terça-feira, setembro 14, 2021

REGRESSAR À ESCOLA E FAZER A VIAGEM DO ALFABETO - 1/7

 REGRESSAR À ESCOLA E FAZER A VIAGEM DO ALFABETO - 1/7

Antes da invenção da escrita e do alfabeto (o alfabeto inventou-se depois da escrita), o segredo era ouvir...

Um dia alguém inventou o alfabeto, popularizando a escrita, que deixou de ser um privilégio dos poderosos.

ESCREVER A SENSUALIDADE E A ETERNIDADE INDIVIDUAL


"Os primeiros vestígios alfabéticos que conhecemos apareceram em vasos de cerâmica ou na pedra. As palavras que os oleiros e os canteiros gravaram já não falam de vendas e de posses - escravos, bronze, armas, cavalos, azeite ou gado. Eternizam instantes especiais das vidas de pessoas comuns que participam em banquetes, que dançam, bebem e celebram os seus prazeres.

Sobreviveram cerca de vinte inscrições datadas entre o ano 750 e 650 a. C. A mais antiga é a inscrição de Dipylon, encontrada num antigo cemitério de Atenas.

O exemplo mais remoto de escrita alfabética, embora incompleto, é um verso sensual e evocador:

«O bailarino que dance com maior destreza...»

Essas simples palavras transferem-nos para um simpósio realizado numa residência grega com risos, jogos, vinho e um concurso de dança para os convidados cujo prémio era o próprio vaso. Homero descreveu na Odisseia este tipo de competições festivas, que eram frequentes nos banquetes e para os gregos faziam parte do seu conceito de boa vida.

A julgar pelos termos da inscrição, o tipo de dança seria acrobática, enérgica, carregada de erotismo. Por isso imaginamos que o vencedor do concurso devia ser muito jovem, capaz de fazer um grande esforço físico, as piruetas e os saltos que a dança exigia.

Sentiu-se tão orgulhoso que conservou sempre a recordação daquele dia feliz e, muitos anos depois, pediu que o enterrassem com o troféu da sua vitória. No seu túmulo, após vinte e sete séculos de silêncio, encontrámos o vaso e, gravado nele, esse verso que conserva ecos de música e marcas de uns belos passos de dança."

(Irene Vallejo, "O Infinito num Junco", Bertrand Editora, p. 119, 2020)

Fotografia: By Durutomo - Durutomo, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=9798748

domingo, julho 18, 2021

UM DESAFIO PARA A ESCOLA DO SÉCULO XXI?

 UM DESAFIO PARA A ESCOLA DO SÉCULO XXI?

Agora tem sido tempo de olhar, nos trabalhos dos alunos, o que pode ser sugestivo de melhoramento da abordagem pedagógica da aprendizagem no próximo ano lectivo.

Num trabalho, na versão finalíssima, um aluno (12.º ano) escreve:

“Eu sei que este trabalho será alvo de uma avaliação e, normalmente, isso assusta-me bastante. Sou alguém bastante perfeccionista e gosto de obter as melhores classificações possíveis.

Porém, honestamente, não me importa minimamente a classificação que poderei ter neste trabalho.

A minha missão foi cumprida, e a minha recompensa... Bom, essa eu já recebi e carregarei para o resto da minha vida comigo: uma amizade com o sujeito monográfico que jamais as palavras poderão descrever.”

Pouco antes, o aluno tinha escrito assim:

“Hoje sei, com toda a certeza, que este trabalho foi o que mais me desafiou. Passei por muitas fases: uma vontade enorme de o começar, um cansaço e uma ponta de desmotivação e, por fim, quando escrevo estas palavras, passo pela última fase — encontro dentro de mim um sentimento de objectivo cumprido”.

Sim, na escola do século XXI as aprendizagens nas escolas podem ser profundamente significativas, contribuindo poderosamente para o desenvolvimento pessoal dos alunos.

Libertem as grandes disciplinas de exame — o Português, a Matemática, a História, etc. — do conservadorismo avaliativo, cerceador, que nivela pela convergência normativa redutora e atrofia a divergência criativa e auto-realizadora.

É verdade, não me rio dos fantasiosos arautos burocratas do ensino para o Século XXI; pior, lamento-os.

Os jovens estudantes são, em geral, como as plantas: mesmo nos mais inóspitos ambientes, assim que tenham o tempo minimamente necessário para a sua oportunidade criativamente realizadora, aproveitam-na.

Reparem como o aluno suplantou o férreo condicionamento dos ‘rankings’ entre alunos e entre escolas: a nota não lhe interessa, interessa é o desafio que lhe foi lançado e sente que venceu com as suas capacidades; e fez uma profunda amizade, para o resto da sua vida.

É, deste modo, ir além até do grande repto de Jean Piaget, quando se apropriou do que ele próprio tinha ouvido: “Tudo o que se ensina à criança é um obstáculo à sua capacidade de descobrir e inventar”.

Piaget quis estudar a inteligência sem o afecto. Este aluno mostra que inteligência e afecto não são opostos, pelo contrário.

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P.S. - Para os descrentes, que desqualificam tudo o que podem, digo que não, não é caso único. Tenho mais casos assim.

terça-feira, julho 13, 2021

AS APARÊNCIAS ILUDEM, FERNANDINHO, NÃO É?

 AS APARÊNCIAS ILUDEM, FERNANDINHO, NÃO É?


É verdade, parece que parei a descansar, mas, olha, como escreveu o poeta da Antiga Grécia, Mimnermo,

"Ao Sol coube em sorte trabalhar todo o dia, sem ter descanso algum, para ele ou para os cavalos, desde que a Aurora de dedos róseos abandona o Oceano, para subir ao céu."

Se me queixo ou não do meu destino, amigo, isso só está na cabeça dos homens, ao sabor dos seus humores, energias, esperanças ou descrenças. Tem um bom dia!


domingo, julho 04, 2021

"O NASCER DO SOL"

 "O NASCER DO SOL"


"Num domingo, quando o sol convidava para a praia e os meninos iam para a missa, assobiando a sua alegria para dentro dos quintais, Zito foi para a casa, para o refúgio da sombra do telhado, espreitar a menina dos olhos azuis."

E que viu ele, Fernandinho? Pois, viu o que os olhos ingénuos dos rapazes que o formigar intenso do corpo transforma em homens querem ver.

Na missa não deram por falta dele, o barrote é que se fartou. Na dúvida da queda ser castigo de pecado, o Zito confessou-se, mas aos amigos, só a eles. Os amigos, sim, ficaram em pecado mortal: invejaram o sol que naquele domingo nasceu para o Zito; e ficaram ainda mais em ânsias do deles, para que não tardasse.

Olha, o conto vai fazer 66 anos, o José Luandino escreveu-o no dia 7 de Julho de 1955, e eu, como vês, acrescentei-lhe um ponto.

sábado, julho 03, 2021

'CARPE DIEM' EM SÂNSCRITO, MAIS COMO PENSAMENTO, MENOS COMO SAUDAÇÃO

 'CARPE DIEM' EM SÂNSCRITO, MAIS COMO PENSAMENTO, MENOS COMO SAUDAÇÃO

Vê lá se concordas comigo, Fernandinho:

"O ontem não é senão um sonho e o amanhã uma visão. Bem vivido, o hoje faz de cada ontem um sonho de felicidade e de cada amanhã uma visão de esperança. Por isso, cuida bem de ti hoje."

sexta-feira, julho 02, 2021

"HORAS NON NUMERO NISI SERENAS" DIZEM OS RELÓGIOS DE SOL

 "HORAS NON NUMERO NISI SERENAS" DIZEM OS RELÓGIOS DE SOL


"Conto somente as horas serenas", não é o que apetece pensar num momento assim, Fernandinho? Olhando tanta serenidade, por um instante sente-se a eternidade...

Foi tão engraçado que, a certa altura, o silêncio da eternidade tivesse sido atravessado pelo choro de um bebé, não foi? É que não a perturbou, marcou-a com a Vida.

sexta-feira, junho 25, 2021

NASCER-DO-SOL: DORMIR E ACORDAR, O CORPO E A ALMA

 DORMIR E ACORDAR, O CORPO E A ALMA


Não sei se sabes, o famoso antropólogo George Frazer escreveu que entre os povos primitivos, em geral, havia a crença de que não se devia acordar quem estivesse a dormir, porque pensavam que, durante o sono, a alma saía do corpo e, forçando o despertar, pudesse não ter tempo de voltar ao corpo. Se isso acontecesse, a pessoa acordada ficaria sem alma e cairia doente.

Mesmo que a crença esteja errada, o que é curioso é que os modernos cientistas do sono dizem a mesma coisa: o despertar do sono deve ser sempre natural, espontâneo. Forçar repetidamente o acordar não é nada amigo da saúde.

É por isso, Fernandinho, que eu tento aparecer sempre de mansinho...

quinta-feira, junho 24, 2021

OS VALORES DA EDUCAÇÃO E A EDUCAÇÃO DOS VALORES, N.º 3

 OS VALORES DA EDUCAÇÃO E A EDUCAÇÃO DOS VALORES, N.º 3


Vou ralhar com eles?... Vou dar-lhes os parabéns?...

Voltei onde vou de tempos a tempos comer à pressa. Consolava-me a ideia de ir pedir outra vez o gelado de baunilha com cobertura de caramelo e pedaços de amêndoa. Esta semana ainda não comi doce nenhum, ora, seria o pecado da gula da semana.

O atendimento foi mais lesto que o costume. Daria tempo para comer devagar. Praticamente à minha frente, o meio da sala a separar-nos, na mesa redonda cercada por um separador específico, um aglomerado de gente jovem. Contei 3 raparigas e 6 rapazes, numa mesa destinada a 4 pessoas. Rapaziada de 10.º ano, certamente.

9 jovens, bem juntinhos num espaço duplamente fechado: o interior da sala e a cerca alta da própria mesa.

Pensei em ir falar com eles, hesitei porque não queria ralhar com eles, não queria sequer admoestá-los, pensava como poderia falar-lhes ganhando-os para os bons cuidados sanitários — a situação com a covid-19 está tão difícil em Lisboa! Também não queria ouvir deles uma resposta torta, não sei como reagiria depois.

Cheguei finalmente a uma formulação que me pareceu cheia de possibilidades de sucesso. Mais ou menos assim: «Tenho estado ali a olhar para vocês, entra pelos olhos dentro de qualquer pessoa que vocês são todos muito amigos uns dos outros, era bom que muita gente fosse assim como vocês. Agora, não sei se têm a noção de que o que noutras alturas seria um convívio de amigos exemplar, agora é um convívio de amigos perigoso, e os amigos nunca são perigosos para os amigos. Reparem como vocês estão: todos sem máscara, num dos dias mais perigosos da covid-19 em Lisboa, num espaço pequenino, muito fechado e, reparem, todos vocês a respirarem e a falarem para o mesmo ponto, o centro da mesa. À vossa volta, está tudo fechado, o ar sobe e, como não sai, não se espalha e volta a descer, para o meio de vocês, e vocês continuam a respirar e a falar alegremente uns com os outros. Se um de vocês está positivo, naturalmente, sem o saber, o risco para os outros amigos todos é enorme, é um risco grande, grande, grande. Que pena não poderem estar aqui completamente à vossa vontade!...»

Repeti para mim o cordial aviso, a convencer-me que era mesmo só aviso e que era mesmo cordial. A repetição foi fatal, eles começaram a levantar-se com os tabuleiros nas mãos. Confesso que também senti algum alívio.

Em dirigindo-se para fora do estabelecimento, dividiram-se em dois grupos pequenos, um saiu por uma das portas, o outro pela outra. 2 rapazes colocaram logo a máscara sanitária, bem colocada; outros 2 colocaram-na a tapar apenas a boca; as 3 raparigas tinham as máscaras no pescoço e assim as deixaram ficar; 1 rapaz levava a máscara na mão e o último nem isso. Digo último porque ficou mais para trás, era nítido que procurava uma superfície espelhada onde pudesse ver se estava bem penteado ou não e, sem a ver, enfiando os dedos no cabelo, desenrascou-se como pôde.

Foram para a esplanada. Agora eu já tinha de virar claramente a cara para a minha direita para continuar a vê-los e eu queria mesmo ver o comportamento espontâneo de todos eles. Tentaram fazer uma ‘selfie’ de grupo, mas pareceu-me que a coisa não correu bem - só os tais 2 de máscara bem colocada.

Continuam os 9 juntos. Agora estão 4 rapazes com a máscara bem posta; as 3 raparigas continuam com as máscaras no pescoço. O rapaz vaidoso do cabelo agora já tem uma máscara na mão e acaba por colocá-la correctamente; está só 1 rapaz com a máscara abaixo do nariz, boca tapada.

As 3 raparigas afastam-se, depois afastam-se 2 rapazes. Ficam os 4 que primeiro colocaram bem a máscara, a conversarem uns com os outros. Continuo a pensar que teria sido bom falar com eles.

Saboreio agora o gelado. Entra outro grupo de jovens, dois ou três anos mais velhos que os da mesa redonda. Conto-os: são 4… 5; não, outros há que entraram pela segunda porta, no total ficam 8, 3 raparigas e 5 rapazes. Apuro o ouvido, não percebo o que dizem… Ah, pois claro, falam estrangeiro, inglês, entre eles.

Dos 5 rapazes, um é chinoca, o outro é bem pretinho e outro parece um loiro do Leste europeu. Todos de máscaras muito bem postas. Conversam entre eles, vão para os ecrãs de pedidos, nenhum mexe na máscara.

Estão finalmente os 8 sentados, na mesa mais larga e mais ao centro da sala, lugar facilmente arejável. Nenhum tira a máscara e continuam a conversar entre eles em inglês.

Só quando os tabuleiros da comida chegam eles tiram as máscaras.

Eu, que estava a comer o gelado lentamente, apressei-me. Não, desta vez não queria falhar a oportunidade, nem sequer antecipei o bom discurso.

Cheguei-me a eles, perguntei-lhes se algum falava português e que grupo era aquele. Respondem-me 2 ou 3, dizem falar português. 2 calam-se para que se ouça o outro, certamente o líder do grupo: «Somos amigos, só isso, combinámos encontrar-nos aqui hoje, olhe, eu, por exemplo, sou de Almada e vim aqui só para me encontrar com estes meus amigos.»

Não quis perguntar mais nada, todos eles se tinham calado para me ouvir. Dei-lhes os parabéns, disse-lhes que os tinha visto entrar e que que apreciei muito o cuidado de todos no uso da máscara, eram um bom exemplo para toda a gente. Desejei-lhes bom almoço, repeti os parabéns, desejei-lhes um bom convívio, boa sorte e muita saúde.

Até o tal que me parecia do Leste, de hambúrguer parado entre o tabuleiro e a boca fez questão de me agradecer num português de estrangeiro, alto, para ter a certeza de que eu o ouvira. Fui-me embora, ia satisfeito. 

quarta-feira, junho 23, 2021

OS VALORES DA EDUCAÇÃO E A EDUCAÇÃO DOS VALORES, N.º 2

OS VALORES DA EDUCAÇÃO E A EDUCAÇÃO DOS VALORES, N.º 2

Os tipos de amor: benevolente, por dever e sufocante.

Falando com uma colega ao telefone, soube que há poucos dias, num conselho de turma, uma professora propôs que fosse indicado para o Quadro de Valor da escola um aluno que, no seu entender, mostrava mérito para tal.

O Quadro de Valor, nas escolas do ensino público, reconhece os alunos que, individualmente, revelaram atitudes de superação de dificuldades, tomaram iniciativas ou realizaram acções exemplares na escola ou na comunidade, ou se destacaram como representantes dos alunos pelo seu sentido de dever, responsabilidade, justiça e equidade… e por aí adiante, revelando comportamentos/desempenhos exemplares unanimemente reconhecidos por todos."

Dizia a minha colega que, ao longo dos 2 anos em que tinha sido professora de Cidadania e Desenvolvimento, pudera observar as permanentes iniciativas de um dos seus alunos no sentido de ajudar, não apenas um colega com diagnóstico de perturbação psicológica, mas também outros colegas, em quaisquer circunstância das aulas ou do convívio informal na escola, sobretudo se estava em causa a expressão de intranquilidade pessoal, insegurança ou alguma ansiedade disruptiva. O rapazinho sempre agia com muita paciência, tolerância, cordialidade e carinho. O seu sorriso e a calma na voz tinham efeito apaziguador imediato, disse-me a minha colega. Nunca, em caso algum, o rapazinho agiu com força física ou voz autoritária.

Ora, a generalidade dos colegas (um ou outro, não) comentou no sentido do que a tradicional ambiência judaico-cristã ou católica-apostólica-romana nos põe a dizer: o aluno não fez mais do que a sua obrigação.

Penso que este é um bom exemplo do amor por dever, segundo as categorias de June Bingham. É, diz-me a minha percepção profissional, o tipo de amor ainda dominante nos professores.

Quanto aos pais, penso que se se repartem mais igualitariamente pelas 3 categorias, e tenho a percepção de que nos casais jovens cresce — ainda bem! — o número de pais de amor benevolente (muitas vezes em reacção ao amor por eles mesmos recebido enquanto filhos).

Mas também parece crescer o número de pais que não entram nestas 3 categorias, simplesmente porque, de todo, não amam: é o desamor, é a rejeição, é a indiferença.(1)

Imaginamos escolas para o século XXI, deleitamo-nos com as maravilhas dos recursos digitais e fabricamos maravilhosos projectos de aprendizagem mista (presencial e à distância); e estamos cada vez mais distantes das atitudes, dos comportamentos e das estratégias pedagógicas que alimentam a boa pessoa da criança e do jovem.

Noutros textos que tenho escrito tenho procurado dar exemplos de como pode ser tão fácil educar uma criança.

Muitos professores são lestos a marcarem faltas de castigo, a mandarem os alunos para fora da sala de aula e a levantarem processos disciplinares aos alunos; mas até os caracóis são mais rápidos que os professores a levantarem processos de louvor aos alunos.

O bem puxa o bem, o bom leva ao bom — é preciso que pais e professores não se esqueçam desta tão óbvia evidência. É sempre assim, claro que não é! Mas experimentemos todos a prodigalizar a palavra de louvor e o gesto de apreço aos nossos filhos e alunos que vamos todos ver se a estatística dá ou não dá razão e esta minha asserção.

Se a Escola e a Família marcam passo, o Desporto vai um pouco mais adiante: já há alguns anos, o Instituto Português do Desporto e da Juventude lançou a iniciativa do Cartão Branco, "um recurso pedagógico que visa enaltecer condutas eticamente corretas, praticadas por atletas, treinadores, dirigentes, público e outros agentes desportivos." Tem sido muito usado - sim, muito - sobretudo nas camadas mais jovens dos praticantes do desporto, seja individual ou colectivo; seja de entretenimento ou de competição.

Um forte abraço ao @João Capela!

(Espero vir a falar, sem que passe muito tempo, em amor e educação; amor benevolente; amor por dever; amor sufocante)
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(1) Como alguns de nós, psicólogos e educadores, temos dito, o contrário do amor não é o ódio, é a indiferença, a indiferença afectiva.

A MORTE, A RAZÃO E O AMOR

 A MORTE, A RAZÃO E O AMOR

Fernandinho, hoje estou quase em êxtase místico... Esta noite deitei-me a ouvir um dos personagens de
Thomas Mann dizer:

«Quero ser bom. Não quero que a morte tome conta dos meus pensamentos! [...] O amor opõe-se à morte, só ele, e não a razão, é mais forte do que a morte. Só ele, e não a razão, pode resultar em pensamentos bons. [...] Se o homem quer cultivar a bondade, não pode permitir que a morte tome conta dos seus pensamentos.».

Perguntas-me se dormi bem... Olha, que nem o João do António Nobre: foi um regalo, senti-me o mais inocente de todos os que dormiam.

terça-feira, junho 22, 2021

OS VALORES DA EDUCAÇÃO E A EDUCAÇÃO DOS VALORES, N.º 1

 OS VALORES DA EDUCAÇÃO E A EDUCAÇÃO DOS VALORES, N.º 1

Vamos desafiá-los, vamos deixar-nos desafiar por eles.

O primeiro passo da longa e muito necessária caminhada parece mais um provocador movimento de pés num ringue de boxe - mas não nos esquivemos a ele!

«É precisamente pelo que há de novo e revolucionário em cada criança que a educação deve ser conservadora; deve preservar essa novidade e introduzi-la como uma coisa nova em um mundo antigo, que, por mais revolucionárias que as suas ações podem ter sido, é sempre, do ponto de vista da geração seguinte, obsoleto e a chegar-se à destruição.»
Hannah Arendt, “The Crisis in Education”, 1954

Exactly for the sake of what is new and revolutionary in every child, education must be conservative; it must preserve this newness and introduce it as a new thing into an old world, which, however revolutionary its actions may be, is always, from the standpoint of the next generation, superannuated and close to destruction.

EINSTEIN E OS PRÉ-SOCRÁTICOS; E DEUS

 EINSTEIN E OS PRÉ-SOCRÁTICOS; E DEUS

Fernandinho, sabes que Einstein estava perto dos filósofos pré-socráticos de que tu falas tantas vezes aos teus alunos? Dizia ele: "Nenhuma ideia é concebida na nossa mente sem recurso aos nossos cinco sentidos". 

É por isso que abres sempre a janela para veres o nascer-do-sol, não é? Para veres, sentires, estares; e escutares os sons da manhã.

E sabes que Einstein escreveu aquilo para te dizer para não esperares por Deus mas para acreditares em ti e no que acontece no teu corpo e no teu pensamento? É como se Deus te dissesse: "Ouve-te a ti mesmo".

segunda-feira, junho 21, 2021

PODE SER TÃO FÁCIL EDUCAR UMA CRIANÇA... N.º 2

 PODE SER TÃO FÁCIL EDUCAR UMA CRIANÇA... N.º 2

Estou na esquina duma rua de passeio largo, bem largo. Espero por uma colega e amiga que me vai apanhar para um almoço em casa duma amiga comum. A esquina cruza uma avenida de intenso movimento automóvel com uma rua em que, nos cerca de 30 minutos que ali estive, o fluxo de veículos automóveis é o mais contrário possível ao da grande avenida: é praticamente nulo.

A certa altura, do lado da avenida grande, no passeio largo, bem largo, vejo vir na minha direcção uma
criança e a mãe. A mãe vem com um saco grande em cada mão, parecem pesados pela postura corporal da senhora. A criança traz um brinquedo na mão.

Quando passam por mim, a mãe vem à frente. Faz já a curva para a rua sem movimento automóvel quando a criança também passa atrás de mim. Precisamente nesta altura, a criança grita: «Ai o meu chapéu! Mãe!!!»

Volto-me para trás. A criança, uns 6 anos de idade, está parada, parece ter os pés colados ao chão. Em pose de estátua, olha a mãe. A mãe, quase reflexamente, diz para a criança: «Eu vou buscar.» Só depois olho na direcção em que a mãe, mesmo carregada, seguiu que nem bala.

Aparentemente, uma pequena rajada de vento tirara para fora da cabeça da criança um chapéu que já devia estar bem à beirinha de dali cair. O chapéu está ali perto da criança.

Olho em volta: o passeio é mesmo largo. Até aos carros há ainda uma bem recente faixa de bicicletas, bem sinalizada e bem delimitada. Não está mais ninguém por perto. Concluo que a situação não traz nenhum risco ou perigo para a criança.

Mas a mãe, pressurosa, já está a baixar-se para o chapéu, que jaz ali bem quietinho à espera de ser apanhado. Segura-o com dificuldade numa das mãos, que, repito, está já ocupada com um grande peso. A criança continua sem se mexer, segue o movimento da mãe com o olhar. Apercebe-se que a mãe se dirige a ela, estende a mão direita (que a esquerda guardava o brinquedo), mas não dá o mais leve passo em direcção à mãe.

«Toma lá — disse a mãe, quase sem olhar a criança, é que os sacos estariam mesmo a levar-lhe as forças todas  —, anda p’ó carro.» E a criança lá foi, andando muito lentamente, atrás da mãe.

Oportunidade perdida, pensei eu. Naquele contexto, teria sido fácil a mãe reagir assim ao grito de aflição da criança: «Vai apanhá-lo, ele não sai dali, não há perigo dos carros, não tenhas medo… Já está?... Boa! Assim é que é! Valente!»

É, valentes são as meninas e os meninos se os pais lhes dão oportunidade de porem em acção a sua valentia. Desta vez, a mãe não deu essa oportunidade; e o comportamento da criança mostrou-me que não foi a primeira vez que não recebeu da mãe a palavra e o estímulo de confiança que ela, criança, precisava — e gosta de receber.


domingo, junho 20, 2021

AS VOLTAS QUE O MUNDO DÁ, FERNANDINHO

AS VOLTAS QUE O MUNDO DÁ, FERNANDINHO

Já bufámos de perder a paciência com as gruas que não desgrudam dali. Mas, olha, se não fossem elas, agora não sabias onde me encontrares. Vá, vamos ao dia!

sábado, junho 19, 2021

FERNANDINHO, HOJE SINTO-ME ESPECIALMENTE INSPIRADO

 FERNANDINHO, HOJE SINTO-ME ESPECIALMENTE INSPIRADO

Por exemplo, hoje. Sabes o que me apetecia escrever se estivesse a ver o que tu estás a ver?...

Ora escuta: "Desafio pairando sobre o rio a ponte é uma miragem..."

Sou um grande inventista, não sou?

sexta-feira, junho 18, 2021

OS VERSOS QUE TE TROUXE DE ESPANHA

OS VERSOS QUE TE TROUXE DE ESPANHA

Chamei-te. Chamaste-me.
Brotámos como rios
Alçaram-se ao céu,
Misturados, os nomes.
Como vês, Fernandinho, de Espanha não é só aquela coisa do nem bom vento, nem bom casamento.

quinta-feira, junho 17, 2021

QUE PENSAS TU, FERNANDINHO, COM VISÃO TÃO SERENAMENTE ESTIMULANTE?

 QUE PENSAS TU, FERNANDINHO, COM VISÃO TÃO SERENAMENTE ESTIMULANTE?


Olha, deu-me para pensar na liberdade... Sabes, há um provérbio dos indígenas norte-americanos que diz assim (Deixa-me fazer livremente a tradução):

"A torrente, que se precipita sem parar, é mais livre que o rochedo por onde passa?"

Quase me apetece dizer à Fernando Pessoa: Pensar a liberdade é não vivê-la - mas não podemos deixar de pensar... ... ... Sabes, acho que os índios têm razão.

quarta-feira, junho 16, 2021

AS AULAS DE PSICOLOGIA, A EDUCAÇÃO, OS NETOS E OS AVÓS

 AS AULAS DE PSICOLOGIA, A EDUCAÇÃO, OS NETOS E OS AVÓS

A acabar as aulas, impressionante este testemunho de um muito querido aluno. É o último capítulo do seu trabalho monográfico de Psicologia.

Um precioso alerta para todos nós, para as relações humanas que cultivamos uns com os outros.

"Durante este trabalho, consegui aprender imensas coisas novas sobre o meu sujeito monográfico, sobre mim, e sobre as pessoas com quem vivi a minha vida toda. E essa foi a parte mais impressionante do trabalho todo. Por um lado, pode ser fascinante, mas, por outro, preocupante, no sentido em que precisei de compor um trabalho na escola para ficar a conhecer e a interessar-me pelas pessoas com quem me dou todos os dias.

Eu gosto de pensar que sou uma pessoa muito positiva e que não se preocupa com quase nada, porque eu não gosto de ficar horas a fio a pensar numa coisa estúpida que fiz há mais de 10 anos atrás.

E foi com esta mentalidade que comecei este trabalho monográfico, ia perguntando algumas histórias, mas não estava muito interessado em acabá-lo porque sabia que tinha um ano inteiro para o acabar. Foi durante uma história de quando o meu sujeito era pequeno e se tinha magoado muito a subir a uma árvore que me lembrei da minha avó materna. Por muito que a minha avó materna não interesse muito na história de vida do meu avô, influenciou-me muito enquanto autor e na maneira como acabei por realizar o trabalho.

A minha avó materna, desde que me lembro, sempre foi muito infantil e brincalhona e adorava-me porque eu era [uma pessoa] igualzinha a ela. Ela adorava os meus abraços. Todos os domingos tínhamos de ir a casa dela, que fica a uns 200 metros de nossa casa, para tratar da sua medicina e sempre achei uma seca. Afinal de contas, sempre tomei a minha avó como garantida, no sentido em que sempre estaria ali para brincar e rir-se das minhas piadas.

Quando começou a história da covid-19 e do confinamento, a minha avó continuava a mesma de sempre, sem perceber a situação em que estávamos. Pedia-me os meus abraços de sempre, mas eu, como tinha medo de a infetar, dizia para ela esperar até esta maluquice acalmar. Havia imensas coisas que, por muito más que fossem, me irritavam, como a relação difícil que tinha com a filha, a minha mãe, e da maneira como fazia infantilidades que não lembravam a ninguém.

Ela teve de ser operada ao estômago, antes da Covid, porque estava com problemas de saúde, e como a operação não correu muito bem então tiveram de agendar mais uma para outra vez. Infelizmente como os hospitais estavam muito ocupados com a Covid, porque estava na pior fase, estavam sempre a adiar quaisquer cirurgias ou problemas não relacionadas com a Covid.

Num dia como todos os outros, enquanto estava em casa do meu pai a jogar videojogos, recebo uma chamado do meu pai a avisar-me que a minha avó tinha falecido. Não me abalou muito ao início porque pensei que a morte era uma coisa inevitável.

Porém, depois quando a minha mãe me avisou que ela tinha morrido sozinha no seu apartamento, as memórias do quanto eu me podia ter dado melhor com ela, e que devia ter-lhe dado aqueles abraços, vieram. Decidi que não quereria cometer de novo este erro e que me iria esforçar mais para conhecer os meus avós paternos.

Foi uma parte muito importante enquanto trabalhava porque me lembrava que fazia o trabalho não só pela nota, mas também por mim.

Obrigado a todos os que participaram neste trabalho de alguma forma."

sábado, junho 05, 2021

À VOLTA DOS AFECTOS: MULHERES E CADELINHAS; LIVROS E AMIZADES

 À VOLTA DOS AFECTOS: MULHERES E CADELINHAS; LIVROS E AMIZADES


Decido, por impulso, fazer um 'raid' aos alfarrabistas de livros da Baixa.

À hora do café da meia-manhã, entro num pequenino estabelecimento. À minha esquerda, apoiando-se no balcão, um cliente saboreia a imperial atravessada, não sei se seria a primeira.

À porta eu desviara-me dum pequeno cão, peludo de preto e branco. Recebo o café e, enquanto lhe dou as mexidelas automáticas com a colher (não ponho açúcar no café), o cãozinho, de rabito a abanar, aproxima-se de mim, cheira-me o sapato, eu faço-lhe uma festa. O pequeno peludo abana mais a cauda, está a gostar das festas.

Olho o circunstancial parceiro de café, ele sorri-me e diz-me: «Ela é assim dada, gosta de festas.» Pronto, afinal, ele é ela. Ainda bem que não disse nada, não fosse ofender a feminina sensibilidade de quem tão alegremente se sacudira aos meus afagos.

A cadelita, ao ouvir a familiar voz, chega-se à perna do dono, que então se baixa para também lhe fazer festas. Fala com ela, diz coisas que eu não consigo apanhar: «Tu, logo... amanhã vais... na segunda ficas...» Bem, fiquei com a ideia de que iria mandar cortar o pêlo à cadela e pô-la com ar fresco e bonito, o Verão está a chegar.

Levanta-se e encosta-se de novo ao balcão, fala para o empregado, que é-lhe seguramente pessoa familiar. Ri-se e parece dizer um segredo ou fazer uma revelação: «Não tenho nada contra as mulheres, mas esta bate-as todas...» Ninguém comenta, numa espécie de diplomático "Quem cala consente"; e o dono da cadelita fica contente.

Por momentos tomo consciência do complexo mundo dos afectos: os afectos dos seres humanos entre si e os afectos dos seres humanos com os animais.

Já estou quase a entrar no primeiro alfarrabista, ali a começar a Calçada do Duque. Nem um minuto passara lá dentro e o livro que eu mais desejava encontrar, neste ou noutro alfarrabista, quase se escancara à minha frente: revisão de 1976 da tradução francesa de 1947 do original alemão de 1921 - é isso, exactamente de há 100 anos. 5 euros, só!

Saio para outras capelinhas, faço um círculo. Na última, saciada a fome de livros, chega-me a outra. O simpático alfarrabista aconselha-me as bifanas ali mesmo ao virar da esquina, na Rua do Duque. Acabo por preferir o prato do dia, os chocos à Lagareiro. Que boa opção fiz!

Confortado de ambas as fomes, já a descer as escadinhas ao pé da tasca da Ginginha, cruzo-me com a minha querida amiga Tânia. Não estivemos de modas: 3 valentes abraços, entre conversas de matar saudades e anunciar projectos. Sim, 3 abraços, três, os das contas que Deus fez; e a gente não sabe quando daremos o próximo, por isso, há que aproveitar.

Tânia, já tomei nota do dia de te desejar muita merda: 16 de Julho, certo? Beijinho grande! 

quarta-feira, junho 02, 2021

OUTRA FRASE DE EINSTEIN, É SOBRE O OLHAR

 OUTRA FRASE DE EINSTEIN, É SOBRE O OLHAR

mas esta é para os crescidos, que as crianças fazem isso sem serem mandadas:

«Olhem para a Natureza, e então irão compreendê-la melhor.»
E já sei o que estás a pensar, Fernandinho, ora escuta: "Sim, olhar primeiro; deixar que as sensações que o olhar traz se espalhem pelo corpo todo; esperar que o corpo crie sentimentos com as sensações; só depois, na consciência, pensar com palavras a partir dos sentimentos", não é?
Sabes, Einstein tem uma frase que sei que vais gostar muito, ele disse-a a um dos teus mestres da Psicologia, o Max Wertheimer, é assim: "Só muito raramente penso com palavras. Surge um pensamento e, posteriormente, talvez tente exprimi-lo por palavras".

A JUVENTUDE E A VELHICE, EINSTEIN E EU

 A JUVENTUDE E A VELHICE, EINSTEIN E EU

Concordo com Einstein em muitas coisas que ele diz. Nesta, na verdade, penso de maneira diferente, direi mesmo, completamente ao contrário.

Diz Einstein, numa carta que escreveu para a rainha Isabel da Bélgica em 3 de Janeiro de 1954. Tem ele 73 anos:

"Na juventude cada pessoa e cada acontecimento nos parecem únicos. Com a idade, tornamo-nos muito mais conscientes de que acontecimentos semelhantes se vão repetindo. Mais tarde, fica-se menos vezes contente e surpreendido, mas também menos desapontado."

Pois eu penso, mais, eu sinto-me bem diferente dele: com a idade tenho-me tornado cada vez mais fascinado com as pessoas, que me parecem cada vez mais diferentes umas das outras, e, em geral, com histórias pessoais riquíssimas que eu ganharia muito em conhecer.

São histórias que só estão à espera de quem as saiba ouvir ou de quem saiba despertar nos protagonistas a vontade de as contar. Valorizamos tão pouco as pessoas!... São tesouros tão preciosos!

E tanto me encanta a mundividência de uma criança de 8 anos, como a de um velho de 80.

segunda-feira, março 15, 2021

GÉNERO NEUTRO E O REI SALOMÃO: REFLECTIR E INFORMAR PARA ENTENDER, n.º 1

 GÉNERO NEUTRO E O REI SALOMÃO: REFLECTIR E INFORMAR PARA ENTENDER, n.º 1


1) Precisamos de, nos tempos que correm, voltar à sabedoria do rei Salomão para entender o que se vai espalhando por aí, fruto da intensa motivação de uns, da envergonhada ignorância de outros...
(Não há mal nenhum em ser-se ignorante; o mal é querer parecer o que não se é para manter os privilégios do posto político e do estatuto social a que se chegou e de que não se quer sair contra tudo e contra todos)
... da passividade tolerante, acomodada ou indiferente de outros; e de mais outras escondidas e não esclarecidas motivações.
Na clássica história do rei Salomão, a mulher que não é, e sabe que não é, progenitora da criança, já que não pode ser progenitora, quer ser mãe - a mãe! Como vê o desejo fugir-lhe das mãos, vai ao ponto de concordar com o rei Salomão em dividir a criança ao meio. É como se dissesse: «𝘚𝘪𝘮, 𝘲𝘶𝘦 𝘴𝘦 𝘥𝘪𝘷𝘪𝘥𝘢 𝘢 𝘤𝘳𝘪𝘢𝘯𝘤̧𝘢 𝘢𝘰 𝘮𝘦𝘪𝘰! 𝘕𝘦𝘮 𝘱𝘢𝘳𝘢 𝘢 𝘰𝘶𝘵𝘳𝘢, 𝘯𝘦𝘮 𝘱𝘢𝘳𝘢 𝘦𝘭𝘢! 𝘌𝘶 𝘯𝘢̃𝘰 𝘴𝘰𝘶 𝘮𝘢̃𝘦, 𝘮𝘢𝘴 𝘵𝘶 𝘵𝘢𝘮𝘣𝘦́𝘮 𝘯𝘢̃𝘰 𝘴𝘦𝘳𝘢́𝘴! 𝘗𝘰𝘥𝘦𝘳𝘢́𝘴 𝘵𝘰𝘥𝘢 𝘢 𝘷𝘪𝘥𝘢 𝘤𝘩𝘢𝘮𝘢𝘳𝘦𝘴-𝘭𝘩𝘦 𝘧𝘪𝘭𝘩𝘰, 𝘮𝘢𝘴 𝘯𝘶𝘯𝘤𝘢 𝘰 𝘵𝘦𝘳𝘢́𝘴 𝘤𝘰𝘯𝘵𝘪𝘨𝘰 𝘦 𝘦𝘭𝘦 𝘯𝘶𝘯𝘤𝘢 𝘵𝘦 𝘤𝘩𝘢𝘮𝘢𝘳𝘢́ "𝘮𝘢̃𝘦"!»
Enredados em justificações cada vez mais sofisticadas, sem que consigam o apaziguamento afectivo interior que tanto procuram, os intensos defensores do apagamento das marcas biológicas, sociais, culturais e civilizacionais dos géneros, pedem à Palavra que anule a evidência da realidade.
Diz António Damásio que "a linguagem é um instrumento extraordinário na criação dos seres humanos que hoje somos. Claro também que a linguagem expande o campo de ação da mente consciente. Contudo a linguagem não constrói a consciência."
Eu acrescento que também não constrói a realidade.
Todos temos direito a sentirmo-nos bem na nossa pele; todos temos direito a fruir o agradável sentimento de bem-estar; todos temos direito ao conforto e à tranquilidade do apaziguamento interior das nossas insuficiências pessoais interiores (se eu fosse psicólogo de inspiração psicanalítica diria "falhas narcísicas").
𝗖𝗼𝗺 𝘁𝗿𝗲̂𝘀 𝗹𝗲𝘁𝗿𝗶𝗻𝗵𝗮𝘀 𝗮𝗽𝗲𝗻𝗮𝘀 / 𝘀𝗲 𝗲𝘀𝗰𝗿𝗲𝘃𝗲 𝗮 𝗽𝗮𝗹𝗮𝘃𝗿𝗮 𝗺𝗮̃𝗲. / 𝗘́ 𝗱𝗮𝘀 𝗽𝗮𝗹𝗮𝘃𝗿𝗮𝘀 𝗽𝗲𝗾𝘂𝗲𝗻𝗮𝘀 / 𝗮 𝗺𝗮𝗶𝗼𝗿 𝗾𝘂𝗲 𝗼 𝗺𝘂𝗻𝗱𝗼 𝘁𝗲𝗺.
Há gente muito empenhada em apressar a chegada do "Admirável Mundo Novo" de Aldous Huxley - quando, paradoxalmente, a obra foi escrita precisamente como um alerta para a ele não chegarmos.

sábado, março 13, 2021

MOVE-TE POR VALORES, NO DESPORTO E NA EDUCAÇÃO

 MOVE-TE POR VALORES, NO DESPORTO E NA EDUCAÇÃO


Pensamento divergente, pensamento criativo. Pensamento cordial e grato que faz os professores sentirem-se bem e reconhecidos no seu devido valor. Neste futebol eu alinho!

sábado, fevereiro 27, 2021

POLÍTICA E EDUCAÇÃO, 9/52 - O PÃO DA MESA E O PÃO DA CULTURA

 POLÍTICA E EDUCAÇÃO, 9/52 - O PÃO DA MESA E O PÃO DA CULTURA


«Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão»
, desabafa, há muito, a sabedoria popular.

Victor Ângelo, conselheiro em segurança internacional e ex-secretário-geral-adjunto da ONU, deu-nos ontem um artigo no Diário de Notícias que acaba assim:

«Ruídos recentes levaram-me a escrever este texto. Refiro-me à polémica sobre os brasões na Praça do Império frente ao Mosteiro dos Jerónimos, à ideia demolidora que trouxe o Padrão dos Descobrimentos para as redes sociais ou, ainda, ao passamento de um antigo militar que ganhou as suas medalhas no campo da guerra colonial. A paixão extrema das posições assumidas por muitos mostra, uma vez mais, que ainda não conseguimos falar com serenidade do Portugal que virou a página há quase 50 anos. Ora, sem esquecer o acontecido, os muitos problemas que temos pela frente pedem que passemos ao capítulo seguinte. Caso contrário, andaremos em conflito com nós próprios, absortos aos tiros nos pés, para o proveito e gáudio de quem nos quer manter distraídos.»

Quase ao estilo do “Mais Platão, menos Prozac”, Wilhelm Reich, esse autor maldito, recomendava aos líderes das vanguardas populares que especulassem menos acerca do “processo histórico” e dos “processos subjectivos” e se preocupassem em saber — e, consequentemente, em cuidá-los — quais os concretos anseios e necessidades das “massas”.

Pois, 100 anos depois, continuamos de colher de pau na mão a mexer, mexer, mexer e remexer, o mesmo caldo histórico-ideológico, cheios de especulações vanguardistas, “para vosso bem”, para bem de todos.

Tenho insistido por aí que, quais cogumelos, são cada vez mais os que conhecem a árvore, a árvore singular, e, em razão da genuína crença de que a conhecem com cristalina clareza, são tomados de poderosas e inebriantes elações afectivas, se autoconvencem de que conhecem a floresta inteira. Da crença assim tão entusiasticamente sentida resultam comportamentos que fazem lembrar outro provérbio, o que diz que «Cadela apressada pare os filhos cegos».

Os números estão aí bem escancarados à vista de todos, tanto a nível do nosso País como a nível mundial: a diferença entre os poucos muito ricos e os muitos muito pobres tem-se acentuado; e a pandemia tem acelerado o crescimento dessa diferença.

Especificamente a propósito da pandemia, veja-se a ultrajante diferença na distribuição das vacinas contra o vírus da covid-19: uma imensa vergonha civilizacional.

Para o cidadão comum, o pão nosso de cada dia continua a ditar a sua consciência de classe, o vigor do seu entusiasmo ou protesto cívico.

No que diz respeito às questões directas e indirectas do texto de Victor Ângelo, temos por exemplo o caso de Mamadou Ba (figura circunstancialmente incontornável na generalidade dos meios de comunicação social) que há tempos afirmou, numa entrevista televisiva e radiofónica, que foi quando a bolsa de estudo, que lhe ia permitindo viver e estudar em Portugal acabou e que teve de ir trabalhar, que teve consciência dos problemas; digo eu, dos problemas dos que não têm bolsas, não têm trabalho, ou têm-no mas são muito mal pagos.

As crises são oportunidades, dizem os moderníssimos mentores sociais e empresariais — até são oportunidades para convencer “as massas populares” que têm de suportar as dificuldades laborais, os baixos salários e, não obstante, vencerem psicologicamente os seus sentimentos de frustração e de revolta, numa espécie de «Sou feliz. Sinto-me realizado, venci a minha revolta. Sou escravo, sou um escravo moderno, sou um escravo feliz, sou um escravo realizado.»

Os temas explícitos ou implícitos no texto de Victor Ângelo remetem-nos (é um verbo que os pensadores dos processos históricos gostam muito de usas, o verbo remeter) para os Descobrimentos, o Ultramar, a Colonização, a Descolonização, o Império, a Glória e a Tragédia Camoniana, o Destino Vieirino e Pessoano; o Racismo e o Antirracismo.

Tudo é o que é e é também o seu contrário, digo eu constantemente aos meus alunos de Psicologia.

O Racismo e o Antirracismo são o que são e são também o seu contrário. A História dos Povos está cheia de exemplos de racismos e lutas antirracistas, não apenas por causa da cor da pele, e também entre peles de igual cor.

Vivemos tempos em que o Antirracismo é, mais uma vez, luta legítima; mas é também oportunidade de promoção pessoal, social e económica, bem alinhada com os tradicionais mecanismos de destaque e promoção que a Comunicação Social e as Redes Sociais hoje em dia aceleram especialmente. Continuamos a ter necessidade de, seja no campo do Antirracismo, seja noutros campos, levar em boa atenção o bíblico aviso de sabermos separar o trigo do joio.

Bem, se continuo a escrever, acabo por me tornar no contrário do que quis ser, acabo por me tornar o tal autoproclamado líder vanguardista visionário que entende o processo histórico da coisa e, "para vosso bem", decide o destino das massas populares.

«Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão».

Senhores líderes das massas populares, tratem mas é de pôr o pão na mesa dos operários e camponeses que hão-de um dia arrebatar o poder à burguesia, como cantava a 'velha' canção festivaleira que veio com o 25 de Abril… Olhem, como um dia nos deixou o poeta António Aleixo, que nunca andou pelos televiseiros festivais: «Vós que lá do vosso império / prometeis um mundo novo, / calai-vos, que pode o povo / qu'rer um mundo novo a sério.»

E, senhores poderosos, não se esqueçam de abrir as livrarias!, a Natália Correia bem reclamou num intenso desabafo pessoal: «Sou uma impudência a mesa posta / de um verso onde o possa escrever / ó subalimentados do sonho! / a poesia é para comer.»

Livro também são pão — há por aí muita gente de dietas muitos esquisitas e muito pobres do pão e da cultura dos livros; mas pensando que sabem tudo.

Caro Victor Ângelo, gostei muito de ler o seu texto! Gostava agora de que considerasse este meu como consonante e não em oposição ao seu.

sábado, fevereiro 20, 2021

POLÍTICA E EDUCAÇÃO 8/52 - PIOR QUE A IGNORÂNCIA É A PRESUNÇÃO DO CONHECIMENTO

POLÍTICA E EDUCAÇÃO 8/52 - PIOR QUE A IGNORÂNCIA É A PRESUNÇÃO DO CONHECIMENTO

Com frequência idêntica, tenho participado neste mês de Fevereiro, em dois conjuntos de reuniões regulares, à distância, através da Internet.

No primeiro, que junta educadoras de infância e professores do ensino básico ao secundário, abordamos as temáticas do Género, da Igualdade e da Cidadania. As reuniões acontecem no âmbito das acções de formação profissional a que as educadoras e os professores estão obrigados a fazerem regularmente. O universo de participantes é o formado pelos profissionais da educação e do ensino sob a tutela do 
Ministério da Educação.

No segundo, que junta profissionais “psi” e afins, distribuídos por todo o mundo, conversa-se à volta dos temas da Saúde Mental e da Educação para a Saúde. São encontros de participação livre, com gentes de todo o Mundo. Já consegui identificar colegas de Espanha, França, Itália, Dinamarca, Polónia, Suíça, Argélia, Cabo Verde, Brasil, Martinica, México; e, naturalmente, Portugal.

Neste segundo grupo abundam os cabelos brancos e as cabeças já sem cabelos. São pessoas com muita experiência profissional, em instituições públicas, em acções de rua, em consulta privada. Percebe-se que são pessoas com muita experiência, que lêem muito, que estudam muito; e que estão naturalmente motivados para observarem as realidades concretas, distintas das suas próprias realidades — estão naturalmente motivados para conhecerem mais e melhor, e para aprenderem; até para escaparem ao sempre iminente risco de se conformarem ao que já sabem e mais cedo ou mais tarde faz as pessoas tomarem a nuvem por Juno. Nestas reuniões, a dinâmica é mesmo a da conversa, a da partilha, a da reflexão entre todos. Escuta-se e fala-se. Há uma sede serena de procura da informação.


No primeiro grupo, entretanto, a sensação por que sou tomado é outra. Dispondo o grupo de um recurso digital de comunicação à distância poderoso (de provas dadas ao longo de muitos anos de experiência e aperfeiçoamentos sucessivos), em que se torna possível a dinâmica síncrona e assíncrona da comunicação entre formadora e formandos; e a constituição de bancos partilhados de dados, informações e documentos, a comunicação está reduzida ao mínimo possível, exclusivamente síncrona, com comunicação quase exclusivamente unidireccional, a fazer lembrar intenções de endoutrinamento.

É precisamente este grupo que me impõe à consciência a imagem da ignorância e da presunção sábia. A presunção de que conhecendo uma árvore, a árvore singular, se conhece a floresta toda. É o primado do pensamento sincrético, insuficientemente informado, por isso, produtor de comportamentos desajustados, ambíguos, errados. Ora, na esfera da Educação, do ensino pré-escolar ao ensino universitário, em que as crianças, os alunos, os estudantes vão progredindo, crédulos e cheios de boa-fé na capacitação e na competência de quem os educa ou ensina, isto é perigoso… muito perigoso!

Num notável artigo publicado n’ “O Referencial” (edição de Out-Dez 2020, n.º 139) o Procurador-geral Adjunto Jubilado Pena dos Reis escreve que “o que ameaça o êxito do pensamento científico na sociedade é a extraordinária persistência e generalização do pensamento mágico”, identificando neste 3 níveis. O segundo nível, diz ele, “é aquele que cria modelos susceptíveis de poderem ser confirmados ou infirmados pela observação, mas que desvaloriza o papel desta (da observação) no processo de consolidação do que se pode afirmar como verdade."

Por seu lado, o Professor José Mattoso, na entrevista que o semanário Expresso publicou ontem, quando lhe perguntam «Há uma boa e uma má maneira de fazer a História?» ele responde: «Sem dúvida. Uma maneira má é esquecer a relação entre os factos e as suas causas ou consequências. Os factos não acontecem por acaso. Temos sempre de os medir, situar, contextualizar, atribuir a um sujeito. Só assim podemos fazer deles uma narrativa. Só assim podemos fazer boa História. Além disso, temos de respeitar os factos sem pretender julgá-los. Também não podemos pôr os factos (ou seja, a sua narrativa) ao serviço de uma causa, por melhor que ela seja.»

Podemos praticamente transpor na íntegra estas palavras da História para a Educação e o Ensino.

Sim, o pensamento sincrético, mal informado, que confunde a nuvem com Juno e faz da singular árvore a floresta inteira, é um perigo real que espreita hoje em dia, a todo o momento, a Educação e o Ensino.

Na mesma entrevista ao Expresso, perguntam ao Professor José Mattoso: «A Idade Média é a Idade das Trevas?» Ele responde: «O conceito de Idade das Trevas aplicado à Idade Média resulta de um equívoco ou de ignorância pura e simples. É verdade que a cultura medieval muitas vezes confundia magia e superstição com religião autêntica, e que via milagres e intervenções divinas um pouco por toda a parte. Mas não podemos generalizar a toda a sociedade o que consideramos crendice. Também não podemos esquecer o incalculável valor da arte medieval expressa nas grandes catedrais, nem a genialidade do pensamento teológico demonstrada por um autor como São Tomás de Aquino. Não são produtos das trevas. A expressão Idade das Trevas apareceu primeiro no Renascimento, quando a cultura europeia redescobriu a estética greco-romana e, depois, no século XVIII, quando os intelectuais franceses atribuíram à filosofia iluminista o papel de fonte de toda a política civilizada. O pressuposto depreciativo da expressão só revela a ignorância de quem a usa.»

A mim próprio faço a pergunta: «A Idade dos Dias de Hoje é a Idade das Trevas?», e não me sinto nada bem com a resposta que me vem à cabeça.

sábado, janeiro 23, 2021

POLÍTICA E EDUCAÇÃO, 3/52 - QUANTO VALEM AS OPINIÕES?

 POLÍTICA E EDUCAÇÃO, 3/52

QUANTO VALEM AS OPINIÕES?

1. O direito de opinião é consagrado na generalidade dos textos constitucionais dos países democráticos; e também das organizações políticas supra-nacionais. As limitações a este direito são habitualmente sinal de limitação das liberdades pessoais, regra geral, impostas à força por lideranças contrárias ao espírito e às práticas democráticas.

2. As redes sociais na Internet vieram permitir que, para além das opiniões proferidas pelos governantes, os jornalistas e todos aqueles que em geral têm acesso aos órgãos de comunicação social, as opiniões de muitos cidadãos passassem a aparecer no espaço público, genérico e anónimo, para além de serem emitidas no círculo restrito da família, dos amigos, da empresa; e da escola.

3. Para além das questões que se costumam colocar acerca da ética, ou da responsabilidade, ou da honestidade, na expressão duma opinião, será interessante olhá-la do ponto de vista do fenómeno psicológico que é, nas suas dimensões cognitiva, comunicacional e inter-pessoal.

4. Passaram mais de 40 anos da aula de Psicologia Social Clínica em que, nas instalações provisórias da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação de Lisboa, na Rua Pinheiro Chagas, o Professor Pina Prata nos deu uma aula de que nunca mais me esqueci. O assunto central da aula foi o Processo Decisional.

5. Numa teorização que lhe era muito própria, ele apresentava-nos a Opinião como a segunda fase de um processo pessoal, consciente, no final do qual o sujeito (cada um de nós) toma uma Decisão, escolhe uma opção, profere uma sentença.

6. O Processo Decisional tem, esquematicamente 3 fases, sendo a Opinião (dimensão afectiva) a 2.ª fase e a Decisão (dimensão operativa) a 3.ª. Qual é a primeira? A 1.ª é a Informação (dimensão cognitiva).

7. É da nossa natureza humana formarmos opiniões, opiniões acerca de tudo com que contactamos. As opiniões podem ser sustentadas pelas crenças e pelas certezas; as opiniões podem ser bem informadas, intensamente intuídas, altamente ou levemente especulativas.

8. Na notável obra “O Livro da Consciência”, António Damásio, profundamente ciente da necessidade de distinguir o que se sabe com segurança do que se sabe mal e do que não se sabe praticamente nada, ao longo dos capítulos usa formulações que espelham os graus de certeza e de incerteza de que falo. Identifiquei-lhe uma vintena (falhei seguramente outras): “Tenho a certeza…”, “Sugiro…”, “Proponho…”, “Imagino…”, “Em minha opinião…”, “Com toda a probabilidade…”, “Acredito…”, “Suspeito…”, “À maneira de hipótese de trabalho…”, “Postulo…”, “Irei especular…”, “Julgo que…”, “Provavelmente…”, “Presumo…”, “É possível que…”, “Especular sobre…”, “Não se sabe ao certo…”, “Segundo me parece…”.

9. No mesmo livro, num pequeno capítulo com o nome “A sensação de vontade consciente”, António Damásio escreve assim: «Com que frequência somos guiados por um inconsciente cognitivo bem ensaiado, treinado sob a supervisão da reflexão consciente para cumprir os ideais, anseios e planos concebidos conscientemente? Com que frequência somos guiados por predisposições, apetites e desejos biologicamente antigos, enraizados bem fundo e inconscientes? Imagino que a maioria de nós, pecadores fracos mas bem-intencionados, se regule por ambos os registos, ora mais por um, ora mais por outro, dependendo da situação e da hora do dia. Seja qual for o registo em que funcionemos, mais virtuoso ou menos virtuoso, a actuação no «momento» é inevitavelmente acompanhada pela impressão, umas vezes falsa, outras vezes não, de que actuamos aí e naquele momento, com pleno controlo consciente».

10. Ora bem, as predisposições, os apetites e os desejos de que fala António Damásio, em hora de muitas verdades, não são informações. Por exemplo, quando temos de tomar decisões sobre os perigos de uma pandemia. Estamos predispostos a reagir aos ataques dos vírus, apetece-nos fazer coisas de que gostamos, desejamos estar livres dos perigos. Só que nada disto nos informa acerca dos perigos dum vírus causador de uma pandemia, e nada disto nos protege da virulência do vírus.

11. A cada indivíduo, numa pandemia, cabe informar-se, formar uma opinião e tomar uma decisão; a cada governo cabe exactamente o mesmo, só que a um nível de regulação do comportamento dos grupos humanos, das sociedades.

12. Perguntas diferentes confrontam-nos com quantidades diferentes de informação. Três exemplos: “Como é a vida depois da morte?”, "Como é que se fazem pastéis de Belém?" e “Qual é o grau de perigosidade do vírus da covid-19?” Não obstante as diferenças, não será que devemos sempre procurar toda a informação possível, reduzir o grau de incerteza e estar menos dependentes das nossas crenças e das nossas intuições – que, em geral, estão mais vezes erradas do que certas? No caso concreto do pastel de Belém, o que temos é precisamente a centenária sonegação absoluta da informação: a receita culinária. Nos outros 2 casos, a Vida está aí inteiramente aberta a que nós obtenhamos toda a informação.

13. As decisões que tomamos, com base nas informações que temos e nas crenças a que nos agarramos, nas situações importantes da vida, são marcadas pelo desejo de prudência ou pelo apetite (ou motivação) do risco. Quando é cada um a decidir acerca da sua própria vida, e na medida em que a decisão não afecte negativamente a vida de outros, é uma coisa; quando temos de tomar decisões que tenham consequência directa na vida dos outros é outra coisa — mas o dilema é o mesmo em ambas as situações: optamos pela prudência ou pelo risco?

14. Na minha opinião, cabe à Educação a essencial tarefa social de ajudar os mais novos a irem experimentando em si mesmos o vai-vém entre a prudência e o risco, e o alerta para a necessidade de sustentarem as suas opiniões com a melhor informação possível. Até para que um dia não venham a fazer parte de governos que não saibam precisamente isso: calcular adequadamente o balanço entre a prudência e o risco nas decisões que se reflectem na vida dos cidadãos que governam.

15. Há uma máxima (de tanto partilhada, tornou-se anónima — cá está: perdeu-se a informação de quem foi o seu autor —, ou foi apropriada por este ou aquele outro autor) que diz assim: “O barco está mais seguro no porto. Mas não foi para isso que os barcos foram construídos”. Esta máxima, de tão óbvia que é, torna-nos tentadores do risco. Só que também nos tornámos sábios a prever os mares encapelados e as tempestades, e a medir as nossas forças ao lado das forças dos mares e das tempestades — nestes casos manda a sabedoria e a prudência que nos recolhamos a um porto seguro.


domingo, janeiro 10, 2021

Qual é coisa, qual é ela, que nasce com a Pessoa, a Educação consolida, a Escola abala, a Economia esquece e a Política esmaga?

 POLÍTICA E EDUCAÇÃO, 2/52

Qual é coisa, qual é ela, que nasce com a Pessoa, a Educação consolida, a Escola abala, a Economia esquece e a Política esmaga?
1) E a resposta é… a Tolerância.
2) Como sempre, um título não diz tudo; e quanto maior, pior. Por isso, há que esclarecê-lo, há que, neste caso, modulá-lo, matizá-lo.

3) Para começar esse cuidado de matização, a definição, circunstancial, de Tolerância: numa conversa com o filósofo Paul Ricoeur, Jean-Pierre Changeux, biólogo e professor de Neurobiologia, enumera-a ao lado da Boa Vontade e da Paciência, depois de a referir a propósito de tentar Compreender — no caso concreto da sua fala, a propósito das religiões.
4) Não vamos complicar a definição de Tolerância, apenas proporei considerar que a Tolerância tem a ver com identificar diferenças, aceitar as diferenças, agir respeitando as diferenças e não tentar, mesmo que cordialmente, convencer os outros que as nossas crenças, as nossas perspectivas, os nossos valores, são melhores, mais justos e mais correctos.
5) No mesmo diálogo, Paul Ricoeur diz assim a propósito do uso da palavra Tolerância: “A tolerância passa, de facto, por diversos limiares: no primeiro limiar, consiste em suportar o que não é possível evitar. Mas, é preciso passar desta tolerância forçada a uma tolerância aceite e escolhida. É do interior da relação com o fundamental que há convicções diferentes da minha. A partir daí, a tolerância já não é imposta por terceiros que me dizem: guarde os seus limites, não vá mais longe; terceiros que, de fora, me impõem um constrangimento. É de dentro que reconheço que há outros diferentes de mim, pensando de maneira diferente da minha. Se assim é, o problema da tolerância ultrapassa a relação da ciência e da religião, abrange todas as convicções. Não é só a ciência que detém a chave do problema da violência entre os homens.”
6) A Tolerância nasce com cada ser humano. Sim, cada vez mais as espantosas experiências “ovo-de-colombo”, que os incríveis estudiosos do comportamento humano conseguem conceber, mostram que é assim; e mostram também outros afectos, outras necessidades e motivações — e confirmam que cada criança que nasce não é um anjo celestial que se junta a outros.
7) A Educação não terá o radical poder que António Aleixo sintetiza dos versos que dizem «Sou apenas o produto / Do meio onde fui criado»; mas tem mesmo muito poder! Tem o poder de consolidar o que de melhor o ser humano traz consigo à nascença, e o poder de amaciar, dominar, o que traz de pior. E Educação é, antes de mais, influência parental e familiar — naturalmente aceite pela criança.
8) A Escola abala. Sim, a Escola passou a aparecer na vida da criança como a primeira — e muito valorizada! — instituição social que influencia o desenvolvimento da criança, sendo até a Família a primeira instituição social a reconhecer, aos olhos da criança, a importância da Escola e do que nela fazem com as crianças e os jovens seus filhos (seus, da Família). Acontece que a Escola actual é marcada, cada vez mais, por objectivos de capacitação livresca, conhecimento fragmentado e competição entre alunos — nunca houve tantos ‘rankings’ como agora, nem prémios de excelência por se ser melhor que os outros; e a Escola põe os alunos a disputarem entre si décimas e centésimas nas suas avaliações escolares finais. A Escola, nos dias de hoje, não é socialmente agregadora, é selectiva e desadequadamente competitiva.
9) A Economia esquece. Para a Economia actual, dominada pela expansão ilimitada, sustentada no crescimento constante e no consumismo permanente, de usa-e-deita-fora, a Tolerância é uma perda de tempo — e Tempo é Dinheiro! Há muito que é assim, e não se vê maneira de deixar de ser.
10) A Política esmaga. Depois da invasão do coração da instituição parlamentar dos Estados Unidos da América do Norte, o Capitólio, é preciso dizer mais alguma coisa? Na Europa, o radical movimento a favor da Tolerância aconteceu no início da década de 50 do século XX, quando os pais fundadores da actual União Europeia ousaram quebrar a lógica tradicional dos vencedores e dos vencidos e inventaram o projecto da Europa Unida — que é feito, nos dias de hoje, desse ideal de Paz, Tolerância e União?
11) Num artigo de opinião, na edição do Público de ontem, o sociólogo António Barreto escreve assim, a propósito da invasão do Capitólio: “Como foi possível? E como se pode evitar que seja novamente possível? Esse é o verdadeiro problema. Gente como esta, programas como este e políticas como esta só são possíveis, em democracia, porque os democratas deixam, porque a democracia tem tantos ou mais defeitos, porque os democratas e as esquerdas se transformam em figuras detestáveis de arrogância e suficiência. Porque os democratas decretam e protegem os seus privilégios e nunca se esquecem de defender os seus.”
12) As interrogações postas por António Barreto obrigam-nos a trazer à reflexão o célebre Paradoxo da Tolerância de Karl Popper; e obrigam-nos a pensar a sério que queremos fazer com a Educação e a regulação da Justiça Social e Política.
13) Por cá, no jardim à beira mar plantado, que tema central tem sido debatido até à exaustão, mas que sem que ninguém consiga dar a volta convincentemente? Precisamente a tolerância com André Ventura e o o partido que lidera, o Chega: aceita-se ou não um dirigente político, ou um partido político assim, num ministério governamental, ou mesmo com primeiro-ministro? É isso mesmo: não se chega a conclusão nenhuma; e porquê? Porque não há uma cultura social e político-social da Tolerância e dos valores afins: a Paciência e a Boa Vontade de que fala Paul Ricoeur; e também a Verdade, a Honestidade, a Coerência e o Respeito Humano.
14) Sim, no meu entender, temos vindo a acentuar nas sociedades — até nas que são geralmente apontadas como os grandes bastiões da Democracia — as reacções e os comportamentos de intolerância, numa triste regressão civilizacional que, na esfera da Religião, podemos equipara ao regresso ao olho-por-olho-dente-por-dente do Velho Testamento bíblico, que, precisamente, o Novo Testamento procurou amaciar e eliminar, substituindo-o pelo Perdão e pela Tolerância.
15) Não termos nós acabado de assistir a uma vitória da Tolerância? Estou a falar dos debates televisivos das eleições presidenciais portuguesas. Quais fora os debates em que se tiveram, como o próprio disse, conversas «porreiras», até com o intolerante/“intolerante” André Ventura? Foram todos os debates com o candidato Tino de Rans. Por todos os outros — e pela Comunicação Social, em geral — considerado uma carta fora do baralho, foi o único que que conseguiu expor, sem interrupções, e sem contraditórios deliberadamente a serem ouvidos por eleitores a arregimentar, as suas ideias, os seus pensamentos, as suas parábolas, a sua cultura simples. Será que a Simplicidade é um valor irmão da Tolerância? Acho que o Tino de Rans mostrou-nos que sim, que é.
16) Tino de Rans teve o condão de pôr todos os outros candidatos a ouvi-lo, todos eles sem duas pedras na mão. Ele é que os motivou com as suas 4 pedras, a fazer lembrar a pedra do viajante que inventou a Sopa de Pedra. E como conseguiu ele isso? Os outros, como sempre o consideraram como não sendo perigoso, dispuseram-se a ouvi-lo — e seguramente todos eles aprenderam com ele! Além disso, mesmo quando contraditou os seus oponentes — e poucas vezes o fez — fê lo sempre com Simplicidade e Tolerância.
17) Ao não o considerarem, com genuína boa-fé, adversário perigoso, os outros candidatos presidenciais, curiosamente, chegaram-se ao sentimento natural, genuíno que nos bebés alimenta os comportamentos de tolerância; e esta, hein?
18) A Política Intolerante é a negação da própria Política. Será possível conceber a Política, em sentido estrito, sem Tolerância? Se não pensarmos assim, que temos nós, afinal, aprendido com a Grécia Antiga que tanto louvamos nas suas realizações e nos seus escritos?