terça-feira, dezembro 09, 2008

Uma singela homenagem, a Maria Eugénia, filha mais velha de Raúl González Nolle

Raúl Iturra, estimado Professor, amigo afectuoso,

Não poderia senão juntar-me a si num pequeno gesto de solidariedade, neste momento em que o sei tomado de sentimentos profundos ligados à perda de quem foi seu familiar próximo e muito querido, como claramente transparece do texto que escreveu em sua homenagem e  me deu em partilha. Assim seja eu merecedor de amizade e consideração que desta maneira mais uma vez me faz prova.

Do mesmo texto, que a seguir, com a sua anuência, transcrevo integralmente, infere-se, também, na personalidade da senhora sua cunhada, o dom da serenidade afectuosa tão natural e ingenuamente captado pelos seus filhos que logo a baptizaram, como no movimento circular das esferas de Thomas Mann, que, no dinamismo que lhes está inerente, logo põem em cima quem seria de estar por baixo, e logo depois, tornam abaixo quem assim retoma o seu lugar mais natural. No caso da relação entre os seus filhos e a sua - deles - tia, foram eles que baptizaram quem, na tradição, é naturalmente colo que segura os que receberão os santos óleos, a benção e a água: tia Maria Eugénia, a nossa avó querida.

Olhando a fotografia do pai que é possível encontrar na Internet (aqui), parece-me que, na determinação serena do rosto que nos olha, facilmente reconhecemos a serenidade que o Raúl nos fala no seu texto sobre a Senhora Maria Eugénia, a filha mais velha do capitão de bandeada, Raúl Gonzáles Nolle.

Permita-me que apenas acrescente o seguinte: pude assistir no dia de ontem, dia de aniversário da minha irmã, às cerimónias religiosas de homenagem à Padroeira de Portugal, Nossa Senhora da Conceição, em Vila Viçosa, onde estas cerimónias se revestem de uma devoção e de um simbolismo muito especial. Foi a primeira vez que participei nesta festividade religiosa. Curiosamente, a dimensão que mais tocou a minha sensibilidade foi a da serenidade!... Porque seria?...

Creia-me, Raúl, inteiramente solidário consigo, num abraço muito afectuoso, muito irmão.

A vez, agora, às suas palavras.

A FILHA MAIS VELHA DO FUNDADOR DA AVIAÇÃO DO CHILE, FOI-SE JUNTAR AO SEU PAI, NA ETERNIDADE. 

No Chile não acontecem apenas golpes de Estado ou assassinatos de Presidentes Democratas, como foi essa única vez do Presidente Allende. Essa vez em que, os que apoiaram a iniciativa, ficaram, de imediato, imensamente arrependidos. Como a nossa família toda.

No Chile acontecem também iniciativas. O Chile não tinha aviação. Era preciso criar uma Força Aérea. Vários Generais e Capitães estavam interessados e solicitavam ao Presidente da República desses anos, Comandante em Chefe das Forças Armadas do Chile, que comprasse aviões. Havia, nesses anos, ofertas desde a Alemanha.

Nos anos 30 do Século passado, o Estado Alemão fabricava imensos aviões, pelos motivos conhecidos. Três altos oficiais da Força Aérea, o Comandante Basaure, o capitão de bandeada Raúl González Nolle, mais tarde General da Força Aérea do Chile e Adido Militar da Força Aérea na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos e Ajudante Presidencial, pelo ramo da Força Aérea, dos Presidentes Radicais Pedro Aguirre Cerda e Juan António Rios, entre 1935 e 1941, foram junto ao Comodoro do Ar, Manuel Franke, para comprar aviões bons e baratos. Com esses aviões, o General González Nolle organizou, em conjunto com os seus colegas de viagem, a Força Aérea do Chile, o FACH.

As viagens do, em esses tempos, Capitão de bandeada, eram curtas e voltava rapidamente. Pelos finais dos anos 30, a sua mulher, D. Amanda Castillo Serrano de González, sobrinha do herói naval chileno Ignácio Serrano Pinto, estava grávida, era o primeiro descendente, e o jovem capitão queria estar perto da sua mulher para esperar o que no Chile sempre se pensa: um filho de género masculino. Como mais tarde connosco, acabou esse filho por ser uma rapariga, muito amada pelos seus pais, bem criada, bem educada, bem vestida, filha única; apenas 10 anos mais tarde nascia a sua irmã, a mãe dos nossos descendentes e Avó dos nossos netos.

A rapariga era Maria Eugénia. Natural na família, estudou no Colégio Francês – a família tinha essa dupla ascendência, típica do Chile, Franco-Chilena. A sua fala com a mãe era em Castelhano; com o seu pai e a mãe do seu pai, Eugénie Nolle de Montjeville, de Paris originalmente, em francês. Passou a ser uma rapariga mimada, querida, bem cuidada, completou os seus estudos secundários, aprendeu esse prazer da família de coleccionar mobília e mapas antigos e passou a ser uma entendida em colecções, o que lhe permitiu trabalhar nos melhores sítios da Empresa Phillips, Sucursal Santiago, em contacto directo, por causa do seu bom inglês, com a casa central da Holanda, onde a família se encontrava, especialmente nesse ano de 2000, em Utrecht, para o matrimónio da nossa filha primeira e o baptizado do nosso neto Tomas Mauro Van Emden. Dias lindos para uma senhora que, em pequena, era tímida. Timidez que acabou no seu crescimento, nas suas imensas viagens para outros países, que a tiveram sempre tão ocupada, que nem foi capaz de casar. A sua irmã e eu pensámos de imediato que era a outra Avô dos nossos netos. Esses netos que, coisa estranha, tiveram três Avôs, a mãe do nosso genro Cristan, Ans; Gloria, a irmã de Maria Eugénia; e ela própria. Dias lindos e divertidos, adorava contar histórias para todos rirem. Como adulta de muitas viagens, acabou por ser uma excelente anfitriã.

Viveu da mesma forma que entrou na eternidade, hoje 7 de Dezembro de 2008, de madrugada, dia prévio a Imaculada Conceição, dois dias após o aniversário da morte de Mozart e seis do dia do nascimento de Maria Calas, que, se fosse viva, teria feito 83 anos. Esses anos que Maria Eugénia, apesar dos cuidados médicos e da corte de pessoas ao pé de ela, especialmente irmã, sobrinhas e netos enteados, não conseguiu atingir. Hoje em dia está, para os que têm sentimentos de fé, com os seus pais, e a tomar conta de nós. Essa muito querida filha, irmã, amiga e excelente cunhada minha. Certo estou eu e a família toda, que descansa como deve ser. Essa filha mais velha do fundador da Força Aérea do Chile, que teve por mais lata honra, a sua descendência, especialmente esta que hoje o foi a acompanhar.

Raúl Iturra

Catedrático de Antropologia do ISCTE, Lisboa, Etnopsicólogo, Escritor, Membro do Senado da Universidade de Cambridge, UK, membro activo de Amnistia Internacional, que tem tido a mais alta honra de ser o cunhado de Maria Eugénia González Castillo.

Parede,  Portugal, 7 de Dezembro de 2008.

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