segunda-feira, setembro 02, 2013

O almofariz da Escola Portuguesa atual

Sou professor dedicado à escola pública.
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Regresso hoje ao trabalho (sem que dele saísse completamente durante as férias... Tantas coisas boas encontrei, delas logo fazendo desejo de trazer a alunos e colegas!), com o entusiasmo renovado dos outros anos.
Sinceramente penso que o grande desafio dos professores - e dos pais dos alunos! - continua a ser a vitória sobre a escola de que fala Guerra Junqueiro neste seu poema. Aliás, do meu pensamento sobre a escola atual faz parte a convicção de que a "estupidez decretada" e  "esse almofariz" estão mais presentes do que nunca!
Acredito nos professores dedicados. Acredito na vontade de muitos de se tornarem professores dedicados. Assim ganharemos os alunos, até mesmo os mais renitentes à escola e aos professores! Todos os alunos merecem a dedicação dos professores!
Vivemos tempos em que muito teremos - nós, os professores -  de nos esforçar contra o tutelar ministério e a estupidez decretada. Se estivermos unidos será mais fácil.

A Escola Portuguesa


Eis as crianças vermelhas 
Na sua hedionda prisão: 
Doirado enxame de abelhas! 
O mestre-escola é o zangão. 

Em duros bancos de pinho 
Senta-se a turba sonora 
Dos corpos feitos de arminho, 
Das almas feitas d'aurora. 

Soletram versos e prosas 
Horríveis; contudo, ao lê-las 
Daquelas bocas de rosas 
Saem murmúrios de estrela. 

Contemplam de quando em quando, 
E com inveja, Senhor! 
As andorinhas passando 
Do azul no livre esplendor. 

Oh, que existência doirada 
Lá cima, no azul, na glória, 
Sem cartilhas, sem tabuada, 
Sem mestre e sem palmatória! 

E como os dias são longos 
Nestas prisões sepulcrais! 
Abrem a boca os ditongos, 
E as cifras tristes dão ais! 

Desgraçadas toutinegras, 
Que insuportáveis martírios! 
João Félix co'as unhas negras, 
Mostrando as vogais aos lírios! 

Como querem que despontem 
Os frutos na escola aldeã, 
Se o nome do mestre é — Ontem 
E o do discíp'lo — Amanhã! 

Como é que há-de na campina 
Surgir o trigal maduro, 
Se é o Passado quem ensina 
O b a ba ao Futuro! 

Entregar a um tarimbeiro 
Um coração infantil! 
Fazer o calvo Janeiro 
Preceptor do loiro Abril! 

Barbaridade irrisória, 
Estúpido despotismo! 
Meter uma palmatória 
Nas mãos dum anacronismo! 

A palmatória, o açoite, 
A estupidez decretada! 
A lei incumbindo a Noite 
Da educação da Alvoradal 

Gravai na vossa lembrança 
E meditai com horror, 
Que o homem sai da criança 
Como o fruto sai da flor. 

Da pequenina semente, 
Que a escola régia destrói, 
Pode fazer-se igualmente 
Ou o assassino ou o herói. 

Desta escola a uma prisão 
Vai um caminho agoireiro: 
A escola produz o grão 
De que a enxovia é o celeiro. 

Deixai ver o Sol doirado 
À infância, eis o que eu vos peço. 
Esta escola é um atentado, 
Um roubo feito ao progresso. 

Vamos, arrancai a infância 
Da lama deste paul; 
Rasgai no muro Ignorância 
Trezentas portas de azul! 

O professor asinino, 
Segundo entre nós ele é, 
Dum anjo extrai um cretino, 
Dum cretino um chimpanzé. 

Empunhando as rijas férulas 
Vós esmagais e partis 
As crianças — essas pérolas 
Na escola — esse almofariz. 

Isto escolas!... que índecência 
Escolas, esta farsada! 
São açougues de inocência, 
São talhos d'anjos, mais nada. 

(Guerra Junqueiro [1850-1923], in 'A Musa em Férias')

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