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domingo, julho 27, 2025

#TOLERÂNCIA2010 - A TOLERÂNCIA E A INVEJA

 #TOLERÂNCIA2010 - A TOLERÂNCIA E A INVEJA

Com sabor a homilia domingueira, bem poderia o padre celebrante discorrer a partir deste meio verso de Fernando Pessoa: «a minha alma não tolera». E o que é que a alma do sujeito poético não tolera? E quanta inveja alimenta a intolerância? Vale a pena ler o poema na íntegra. Num ambiente de reflexão comungada por várias pessoas, o proveito certamente será grande para todas elas. No fundo, como se deseja que sejam as celebrações religiosas de sábado ou domingo.

«O pensar, e o pensar sempre / Dá-me uma forma íntima e (…)(1) / De sentir, que me torna desumano. / Já irmanar não posso o sentimento / Com o sentimento doutros, misantropo / Inevitavelmente e em minha essência.

»Toda a alegria me gela, me faz ódio, / Toda a tristeza alheia me aborrece, / Absorto eu na minha, maior muito / Que outras. E a alegria faz-me odiar / Porque eu alegre já não posso ser, / E, conquanto

o não queira assim sentir / Sinto em mim que a minha alma não tolera / Que seja alguém do que ela mais feliz. / O rir insulta-me por existir, / Que eu sinto que não quero que alguém ria / Enquanto eu não puder! Se acaso tento / Sentir, querer, só quero incoerências / De indefinida aspiração imensa, / Que mesmo no seu sonho é desmedida. / E às vezes com pensar sinto crescer / Em mim loucuras de (…) / E impulsos que me transem de terror / Mas são apenas (…) e passam. / Mais de sempre é em mim (quando não penso / E estou no pensamento obscurecido) / Uma vaga e (…) aspiração / Quiescente, febril e dolorosa / Nascida do (…) pensamento / E acompanhando-o comovidamente / Nas inércias obscuras do meu ser.»

(1) As reticências entre parêntesis significam palavras do autor que não se conseguiram identificar.

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domingo, março 23, 2025

#TOLERÂNCIA84 - AS VIAGENS TORNAM AS PESSOAS MAIS TOLERANTES?

 #TOLERÂNCIA84 - AS VIAGENS TORNAM AS PESSOAS MAIS TOLERANTES?

A resposta parece óbvia: — Sim, tornam.

Bem, também é óbvio que não titulo um escrito com as viagens para acabá-lo já aqui. Textos com duas ou três palavras, têm de ser poéticos e o melhor que conheço, e de tantas vezes falo é o de Giuseppe Ungaretti: «M'illumino / d'immenso» .

As citações à volta das viagens estão entre as que mais páginas enchem nos livros especializados em citações. Gosto muito, por exemplo, desta que é apresentada como máxima tibetana: «A viagem é um regresso ao essencial.» Acho também muita piada a esta, atribuída a Groucho Marx, que tem um humor muito próprio: «Comprar um fato novo já é fazer uma viagem ao estrangeiro.»

No mesmo livro de citações, escrito em francês, encontro ainda uma citação de Fernando Pessoa, que aqui reproduzo acrescentando um pouco mais da carta da qual Claude Gagnière retirou a citação: "O que sou essencialmente — por trás das máscaras involuntárias do poeta, do raciocinador e do que mais haja — é dramaturgo. O fenómeno da minha despersonalização instintiva a que aludi em minha carta anterior, para explicação da existência dos heterónimos, conduz naturalmente a essa definição. «Sendo assim, não evoluo, VIAJO.» (Por um lapso na tecla das maiúsculas saiu-me, sem que eu quisesse, essa palavra em letra grande. Está certo, e assim deixo ficar). Vou mudando de personalidade, vou (aqui é que pode haver evolução) enriquecendo-me na capacidade de criar personalidades novas, novos tipos de fingir que compreendo o mundo, ou, antes, de fingir que se pode compreendê-lo. Por isso dei essa marcha em mim como comparável, não a uma evolução, mas a uma viagem: não subi de um andar para outro; segui, em planície, de um para outro lugar. Perdi, é certo, algumas simplezas e ingenuidades, que havia nos meus poemas de adolescência; isso, porém, não é evolução, mas envelhecimento."

A motivação para o texto de hoje foram algumas fotografias que um casal amigo me mandou ontem da

Biblioteca de Alexandria; e as que outro casal amigo me mandou hoje do Azerbaijão.

De que maneira viajar pode tornar-nos mais tolerantes?

Em princípio, viajamos porque queremos e para lugares que queremos conhecer, a nossa atitude é a de vamos encontrar coisas de que vamos gostar. Quer dizer, à partida estamos afectivamente disponíveis e mentalmente abertos para encontrar coisas boas, interessantes, agradáveis. Em geral, nas viagens a que livremente nos dedicamos, não há masoquismo ou intenção de mal-estar e sofrimento, pois não?

As viagens expõem o viajante a diferentes culturas, põem-no em contacto com costumes, tradições, estilos de vida, geografias, arquitecturas e organização dos espaços de vida diferentes; e a línguas diferentes, a diferentes sinais e códigos de fala e comunicação. Um exemplo clássico é o do arroto no final duma refeição: nuns países ou culturas é expressão de falta de educação, noutros é uma deferência educada aos anfitriões.

As nossas cabeças, assim que a gente nasce, começam a povoar-se de estereótipos a propósito dos outros: os alentejanos (preguiçosos), as suecas (que são as mulheres mais bonitas do mundo), os japoneses (que são todos baixinhos), os ingleses (que são todos fleumáticos), os brasileiros (não há nenhum que não dance maravilhosamente o samba ou não seja o maior dos dribladores no futebol). Ora, o viajante, caminhando pelos lugares estrangeiros, repara que não é bem assim: sim, são diferentes de nós, mas são mais iguais a nós do que a gente pensa; e nós somos mais iguais a eles do que antes da viajem pensávamos.

As viagens, muitas vezes, sem que o viajante o procure, são um desafio à capacidade de adaptação a comportamentos individuais, urbanos e culturais diferentes dos que ele leva na sua experiência pessoal. Toleramos essas diferenças, respeitamo-las, procuramos adaptar-nos a elas ou, ao contrário, enervamo-nos, protestamos, zangamo-nos, ficamos prontos para maldizer a hora de escolher aquele lugar como destino de viagem.

Viajar é, no fundo, uma oportunidade para o viajante conhecer pessoas diferentes dele mesmo, que nos ajudam a ver o mundo de maneira diferente, noutra perspectiva, tornando-nos, se a isso estivermos dispostos, mais abertos a ideias, opiniões e mundividências diferentes das nossas. Por exemplo, como é que um egípcio de Alexandria vê o Mundo?... Como é que ele olha para a Europa e para Portugal? Como é que um 'azerbaijanês' ou 'azerbaidjano' ou 'azeri' (Estão a ver, nem sei qual é a forma que mais se aproximará do gentílico com que os naturais do Azerbaijão se designam...) olha os Descobrimentos Portugueses que, dizem os Portugueses, ligaram todo o Mundo? Que curiosidades despertará Portugal num viajante do Azerbaijão?

Mas há qualquer coisa mais que é preciso para que a Tolerância, a boa Tolerância, ganhe mais espaço e acção nos nossos comportamentos: é a postura de boa fé, de mente curiosa e aberta para o que se vai encontrar. Ilustro o que quero dizer com um exemplo de alguns meses atrás:

Dois casais, amigos de longa data, viajaram há alguns meses para a China, por lá ficaram um mês. A viagem foi preparada ao mais pequeno pormenor: lugares, datas, transportes. Na cabeça deles, viajava a estereotipada imagem da China comunista, repressora, triste (pelo menos, silenciosa), pobre. É assim: na cabeça de pelos menos 3 dos 4 viajantes, consciente ou escondido num forçado esquecimento, ia o desejo de confirmar o que toda a vida se pensou acerca dos chineses e do comunismo da China de Mao Tsé-Tung, da exploração dos operários, camponeses e os outros cidadãos, todos eles sem liberdade de expressão, vítimas da ditadura, já nem sequer era do proletariado, era do partido único chinês.

Um dos viajantes, de mente aberta, foi aos poucos desconstruindo estereótipos e ideias feitas: olhou, buscou, interagiu, experimentou. Baqueou autenticamente perante o desenvolvimento material e tecnológico, a vida intensa e alegre, colectiva, nos espaços urbanos, a boa educação, a honestidade e a simpatia e a solicitude das pessoas. Regressou mais humilde e tolerante.

Outro dos viajantes, parece que tudo o que via, tudo que saboreava, tudo o que experimentava se reduzia a um toque de Midas bem negativo: ela tinha razão, era tudo mau, tal qual como pensava antes de chegar à China.

É, se não quisermos ver, não vemos mesmo. Aceitar ver para além do que já leva na sua bagagem mental exige do viajante uma modalidade de Tolerância muito especial: a que aceita que se pode não saber tudo, que se pode não conhecer tudo; e mais, que se pode estar errado. Se errar é humano, aceitar que pode estar errado é estar em boa sintonia com a sua própria humanidade.

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P.S.: enquanto escrevia este texto, o meu amigo que está no Azerbaijão, respondeu-me, por mensagem, que a forma gentílica que lhe parece que lá mais se aproxima duma daquelas 3 que apresentei lá atrás é 'azeri'.

domingo, fevereiro 23, 2025

#TOLERÂNCIA 56 - A TOLERÂNCIA E O TEMPO

 #TOLERÂNCIA 56 - A TOLERÂNCIA E O TEMPO

Nas aulas em que pedi aos alunos que realizassem a tarefa do "Perfil da Tolerância", houve duas coisas a que fui especialmente sensível, e que estão para além dos perfis finais obtidos por triagem sucessiva em cada uma das turmas.

Uma delas foi a escolha da "Paciência". Foi, em geral, a primeira escolha logo na primeira parte da tarefe, em que não estava ainda nada apurado, em que cada aluno abordava a tarefa sem conhecer fosse o que fosse dos seus colegas. Nessa altura, a escolha da Paciência chegou a ser esmagadora em algumas das turmas. Foram depois as triagem seguintes que modularam a escolha da Paciência, conhecidos que ficaram os pensamentos e as opiniões dos colegas da turma.

Sim, a Paciência é mesmo a primeira coisa que salta à cabeça quando se fala em Tolerância, como que a dizer: «Para se conseguir ser tolerante é preciso ter muita paciência.» Parece uma coisa quase instintiva; parece e deve ser mesmo assim, terei de aprofundar este assunto. Fá-lo-ei, sim, lá mais para a frente.

A outra coisa que me tocou especialmente foi a escolha do Tempo, das Horas, da Pressa e da Pausa. A escolha e os comentários e desabafos que a propósito ouvi nas várias turmas.

Pareceu-me que os alunos pedem que sejam tolerantes com eles... Quem é que eles querem que seja tolerantes com eles? Os pais, os professores, a sociedade. Parece que os jovens sentem que que todos querem que eles façam coisas depressa, mais depressa; que demorem menos Tempo; que não deixem passar as Horas; que não lhes dão pausas suficientes. Os jovens querem ir mais devagar...

É como se eles, alinhados com o Professor Agostinho da Silva — que dizia que o homem não nasceu para trabalhar, mas sim para desfrutar a vida —, estivessem a dizer aos mais velhos «Para quê tanta pressa? É preciso fazer sempre tudo a correr?»

É tentador dizer «Eles não querem é fazer nada... Quanto menos fizerem, melhor para eles, e até se puderem ter tudo já feito, melhor para eles...» Não, não é isso; ou, dito doutra maneira, não é só isso.

Eu tenho um fraquinho muito grande pelo Mestre, o Alberto Caeiro, que era (na concepção de Fernando Pessoa) pouco mais velho que os meus alunos. E tenho uma convicção muito pessoal da razão porque Fernando Pessoa "matou" o Mestre ainda com tão pouca idade (salvo erro, 26 anos): tinha medo de que ele desistisse de ser quem era e se rendesse ao conformismo da vida adulta em que a maioria das sociedades actuais desembocaram. É precisamente de Alberto Caeiro este pequeno poema:

"Eu queria ter o tempo e o sossego suficientes / Para não pensar em coisa nenhuma, / Para nem me sentir viver, / Para só saber de mim nos olhos dos outros, reflectido."

Sabe-se que Alberto Caeiro tinha a obsessão de ser só natureza tanto quanto possível, e que, ao pensar, o indivíduo imediatamente saía da sua natureza, deixava de poder desfrutar o que era na sua natureza corporal, animal, sensacionista. A percepção é a consciência das sensações, ele queria ser, ele queria ser-se, antes dessa consciência.

Penso que os jovens têm uma necessidade cada vez maior de se sentirem como são e no que são a partir da sua própria natureza; e penso que a vida que os crescidos organizam para eles é uma vida cada vez mais de horários impostos, seja para a escola, seja para os "tempos-livres". Sim, tempos livres entre aspas porque tendem a ser muito pouco livres.

«Se eu não tenho o tempo e o sossego suficientes, para não pensar em tanta coisa que querem que eu pense, que me impede de me sentir na minha natureza mais básica, anterior ao meu destino de cumprir, cumprir, cumprir, como é que eu posso saber o que sou, como é que eu posso entender o que querem de mim, como é que eu me harmonizo com quer coisas de mim? E eu quero que queiram coisas de mim! A sério que quero! Mas para isso, por favor, vamos mais devagar, deixem-me descobrir-me na minha natureza mais básica, mais antes de tudo o resto — o resto que pensa, que faz, que cria, constrói, sonha, erra, corrige; e envolve-se, sim, eu sei que, como dizia Ortega e Gasset, «Eu sou eu e a minha circunstância, e se não a salvo a ela, não me salvo a mim.» E os outros são a parte mais importante da minha circunstância.»

«Se eu sinto que não tenho de andar a correr atrás do tempo, fico menos ansioso, fico menos irritadiço, fico menos impaciente [aqui está a Paciência!]. É fico mais tolerante e dialogante. Vamos experimentar? Vá, por favor!»

Não é por acaso que tantos professores, hoje em dia, pedem programas escolares menos extensos, com menos conteúdos, mas mais aprofundamento nalguns deles.

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