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domingo, maio 19, 2019

A IMPORTÂNCIA DOS VALORES NOS COMPORTAMENTOS DA CIDADANIA SOLIDÁRIA

ESPLENDOR E SOMBRA SOBRE A EUROPA, 7/12

A IMPORTÂNCIA DOS VALORES NOS COMPORTAMENTOS DA CIDADANIA SOLIDÁRIA

Crianças alemãs usando notas de marco para construir uma torre em 1923.
Ainda incrédulos com a tragédia da 1.ª Grande Guerra, os austríacos tentavam vencer o absurdo que muitos nunca tinham pensado que alguma vez pudesse acontecer. A brutal crise económica e financeira consecutiva à guerra, «em que, na Áustria, um ovo era tão caro como tinha sido um carro de luxo, e que esse ovo seria pago, mais tarde, na Alemanha, ao preço de quatro mil milhões de marcos - quase tanto como o valor de todas as casas da zona de Berlim anteriores à guerra»(1), pressionava todos os dias.
«Mas, surpreendentemente, o que acontecia era exactamente o contrário. A vontade de continuar a viver mostrou ser mais forte do que a instabilidade da moeda.»(2)
Afinal, os cidadãos austríacos, em razão do profundo desenvolvimento sócio-cultural acumulado gerações após gerações resistiam:
[…] Devido precisamente ao inesperado da situação — a desvalorização diária do dinheiro, outrora o valor mais estável —, as pessoas davam maior apreço aos autênticos valores da vida — ao trabalho, ao amor, à amizade, à arte e à natureza — e todo o povo vivia, no meio da catástrofe, de forma mais intensa e mais empolgante do que antes; rapazes e raparigas calcorreavam as montanhas e regressavam a casa tisnados pelo sol, os salões de baile ofereciam música até às tantas, por toda a parte surgiam novas fábricas e novas casas comerciais; eu próprio penso nunca ter vivido nem trabalhado mais intensamente do que naqueles anos. O que fora importante para nós antes da guerra, tornara-se mais importante ainda; nunca na Áustria amámos mais a arte do que naqueles anos de caos, porque a traição do dinheiro fazia-nos sentir que só a eternidade em nós era verdadeiramente imutável.»(3)
Sabemos agora que, mais uma vez, os valores - nobres, solidários - soçobraram perante  os seus contrários: os da competição, da rivalidade e dos nacionalismos egoístas - que desembocaram na ainda mais trágica 2.ª Grande Guerra.
Será que estamos, outra vez, a deixar que a esforçada tessitura congregadora, colaborativa e solidária do sonho dos fundadores do ideal da Europa Unida vai deixar-se vencer pelos que defendem as venenosas e ilusórias promessas populistas e divisionistas?
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(1) “O Mundo de Ontem, recordações de um europeu”, de Stefan Zweig (1942), publicado pela Assírio & Alvim, reimpressão de 2017, p. 344. 
(2) “O Mundo de Ontem, recordações de um europeu”, de Stefan Zweig (1942), publicado pela Assírio & Alvim, reimpressão de 2017, p. 345. 
(3) “O Mundo de Ontem, recordações de um europeu”, de Stefan Zweig (1942), publicado pela Assírio & Alvim, reimpressão de 2017, p. 345. 

domingo, maio 12, 2019

LIBERDADE OU DISSOLUÇÃO DOS COMPORTAMENTOS E DOS COSTUMES?

ESPLENDOR E SOMBRA SOBRE A EUROPA, 6/12

LIBERDADE OU DISSOLUÇÃO DOS COMPORTAMENTOS E DOS COSTUMES?

Depois de acabada a 2.ª Grande Guerra, imediatamente depois, Stefan Zweig volta para a Áustria. Escreveu ele: «De um ponto de vista lógico, tratou-se da maior insensatez que eu podia ter cometido após a derrota das armas alemãs e austríacas».
Que ambiente de vida social se foi, nessa altura, aos poucos, instalando na sociedade austríaca?
Ao lermos o seguinte trecho, que semelhanças encontramos com os tempos de hoje? Há exactamente 100 anos de diferença entre o tempo histórico de Stefan Zweig e o nosso:

[…] A grande, a sagrada promessa feita a milhões de pessoas, de que aquela guerra
Wandervogel Movement / Photo c. 1914
seria a última, essa promessa, à qual os soldados, já meio desiludidos, meio desesperados e extenuados, ainda tinham ido buscar a sua derradeira energia, foi cinicamente sacrificada aos interesses dos fabricantes de armamento e à paixão do jogo alimentado pelos políticos que souberam pôr triunfalmente a salvo, contra a exigência sábia e humana de Wilson, a sua desastrosa tática de acordos secretos e de conversações à porta fechada. Desde que tivesse os olhos bem abertos, todo o mundo via que tinha sido enganado. Enganadas as mães que sacrificaram os seus filhos, enganados os soldados que regressaram como pedintes, enganados todos os que tinham subscrito patrioticamente empréstimos de guerra, enganado quem confiara nas promessas do Estado, enganados nós que sonháramos com um mundo melhor e mais ordenado, e agora víamos que tinha recomeçado a jogatina do costume, na qual a nossa existência, a nossa felicidade, o nosso tempo, os nossos haveres eram lançados no pano verde, precisamente pelos mesmos ou por novos aventureiros. É então de admirar que uma geração inteira de jovens olhasse com rancor e desprezo para os seus pais, que começaram por deixar escapar a vitória e depois a paz? Que fizeram tudo mal, que nada previram e cujos cálculos saíram todos errados? Não era compreensível que toda e qualquer forma de respeito desaparecesse da nova geração? Uma juventude inteiramente nova já não acreditava nos pais, nos políticos, nos professores; qualquer determinação, qualquer proclamação de Estado era lida com olhar desconfiado. De uma penada, a geração do pós-guerra emancipou-se brutalmente de tudo quanto até aí fora válido e voltou as costas a todas as tradições, decidida a tomar em mãos o seu destino, longe do passado que ficara para trás e lançando-se para o futuro. Um mundo inteiramente novo, uma ordem inteiramente diferente deveria nascer com ela em todos os âmbitos de vida; e como é natural, o começo foi marcado por exageros descontrolados. Quem não fosse, ou tudo aquilo que não fosse da sua faixa etária era posto de lado. Em vez de viajarem com os pais, como dantes, os miúdos de onze, doze anos, rumavam pelo país fora até à Itália ou ao Mar do Norte, organizados em grupos designados de
Wandervögel(1) e perfeitamente esclarecidos sobre questões sexuais. Nas escolas organizaram-se conselhos de alunos de acordo com o modelo russo, que vigiavam os professores e o «plano de estudos», subvertendo-o, pois as crianças só deviam e só queriam aprender o que lhes agradasse. A revolta ocorria pelo simples prazer da revolta, contra as formas estabelecidas, até mesmo contra a vontade da natureza, contra a eterna polaridade dos sexos. As raparigas usavam o cabelo tão curto, à la garçonne, que não era possível distingui-las dos rapazes; por seu lado, os homens rapavam a barba para parecerem mais femininos; a homossexualidade e o lesbianismo tornaram-se numa grande moda, não por uma questão de inclinação natural, mas como protesto contra as formas tradicionais, legais, normais do amor. Todos os modos de expressão da existência se esforçavam por pôr em destaque o seu carácter radical e revolucionário, e claro que a arte não constituía excepção.»(2)
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(1) A tradução directa leva-nos a "aves migratórias". Arrisco "vagabundeadores".
(2) “O Mundo de Ontem, recordações de um europeu”, de Stefan Zweig (1942), publicado pela Assírio & Alvim, reimpressão de 2017, pp. 349-50. 

sexta-feira, abril 19, 2019

O DESAFIO DO "ESCOLA EMBAIXADORA DO PARLAMENTO EUROPEU"

ESPLENDOR E SOMBRA SOBRE A EUROPA, 4/12

O DESAFIO DO "ESCOLA EMBAIXADORA DO PARLAMENTO EUROPEU(1)
agrega, no seu 3.º e último ano de existência, a vontade e o empenho de alunos e professores de mais de 100 escolas portuguesas. Visa vencer as visões restritivas dos nacionalismos, valorizar adequadamente as identidades específicas dos patriotismos; e cultivar a sabedoria da colaboração e inter-ajuda entre as nações, tomadas como irmãs em direitos e deveres.

Há cem anos, cidadãos europeus pensavam inteligentemente, sabiamente; e por isso temiam... Infelizmente, a 1.ª Grande Guerra, e depois a 2.ª, deram-lhes razão. Stefan Zweig escreve assim nas suas memórias autobiográficas, em pleno conflito 1939-1945. São palavras que trazem conselhos, que trazem avisos. Por exemplo, que são as forças de conciliação que precisam da nossa dedicação, não as que atiçam o ódio.

«À primeira vista reconheci nele — e o tempo veio dar-me razão — o homem que viria a ser a consciência da Europa na hora decisiva. Conversámos sobre Jean Christophe. Rolland explicou-me que, com essa obra, tinha tentado cumprir uma tripla obrigação: agradecimento à música, declaração de fé na unidade da Europa e apelo à consciência dos povos. Todos nós deveríamos agora agir, cada um no seu posto, cada um a partir do seu país, cada um na sua língua, pois era altura de estarmos vigilantes, cada vez mais vigilantes. A seu ver, as forças que atiçavam o ódio eram, em consonância com a sua própria natureza inferior, mais veementes e agressivas do que as da conciliação, havendo também por trás delas interesses materiais que eram, eles próprios, menos escrupulosos do que os nossos. O absurdo tinha obviamente metido mãos à obra, e lutar contra ele era até mais importante do que a nossa própria arte. Senti a mágoa pela fragilidade estrutural do nosso mundo refletida de forma duplamente comovente naquele homem que celebrou a eternidade da arte em toda a sua obra. «Ela pode aliviar-nos, a cada um de nós em particular», respondeu-me, «mas nada consegue contra a realidade.»
Isto passou-se no ano de 1913. Foi a primeira conversa que me mostrou ser nossa obrigação não ficarmos desprevenidos e inativos perante uma guerra europeia que era, apesar de tudo, possível; no momento decisivo, nada deu a Rolland uma tão enorme superioridade moral sobre todos os outros como o facto de já ter podido fortalecer com antecedência a sua alma dolorida.»(2)
Anos depois das memórias de Stefan Zweig, Jean Monnet escreveu assim, ao mesmo tempo um aviso e um repto:
«Si je suis convaincu, alors je fais de mon mieux pour convaincre les autres, mais pas à la légère. Je me concentre, et je pense que si je n’étais pas moi-même convaincu, je n’agirais pas.»(3) 
(Se estou convencido, então dou o meu melhor para convencer também os outros, mas não impensadamente. Concentro-me, e penso que, se eu próprio não estivesse convencido, eu nada faria) 

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(1) "O Parlamento Europeu lançou um programa pedagógico intitulado "Escola Embaixadora do Parlamento Europeu", em todos os 28 Estados-membros. 
Esta iniciativa que tem a ambição de investir na consciencialização dos jovens sobre as possibilidades que lhes oferece a sua cidadania europeia, bem como sobre o papel que o Parlamento Europeu desempenha no processo de decisão europeu e por conseguinte nas nossas vidas quotidianas, terá uma duração prevista de três anos letivos: 2016-17, 2017-18 e 2018-19." (seg. Ana Maria Antunes Vieira)
(2) “O Mundo de Ontem, recordações de um europeu”, de Stefan Zweig, publicado pela Assírio & Alvim, reimpressão de 2017, p. 242. 
(3) https://dicocitations.lemonde.fr/citations/citation-60024.php

segunda-feira, abril 15, 2019

SE FOSSE PARA REFAZER [A EUROPA], COMEÇAVA PELA CULTURA

ESPLENDOR E SOMBRA SOBRE A EUROPA, 3/12

«SE FOSSE PARA REFAZER, COMEÇAVA PELA CULTURA»,
disse um dia Jean Monnet, um dos pais fundadores do ideal da União Europeia; e também da sua realização concreta.(1)

É, num certo sentido, o primado da Cultura que marca a diferença entre os sentimentos da 1.ª Grande Guerra e os da 2.ª. De 1945 até agora, será que soubemos recuperar a Moral e a Cultura? Penso que, infelizmente, muito tristemente, não... Vamos cruzar os braços? Eu não vou!...

«Para marcar bem a diferença entre a atmosfera espiritual da Primeira e da Segunda Guerra Mundial, é sempre obrigatório sublinhar que, naquela época, os países, os dirigentes, os imperadores, os reis, criados numa tradição de humanidade, ainda tinham no seu subconsciente vergonha da guerra. Um após outro, qualquer país repudiava, como vil calúnia, a acusação de ser ou de ter sido «militarista e rivalizava com os outros para mostrar, para demonstrar, para esclarecer, para pôr em evidência que era uma «nação civilizada». Em 1914 tentava-se insistentemente mostrar a um mundo, que punha a cultura acima da força e que teria abominado como imorais as palavras de ordem de «sacro egoísmo» e de «espaço vital», que se reconhecia o valor universal das obras de espírito.»(2)

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(1) Muito recentemente (14ABR19), no semanal texto de opinião, no Diário de Notícias, o Professor Adriano Moreira, escreve assim:
 «As alterações da soberania que na própria metade ocidental não têm deixado de encontrar dificuldades, e até humilhações, conduziram no leste a uma atitude também inspiradora dos populismos que ameaçam as próximas eleições, as quais, nas palavras de Marci Shore, consideram paternalismo ocidental o emaranhado de normativos, de centros de decisão que muitas vezes impuseram a autoridade técnica e científica como suficientemente legitimadora. A meio do trajeto, Jean Monnet - que seguira com atenção e intervenção a discussão sobre a marcha para a unidade da Europa, em que pairava a proposta de Aristide Briand, dos anos 1920, da criação dos Estados Unidos da Europa - concluiria nas Memórias que, quanto à sua participação, deveria ter começado pela cultura e não pela economia, para orientar os europeus na compreensão da necessidade da ação coletiva, sendo certo que já nesse tempo o Reino Unido se opunha a qualquer abandono da soberania.»  https://www.dn.pt/edicao-do-dia/14-abr-2019/interior/as-fraturas-europeias-10789446.html?fbclid=IwAR0zsTkNhW9j2nFYA05-9e1hJDGqN5szFfo_wN95lcRuOeuiBebssw40s8Q
(2) “O Mundo de Ontem, recordações de um europeu”, de Stefan Zweig, publicado pela Assírio & Alvim, reimpressão de 2017, p. 301. 

domingo, abril 14, 2019

AS ILUSÕES DA ETERNA E LIVRE JUVENTUDE

ESPLENDOR E SOMBRA SOBRE A EUROPA, 2/12

AS ILUSÕES DA ETERNA E LIVRE JUVENTUDE

Vive-se o auge da "Belle Époque"(1). Com todos os sinais de bem-estar pessoal, liberdade individual, progresso material e poder científico, como querem que se acredite que podem estar a chegar tempos cinzentos, ou mesmo negros, à Europa?

«Nunca a Europa fora tão forte, tão rica, tão bela, nunca acreditara tão profundamente num futuro ainda melhor; ninguém, a não ser alguns velhos já engelhados, lamentava, como antigamente, os "bons velhos tempos".
September 8, 1906
Mas não eram só as cidades, também as próprias pessoas estavam mais belas e mais saudáveis graças ao desporto, à melhor alimentação, à redução do horário de trabalho e à relação mais íntima com a natureza. O inverno, outrora uma estação de monotonia, que as pessoas desbaratavam de mau humor, jogando às cartas nas tabernas ou então aborrecendo-se em compartimentos sobreaquecidos, tinha sido descoberto nas montanhas como lugar de filtragem do sol, como néctar para os pulmões, como voluptuosidade para a pele onde um sangue veloz afluía. E as montanhas, os lagos, o mar já não estavam tão longe como dantes. A bicicleta, o automóvel, o comboio elétrico tinham encurtado distâncias e oferecido ao mundo uma nova sensação de espaço. Ao domingo, milhares e dezenas de milhar, em anoraques de cores berrantes, lançavam-se velozmente pela encostas nevadas nos seus esquis e trenós; por todo o lado surgiam palácios de desportos e piscinas. E era justamente na piscina que era possível notar mais claramente a mudança: enquanto que, nos meus anos de juventude, um homem realmente bem constituído sobressaía no meio dos pescoços anafados, das grandes panças e dos peitos cavados, agora eram corpos ginasticados, tisnados pelo sol, enrijecidos pelo desporto que rivalizavam entre si à maneira das joviais competições clássicas. Ninguém, a não ser os mais pobres entre os pobres, ficava agora em casa ao domingo, toda a juventude, instruída em todas as modalidades desportivas, fazia caminhadas, trepava, lutava; quem tinha férias, já não as passava perto da cidade ou, na melhor das hipóteses, no Salzkammergut como ainda fora hábito no tempo dos meus pais; tinha-se curiosidade em saber se o mundo seria assim tão belo em toda a parte, ou se teria uma beleza diferente. Enquanto que outrora só os privilegiados conheciam o estrangeiro, agora eram os empregados bancários e os pequenos comerciantes que iam até à Itália, até à França. Viajar tinha-se tornado mais barato, mais cómodo, mas sobretudo: era a nova coragem, a nova ousadia das pessoas que as tornava também mais audazes nas deslocações, menos receosas e menos poupadas na vida — sim, tinha-se vergonha de mostrar receio. Toda aquela geração tomara a decisão de se tornar mais jovem; contrariamente ao mundo dos meus pais, tinha-se orgulho em se ser jovem; de repente, as barbas desapareceram dos rostos dos mais novos, imitados então pelos mais velhos que não queriam ser tomados como tal. Ser jovem, fresco, e não arvorar ares dignos tornou-se a palavra de ordem. As mulheres deitaram fora os espartilhos que lhes comprimiam os seios, abdicaram dos chapéus de sol e dos véus, porque já não temiam nem o ar nem o sol, encurtaram as saias para melhor poderem movimentar as pernas no ténis, e deixaram de ter vergonha de mostrá-las quando eram bem feitas. A moda tornou-se cada vez mais natural, os homens usavam calções, as mulheres aventuravam-se na sela de cavaleiro, ninguém se tapava, ninguém se escondia dos outros. O mundo não estava apenas mais belo, estava também mais livre.» (2)
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(1) "expressão origem francesa que significa literalmente “Bela Época”. Esta expressão criada para designar um período da história na Europa marcado pela paz aproximadamente entre 1871 quando teve fim a Guerra Franco-Prussiana e julho de 1914 quando começou a primeira Guerra Mundial, compreendendo um total de 43 anos. Este período ficou caracterizado sobretudo pela expansão e progresso tecnológico, científico e cultural." https://www.infoescola.com/artes/belle-epoque/
(2) “O Mundo de Ontem, recordações de um europeu”, de Stefan Zweig, publicado pela Assírio & Alvim, reimpressão de 2017, pp. 230-32.

sábado, abril 13, 2019

NÃO, EU NUNCA ABANDONAREI OS MEUS AMIGOS.

ESPLENDOR E SOMBRA SOBRE A EUROPA, 1/12
Romain Rolland

«NÃO, EU NUNCA ABANDONAREI OS MEUS AMIGOS.»

Sou um defensor “descarado” da participação activa dos cidadãos nas próximas eleições europeias, no final do próximo mês de Maio.

Não sendo possível trazer para aqui todo o “O Mundo de Ontem, recordações de um europeu”, de Stefan Zweig, vou trazer algumas das suas memórias-reflexões que considero especialmente emblemáticas. E porquê? Porque está em jogo, em estado muito crítico, o futuro da Europa (a Europa solidária, cooperativa, agregadora de esforços e recursos; e a todos beneficiando) - e o futuro dos nossos filhos e dos nossos netos.

Terá a ver com a afirmação de que a História (não) se repete? Sim, tem a ver.
Terá a ver com a afirmação que diz que as sociedades têm memória curta das coisas? Sim, tem a ver.

Há cerca de 100 anos - estava-se em 1914-1915 -, ainda se pensava que a Guerra iria acabar depressa, Stefan Zweig(1), andando pelos 32 anos, escreveu um artigo, “An die Freunde im Fremdland”(2) (Aos Meus Amigos do Estrangeiro), que foi publicado no “jornal alemão mais lido”, o Berliner Tageblatt, que “não hesitou em publicá-lo na íntegra." Em 19 de Setembro de 1914.
Nesse artigo, ele, que, assim que a guerra começou, passou a ver os autores e os artistas, em geral, a abandonarem os amigos e conhecidos de outros países; e, consequentemente, a fecharem-se em círculos absolutamente nacionalistas, moldados pelos “valores” da guerra - ele, que tanta gente notável conhecera em tantas cidades europeias e tantos amigos fora fazendo, foi contra essa corrente e defendeu, no livro, a preservação da amizade além fronteiras.
“Oh, como sentíamos, nessa altura, que, graças ao amor e à confiança, a diferença entre os homens pudesse enriquecer o espírito e dar-nos um profundo sentimento de plenitude!”(3)
Stefan Zweig ficou espantado com a publicação do seu texto, já que não tinha esperança que fosse aceite fosse por que jornal fosse. No Berliner Tageblatt uma única frase foi vítima de censura - «seja para onde que a vitória se incline» - "porque na época não era permitido ter a mínima dúvida de que a Alemanha seria a natural vencedora dessa guerra mundial." Ignorado, desprezado, ostracizado, repudiado na pátria da língua alemã (Áustria e Alemanha), pelo que escreveu, Stefan Zweig acaba por receber, “quinze dias mais tarde”, de um autor francês que ele muito admirava, e de quem era muito amigo - Romain Rolland -, a seguinte e muito significativa saudação, n' "uma carta com selo suíço e ornamentada com o carimbo da censura": «Non, je ne quitterai jamais mes amis.»"(4)
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(1) austríaco, de origem judia.
(2) https://www.asymptotejournal.com/nonfiction/stefan-zweig-to-friends-in-foreign-land/german/ ; tradução inglesa: https://www.asymptotejournal.com/nonfiction/stefan-zweig-to-friends-in-foreign-land/
(3) "Oh, wie spürten wir damals dass Fremdheit der Art durch Liebe und Vertrauen unendliche Befruchtung des Geistes werden kann und ein Gefühl der Geistesfülle!" ( http://docnum.univ-lorraine.fr/public/UPV-M/Theses/1999/Zarini.Marie_Emmanuelle.LMZ9911.pdf , p. 275)
(4) As citações de que me sirvo foram retiradas de “O Mundo de Ontem, recordações de um europeu”, de Stefan Zweig, publicado pela Assírio & Alvim, reimpressão de 2017.
Nota: a fotografia é de Romain Rolland.