sexta-feira, dezembro 26, 2008

Cardeal Patriarca de Lisboa apela ao entendimento na Educação

O Público destacou ontem o seguinte, na edição on line do jornal:

Cardeal Patriarca de Lisboa apela ao entendimento na Educação
25.12.2008 - 16h32 Lusa
O Cardeal Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, apelou ontem a um entendimento entre professores e tutela, considerando que a educação das crianças e jovens não pode ser alvo de batalhas políticas ou sindicais.
Na sua mensagem de Natal, D. José da Cruz Policarpo classifica a missão dos professores e formadores "como decisiva para o futuro de Portugal" e faz referência aos últimos acontecimentos na área da educação marcados por um conflito entre docentes e Ministério da Educação relativamente ao modelo de avaliação do desempenho.
"Que ninguém ouse transformar este sofrimento em simples arma de luta política, porque na batalha da educação os únicos vencedores têm de ser os vossos filhos", referiu D. José Policarpo.
Para as crianças e jovens, adianta o Cardeal Patriarca de Lisboa, "esta batalha não é política ou sindical: é a batalha da vida, que eles só vencerão com a generosidade, a competência e a coragem de todos nós".
Na sua mensagem de Natal intitulada "O Natal é a vitória da vida e da esperança", D. José Policarpo afirma que neste dia tem particularmente no coração aqueles que sofrem, pelo que dedica também umas palavras às famílias com dificuldades económicas, "agravadas com a situação que o mundo está a viver".
"Também aí é preciso deixar reacender a esperança, perceber que viver é lutar", referiu o dignitário da Igreja Católica.
Em crises deste género, adiantou, os que por elas são atingidos não podem considerar-se apenas vítimas, mas protagonistas da solução.
"Abramos o coração à solidariedade, estejamos atentos ao nosso próximo, isto é, ao nosso vizinho. E se as dificuldades exigirem de nós austeridade, saibamos que ela pode ser convite à coragem e experiência de liberdade", disse.
Na sua mensagem de Natal, o religioso faz ainda referência aos doentes, sobretudo àqueles para quem o sofrimento "se torna tão pesado que lhes tira a alegria de viver". "Alguns desistem mesmo de viver e suplicam que os ajudem a morrer" referiu o Cardeal Patriarca, que, numa alusão à prática da eutanásia, adianta que "ninguém tem o direito de ajudar os outros a morrer".

No espaço disponibilizado pelo jornal, deixei o seguinte comentário:

Do meu ponto de vista, o Cardeal Patriarca de Lisboa disse mais, parece-me que o Público não destaca o essencial. O Senhor Cardeal destaca, nas suas palavras, ditas sob o signo do sofrimento libertador, imitado no Filho de Deus feito Homem, os doentes, as famílias em dificuldades e os professores. Pessoalmente, agrada-me muito que o Senhor Cardeal tenha chamado a atenção de todos para esta dimensão do sofrimento fundamental, libertador, a que se liga a função do professor. Por ele, por esse sofrimento fundamental, passa, nas imensas condições adversas em que os professores exercem hoje em dia o seu papel, a generosidade, a competência e a coragem que também são deles, dos professores. Salienta, finalmente, o Senhor Cardeal Patriarca, que a batalha da Educação é a batalha da vida; não é uma batalha qualquer: é vida e é batalha, não é um "fait divers". Só mais uma palavra. A fonte do sofrimento é o amor pelo próximo. As palavras não são minhas, são do Senhor Cardeal Patriarca.

sexta-feira, dezembro 12, 2008

O bispo do Porto e os professores

Excerto da entrevista do bispo do Porto, D. Manuel Clemente, à Visão (n.º 823, 11 a 17 de Dezembro de 2008)

No conflito entre professores e ministra da Educação ainda haverá espaço para o bom-senso?

Tem de haver. As partes envolvidas têm de pensar no bem dos alunos. É para isso que existe a escola.

Em que medida tudo isto não é uma consequência da desvalorização do papel do professor?

Eles queixam-se disso. E uma coisa é factual: o papel que o professor tinha como transmissor de uma cultura e garantia dos alunos está esbatido. Há um esvaziamento do seu papel social. Os professores devem ser constantemente estimulados pelo Governo e pela sociedade. E isso é uma batalha a longo prazo.


Pela minha parte, para já, sem comentários. Para todos pensarmos.

terça-feira, dezembro 09, 2008

Uma singela homenagem, a Maria Eugénia, filha mais velha de Raúl González Nolle

Raúl Iturra, estimado Professor, amigo afectuoso,

Não poderia senão juntar-me a si num pequeno gesto de solidariedade, neste momento em que o sei tomado de sentimentos profundos ligados à perda de quem foi seu familiar próximo e muito querido, como claramente transparece do texto que escreveu em sua homenagem e  me deu em partilha. Assim seja eu merecedor de amizade e consideração que desta maneira mais uma vez me faz prova.

Do mesmo texto, que a seguir, com a sua anuência, transcrevo integralmente, infere-se, também, na personalidade da senhora sua cunhada, o dom da serenidade afectuosa tão natural e ingenuamente captado pelos seus filhos que logo a baptizaram, como no movimento circular das esferas de Thomas Mann, que, no dinamismo que lhes está inerente, logo põem em cima quem seria de estar por baixo, e logo depois, tornam abaixo quem assim retoma o seu lugar mais natural. No caso da relação entre os seus filhos e a sua - deles - tia, foram eles que baptizaram quem, na tradição, é naturalmente colo que segura os que receberão os santos óleos, a benção e a água: tia Maria Eugénia, a nossa avó querida.

Olhando a fotografia do pai que é possível encontrar na Internet (aqui), parece-me que, na determinação serena do rosto que nos olha, facilmente reconhecemos a serenidade que o Raúl nos fala no seu texto sobre a Senhora Maria Eugénia, a filha mais velha do capitão de bandeada, Raúl Gonzáles Nolle.

Permita-me que apenas acrescente o seguinte: pude assistir no dia de ontem, dia de aniversário da minha irmã, às cerimónias religiosas de homenagem à Padroeira de Portugal, Nossa Senhora da Conceição, em Vila Viçosa, onde estas cerimónias se revestem de uma devoção e de um simbolismo muito especial. Foi a primeira vez que participei nesta festividade religiosa. Curiosamente, a dimensão que mais tocou a minha sensibilidade foi a da serenidade!... Porque seria?...

Creia-me, Raúl, inteiramente solidário consigo, num abraço muito afectuoso, muito irmão.

A vez, agora, às suas palavras.

A FILHA MAIS VELHA DO FUNDADOR DA AVIAÇÃO DO CHILE, FOI-SE JUNTAR AO SEU PAI, NA ETERNIDADE. 

No Chile não acontecem apenas golpes de Estado ou assassinatos de Presidentes Democratas, como foi essa única vez do Presidente Allende. Essa vez em que, os que apoiaram a iniciativa, ficaram, de imediato, imensamente arrependidos. Como a nossa família toda.

No Chile acontecem também iniciativas. O Chile não tinha aviação. Era preciso criar uma Força Aérea. Vários Generais e Capitães estavam interessados e solicitavam ao Presidente da República desses anos, Comandante em Chefe das Forças Armadas do Chile, que comprasse aviões. Havia, nesses anos, ofertas desde a Alemanha.

Nos anos 30 do Século passado, o Estado Alemão fabricava imensos aviões, pelos motivos conhecidos. Três altos oficiais da Força Aérea, o Comandante Basaure, o capitão de bandeada Raúl González Nolle, mais tarde General da Força Aérea do Chile e Adido Militar da Força Aérea na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos e Ajudante Presidencial, pelo ramo da Força Aérea, dos Presidentes Radicais Pedro Aguirre Cerda e Juan António Rios, entre 1935 e 1941, foram junto ao Comodoro do Ar, Manuel Franke, para comprar aviões bons e baratos. Com esses aviões, o General González Nolle organizou, em conjunto com os seus colegas de viagem, a Força Aérea do Chile, o FACH.

As viagens do, em esses tempos, Capitão de bandeada, eram curtas e voltava rapidamente. Pelos finais dos anos 30, a sua mulher, D. Amanda Castillo Serrano de González, sobrinha do herói naval chileno Ignácio Serrano Pinto, estava grávida, era o primeiro descendente, e o jovem capitão queria estar perto da sua mulher para esperar o que no Chile sempre se pensa: um filho de género masculino. Como mais tarde connosco, acabou esse filho por ser uma rapariga, muito amada pelos seus pais, bem criada, bem educada, bem vestida, filha única; apenas 10 anos mais tarde nascia a sua irmã, a mãe dos nossos descendentes e Avó dos nossos netos.

A rapariga era Maria Eugénia. Natural na família, estudou no Colégio Francês – a família tinha essa dupla ascendência, típica do Chile, Franco-Chilena. A sua fala com a mãe era em Castelhano; com o seu pai e a mãe do seu pai, Eugénie Nolle de Montjeville, de Paris originalmente, em francês. Passou a ser uma rapariga mimada, querida, bem cuidada, completou os seus estudos secundários, aprendeu esse prazer da família de coleccionar mobília e mapas antigos e passou a ser uma entendida em colecções, o que lhe permitiu trabalhar nos melhores sítios da Empresa Phillips, Sucursal Santiago, em contacto directo, por causa do seu bom inglês, com a casa central da Holanda, onde a família se encontrava, especialmente nesse ano de 2000, em Utrecht, para o matrimónio da nossa filha primeira e o baptizado do nosso neto Tomas Mauro Van Emden. Dias lindos para uma senhora que, em pequena, era tímida. Timidez que acabou no seu crescimento, nas suas imensas viagens para outros países, que a tiveram sempre tão ocupada, que nem foi capaz de casar. A sua irmã e eu pensámos de imediato que era a outra Avô dos nossos netos. Esses netos que, coisa estranha, tiveram três Avôs, a mãe do nosso genro Cristan, Ans; Gloria, a irmã de Maria Eugénia; e ela própria. Dias lindos e divertidos, adorava contar histórias para todos rirem. Como adulta de muitas viagens, acabou por ser uma excelente anfitriã.

Viveu da mesma forma que entrou na eternidade, hoje 7 de Dezembro de 2008, de madrugada, dia prévio a Imaculada Conceição, dois dias após o aniversário da morte de Mozart e seis do dia do nascimento de Maria Calas, que, se fosse viva, teria feito 83 anos. Esses anos que Maria Eugénia, apesar dos cuidados médicos e da corte de pessoas ao pé de ela, especialmente irmã, sobrinhas e netos enteados, não conseguiu atingir. Hoje em dia está, para os que têm sentimentos de fé, com os seus pais, e a tomar conta de nós. Essa muito querida filha, irmã, amiga e excelente cunhada minha. Certo estou eu e a família toda, que descansa como deve ser. Essa filha mais velha do fundador da Força Aérea do Chile, que teve por mais lata honra, a sua descendência, especialmente esta que hoje o foi a acompanhar.

Raúl Iturra

Catedrático de Antropologia do ISCTE, Lisboa, Etnopsicólogo, Escritor, Membro do Senado da Universidade de Cambridge, UK, membro activo de Amnistia Internacional, que tem tido a mais alta honra de ser o cunhado de Maria Eugénia González Castillo.

Parede,  Portugal, 7 de Dezembro de 2008.

sexta-feira, dezembro 05, 2008

É a consciência do professor que o faz saber, não é a burocracia

O Professor Raúl Iturra não pára de de me prodigalizar provas de consideração e amizade (que dificilmente consigo agradecer-lhe como justo seria). E nessas provas ele renovadamente se mostra cidadão atento, activo e empenhado no país em que, por opção pessoal, tomou a sua mais recente nacionalidade.
Ele não podia deixar de olhar o que se passa no sistema educativo português, no que ao ensino secundário muito prementemente, nos dias de hoje, diz respeito.
É com a sua autorização que agora publico neste blogue um texto que escreveu muito recentemente. É um texto muito sério, que merece todo o nosso cuidado na leitura. É um texto em que o Professor Raúl Iturra procura levar-nos a tomarmos consciência do que é que está - ou do que é que faz - o âmago, a essência da educação, do acto educativo: está dentro da pessoa do professor.
As teias, as tramas das relações sócio-económicas, das tensões e dos conflitos entre os diferentes níveis da hierarquia social; e as lutas políticas e partidárias pelo controlo do poder legislativo e executivo - tudo isto constantemente exerce forte pressão sobre o sistema educativo, determinando os comportamentos dos pais, as decisões dos governantes... quais mares que, quando batem nas rochas, lixam o mexilhão. Os mexilhões - está-se já a ver - são os professors e os alunos.
Muitas das vozes que hoje se cruzam em brados estão, ou não estão (mas suspeita-se que estão), ao serviço de algum interesse ou conveniência menor, o que dificulta que se leia ou ouça, sem desconfiança, ideias, argumentos e propostas que consigam resolver os actuais - e graves - problemas do ensino secundário em Portugal.
Repito, o Professor Iturra esforça-se sinceramente por nos chamar a atenção para a necessidade de (quem realmente quiser ocupar-se com e resolver os problemas do ensino secundário, promovendo as condições indispensáveis para que os professores possam desempenhar satisfatoriamente a sua função social) não deixarmos de manter o debate, a discussão, a dialéctica e o conflito no âmago (ao mesmo tempo humano, social e político) do acto educativo.
Obrigado, Professor, por (mais) esta sua valiosíssima lição!

O QUE É EDUCAÇÃO [?]

Para Daniel Índias Fernandes, filho de Graça e Rui, no dia do seu aniversário

A questão parece simples. Ou, melhor, a pergunta. No entanto, ela sempre foi complexa e heterogénea. Há vários tipos definições de educação. A mais simples é dizer que educação vem do latim[1] e significa o que está na nota de rodapé de esta página. No entanto, tem significado para discutir, como esse o de domesticar. Não tenho esquecidas três definições fornecidas por mím, em vários textos meus.

Um desses textos, é um livro meu que cito no pé de página[2], livro no qual, após ter analisado com uma larga equipa mais de 40 crianças da aldeia de Vila Ruiva em Portugal, Concelho de Nelas, concluí que educar era formar cidadãos para os subordinar às formas e costumes de ser do nosso país. Aliás, para fazer de eles pessoas impingidas de saber social. Nunca esqueço esses anos de 1988-1989, dias em que imensas crianças nos acordavam às seis da manhã para começar os nossos trabalhos entre as 9 e as 12 horas da manhã dos verões escaldantes do lugar. Eram crianças entre os cinco e dez anos, hoje em dia todos profissionais de alguma parte do saber cívico ou com profissões que eu denomino doutorais. Doutorais, por haver dois tipos de saberes, o da mente cultural, definida no texto citado, conceito sobre o qual tenho um direito de autor oferecido a mim pela Sociedade Portuguesa de Autores (ou SPA), conceito deduzido da minha observação de ver como os pais ensinavam as suas crianças: “pega no livro, vai ao quarto e lê, caraças”. Os pais mais nada podiam dizer, eles próprios nunca tinham ido à escola, ou se nela tivessem estado, era para se distrair a pensar no que mais amavam, semear batatas. O convite ao estudo não era por isso amável, era a ambição de progenitores de quererem ver os seus descendentes angariar a vida, impingindo o seu saber na interacção social. Objectivo bom, mas mal entendido, para que os pudesse orientar dentro das avenidas do saber doutoral, esse saber pretenso de ser conhecido por poucos mas solicitado a todos. Especialmente hoje em dia, ao ser mandado aos docentes de qualquer grau de ensino, avaliar a sua actividade, um dia após outro. Esta avaliação que acaba por esmorecer a actividade dos docentes: preparar aulas, estudar para saber o quê dizer, escrever ideias novas de academia, explicar cada palavra da sua aula e, no fim de um dia bem ganho com a canseira de falar o dia todo no intuito de fazer dos mais novos cidadãos sábios, ou pelo menos submetidos ao braço da lei, reunir todos eles para, como hoje está mandado, avaliar o desempenho do dia. Dia que começam às 8 da manhã e acabam tarde, quase noite, pelas 20 horas. É este modelo que tenho auscultado ao analisar crianças Picunche, no Concelho de Pencahue, Província de Talca, no Chile do falecido ditador. E é este mesmo modelo que manda aos municípios, homens de política, orientar as escolas primárias e secundarias de sua jurisdição, o que em Portugal, seria uma Freguesia. Parece-me que o conceito freguês é adequado: obediência, disciplina, ver, ouvir e calar. Formas ditatoriais de definir a transferência de saberes de uma geração a outra, sem um carinho que arrebite o cansaço dos mais novos ou premeie com mais um dúzia de tostões, o deboche imerecido da exaustão desse desmerecido fim de dia. Especialmente entre os docentes de ensino especial, que reúnem sempre, dia após dia, para comparar a metodologia de João de Deus, trazida para nós por essa grande minha amiga, antiga subsecretária da educação, Ana Maria Toscano de Bénard da Costa[3], que nem por isso tem sido ouvida. Ou a opinião dos que trabalham com os que sofrem do espectro de autismo, imensos em Portugal, o meu antigo orientado de doutoramento, José Manuel Pombeiro Cravo Filipe[4], educador especial.

Uma segunda ideia que aparece no meu pensar, é que educar é a ternura de transferir saber dos adultos aos mais novos. Um saber que não está em livro nenhum, que reside na mente do educador e que, por acaso, se pode encontrar na vida social e natural. Os textos estudados por mim para entender o processo de ensino-aprendizagem, têm-me ensinado esta ideia. Essa grande dúvida de todo o educador, que entende que ao ensinar, aprende com as perguntas colocadas pelos mais novos, questões com emotividade, racionalidade e erudição retirada da vida social e do saber histórico pragmático do sítio onde os mais novos moram. Todo o bairro, vila ou aldeia nos países do mundo, têm dois mapas: o que está no saber dos estudantes que andam pelo seu desenho de corta mato, desconhecido pelos docentes que têm a delicadeza de andar pelos passeios, pelas ruas e as cruzar por passadeiras. Passadeiras que muitos de nós nem respeitamos na infantilidade que fica sempre dentro de nós ao desafiar, de forma parva, os carros que vêm de longe, a alta velocidade, mais outro adulto infantil que faz das ruas, estradas... Não é por acaso que, ainda sem carros mecânicos, os sábios gregos definiam educação como processo que leva à democracia[5].

Estas são ideias que usamos com Paulo Freire, asilado no Chile ao ser perseguido pelo Ministério da Educação. A sua pedagogia é simples e a aprendi com ele na acção: todo o mundo sabe; é preciso retirar esse conhecimento e fazer razoar a mente que pensa. As escolas apenas precisam levar aos estudantes aos sítios materiais dos quais o saber é retirado, sem o indivíduo saber que sabe. Na segurança lógica do conhecimento, esta é a educação. É por isso que a denomino processo de ensino-aprendizagem. A cultura doutoral não é superior à prática pragmática de saber entender a vida natural. Aliás, digo eu, a cultura doutoral perverte os professores e as suas autoridades, que mandam avaliar o que se faz cada dia. Os mais novos precisam de adultos que os amem e, descansados, poderem raciocinar e, assim, ensinar. Toda outra actividade não é apenas ilegal, bem como anti-pedagógica. É a consciência do professor que o faz saber o que, como e quando dizer, e não a burocracia. Essa [orientação] ministerial mata o necessário amor ao ensino, pois quem nunca ensinou, nem faz ideia do que é o processo de ensino-aprendizagem. Esse processo é vivido, não decretado. Os decretos são os assassínios do saber, especialmente ao serem ditados pela afamada Sociologia Industrial, que, por vezes, nas suas práticas, dão cabo do saber das crianças, os proletários do saber, com a burguesia a possuir os meios de produção pedagógico nas suas mãos inexperientes.

Educar é saber com amor, sem perseguições, e controlos quotidianos que matam a quem sabe.

Raúl Iturra, português.

 Parede, 28 de Novembro de 2008.

Catedrático de Etnopsicologia do ISCTE, Lisboa, Senador da Universidade de Cambridge, Membro de Honra do CNRS, Paris, Investigador do CEAS/CRIA/ISCTE, escritor e membro activo na primeira linha de Amnistia Internacional e dos Direitos Humanos.

lautaro@netcabo.pt


[1] Do lat educare v.educarev. Tr., desenvolver as faculdades físicas, intelectuais e morais a; instruir; doutrinar; domesticar; em: http://www.priberam.pt/dlpo/definir_resultados.aspx 

[2] A construção social insucesso escolar. Memória e aprendizagem em Vila Ruiva, 111 páginas, especialmente página do livro em formato de papel: p.87, Capítulo 8: “A sabedoria das crianças”, Escher (antes) Fim de Século hoje, 1990 a, em várias entradas Internet de: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&sa=X&oi=spell&resnum=0&ct=result&cd=1&q=Ra%C3%BAl+Iturra+A+constru%C3%A7%C3%A3o+social+do+insucesso+escolar&spell=1

[3] A sua biografia e opinião sobre o que eu denomino processo educativo, pode ser lido em: http://sinistraministra.blogspot.com/2008/03/entrevista-ana-maria-bnard-da-costa.html

[5] Aristóteles, 330 antes da nossa era, no seu texto: Ética a Nicómaco, diz, em síntese:A educação deveria inculcar o amor às leis – elaboradas com a participação dos cidadãos –, mas a lei perderia sua função pedagógica se não se enraizasse na virtude e nos costumes: "a lei torna-se simples convenção, uma espécie de fiança, que garante as relações convencionais de justiça entre os homens, mas é impotente para tornar os cidadãos justos e bons". Livro escrito para o seu filho Nicómaco, especialmente Livro I, capítulo X, em: http://www.analitica.com/bitblioteca/Aristoteles/nicomaco01.asp#l1c2, sítio para ler o texto inteiro. É assim que o livro e também denominado “...o da Educação”. Ideias usadas por Émile Durkheim para os seus textos de pedagogia. 

terça-feira, dezembro 02, 2008

Eu e a greve dos professores, amanhã, dia 3

Escrevi hoje assim para os meus colegas de escola, a propósito da greve de professores, amanhã. dia 3:

Caros colegas,
 
Penso que não conseguiria deixar passar este dia sem dizer qualquer coisa.
Desculpem-me a extensão do texto: 

 

                O texto que aqui trago resulta, essencialmente, da circunstância de três ocorrências se terem juntado por puro acaso. O que não foi obra do acaso foi a associação que entre elas fiz.

                Primeira ocorrência: recentemente escrevi uma carta aberta em que falava do privilégio que foi conhecer, ser considerado amigo e ter partilhado o cadeirão dos sábios com o dr. João dos Santos. Mais do que uma vez eu o ouvi dizer o que, numa última vez, ele repetiu no seu consultório, quando a doença, que acabou por vitimá-lo, já lhe tinha levado a robustez do porte e dos gestos. Uma última vez, como que a aconselhar-me que nunca o esquecesse: que, na vida, o que verdadeiramente importa é a educação e a política.

                Estou certo de que se com ele me cruzasse agora, precisamente da maneira que com ele me cruzei naquela última vez, quando eu caminhava a pé, vindo do Marquês de Pombal para o centro comercial das Amoreiras, eu saberia o que faria, como o olharia, e o que lhe diria. Novamente, como nessa vez, já com o centro à vista, eu deixaria fosse o que fosse que lá me levasse, e voltaria para trás com ele, acompanhando-o ao seu consultório. E lá, outra vez sentados, um em frente do outro, eu lhe diria, olhando com ternura e satisfação antecipada pela aprovação que ele seguramente me dirigiria, que nunca mais me tinha esquecido das suas palavras, e a inventariação das minhas empresas pessoais e profissionais aí estariam para o comprovar.

                Segunda ocorrência: como muita gente da minha idade, vi o filme "Música no coração", pela primeira vez, há mais de 40 anos. Há dias, fui à FNAC e lá encontrei, sem que intencionalmente o procurasse, um CD com uma versão recente de todos os temas musicais do filme. Não gosto muito desta versão. O refinamento a que os vários temas musicais foram levados, cantados por vozes belíssimas, educadas profissionalmente anos a fios, teve como consequência afastá-los de nós, que cantamos no caminho para o trabalho, durante o banho, ou quando nos ocupamos com uma tarefa caseira. Na versão original, quando os actores cantam, a gente acompanha-os. Nesta versão, as belas vozes desapropriam-nos da identificação aos actores e às melodias que cantam. Podemos apenas agarrar-nos ao sentido dos versos.

                Mas no meio de uma decepção generalizada, sim senhor, apreciei muito a reprise final do tema Climb ev'ry mountain. No canto, que coisa mais envolvente há que o vigor do coro feito de homens e mulheres cantando à uma? E precisamente aqueles versos acompanham-me há mais de 40 anos. Sim, desses versos eu me apropriei e toda a vida os tenho cantado. Tornei-os na minha maneira de viver a vida.

                Entretanto, dramaticamente consciencializei que alguma coisa mudava no meu pensamento e na minha forma de ver as coisas. Qualquer coisa, que até há bem pouco eu tinha como condição pessoal adquirida por esforço pessoal honesto ao longo de um já bem considerável número de anos, afinal, tinha sido perdida: pela acção de intenções e decisões espúrias e mal-intencionadas por parte de quem tem responsabilidades governativas no meu País (por parte de quem deveria usar o poder que democraticamente a sociedade portuguesa precisamente ao contrário do que o fez – na minha opinião, evidentemente. Opinião, entretanto, igual à de tanta gente! Lembro-me, por exemplo, de um artigo há muito tempo escrito por José Gil, na Visão, que falava de um, digamos, "pecado original" dos actuais decisores da educação em Portugal, na forma de se lidar com os professores do ensino secundário), dizia eu, eu tinha para mim adquirida a dignidade de professor. A minha dignidade. É, hoje sinto que não a tenho, que ma roubaram.

                E que tem isto a ver com o tal tema musical do "Música no Coração"?... Esse tema musical desafia-nos a subir montanhas e a vencer obstáculos, sempre em perseguição do sonho que devemos alimentar com todas as nossas forças. Pois, hoje em dia, eu sinto que a dignidade profissional passou a fazer parte do meu sonho. Deixou de estar adquirida e passou a fazer parte do meu sonho, vou ter de juntar forças e ir outra vez em busca dela. Ao pé desta empresa, a subida ao Quilimanjaro, que realizei há pouco mais de um ano, torna-se quase insignificante. Assim tenha eu forças para juntar à de tantos outros professores que estão no mesmo sonho, na mesma luta!...

                Terceira ocorrência: o canal Odisseia, da televisão por cabo, passou regularmente, durante o mês de Novembro, uma série de documentários reunidos à volta de um tema aglutinador: o poder da mente. Tentei vê-los todos, uns mais que outros serviam propósitos e conteúdos das minhas aulas de Psicologia.

                Um desses documentários foi sobre o perdão, sobre a elaboração pessoal da culpa, da raiva, do ódio, da perda; do trabalho do luto e da emergência do perdão. Coisa extraordinária!, a merecer reflexão e discussão pessoal sinceramente dedicada.  Mas agora não. Agora, apenas o que tem a ver com a circunstância de juntar três ocorrências a que atribui um significado. Uma das histórias apresentadas era a de uma mãe, pastora anglicana, que perdeu a filha de 24 anos de idade nos atentados bombistas que houve há poucos anos no Metro de Londres. Dizia ela que sentia culpa. Todo o seu magistério fora sempre dedicado a promover a paz, a concórdia e o perdão. Mas aquela experiência pessoal, que a rasgara cruamente até ao mais fundo do seu ser, mergulhou-a na mais intensa das raivas; afundou-a numa culpa castigadora; e nunca a permitiu sentir a dádiva do perdão. Até que um dia, muitos e muitos dias depois de intenso trabalho de reflexão pessoal, conseguiu perceber a origem da culpa. Só nesse momento ela foi capaz de vencer a raiva e foi capaz de sinceramente perdoar. Testemunhou ela para os autores do documentário que um dia ela percebeu que muito falara na sua igreja, na sua paróquia, do amor do próximo, do respeito pela diferença, da comunhão com o outro. "Mas, o que é certo, é que nunca fui para a rua, nunca fui a uma manifestação em que me juntasse a outros iguais a mim, e a outros diferentes de mim, e nunca gritei na rua pelos direitos dos outros e pelo verdadeiro respeito pela diferença. E perguntava-se: Como poderiam os outros, os que eram diferentes de mim, saberem que eu estava ali com eles?...

                É assim, colegas, amanhã, e sempre, mesmo depois de amanhã, eu quero estar na rua a manifestar-me, ao lado de outros, perseguindo o meu sonho, na luta política, a luta que faz o outro lado da educação que abracei.

Bjnhs e abraços!