para isso, ela consciencializaria em palavras certas e ajustadas o paradoxo que é, provavelmente, viver na rua principal em comércio e serviços da cidade da Horta, com a densidade populacional no máximo, e isso nada lhe valer do ponto de vista das relações de vizinhança. Pelo contrário, precisamente ao contrário dos seus amigos de escolas provenientes de regiões com muito menos habitantes por unidade de espaço geográfico.

A minha sobrinha é seguramente uma “campeã” de telemóveis, usa-os, estraga-os, descontenta-se com eles quase à velocidade da luz. Tem já na Internet uma experiência de redes sociais no Hi5 e no Messenger de grande dimensão, que domina com elevada perícia. Tantos contactos!... tantas mensagens!... tantas fotografias!...

Tanta comunicação… virtual… mas nenhuma destas coisas lhe traz a experiência, pela voz, no olhar, no toque, no cheiro, nos jogos, nas brincadeiras, nas tarefas, nas conversas, da presença dos vizinhos. Que tipo de húmus é este, o das crescentes e consolidadas urbanizações?...

Horta, 24 de Janeiro de 2010.

sábado, janeiro 30, 2010

O Dia Escolar da Não-Violência e da Paz

O Dia Escolar da Não-Violência e da Paz foi uma actividade iniciada pelo pedagogo e poeta espanhol Llorenç Vidal.
A comemoração, a partir de 1964, teve como primeiro objectivo chamar a atenção para a necessidade de uma Educação permanente pela Não-Violência e pela Paz. Nesta data, 30 de Janeiro (dia da morte de Mahatma Gandhi), procura-se também sensibilizar a comunidade escolar para a tolerância, solidariedade e respeito pelos direitos humanos.
“A única revolução possível é dentro de nós” Gandhi.

Gandhi tinha 78 anos.