POLÍTICA E EDUCAÇÃO 8/52 - PIOR QUE A IGNORÂNCIA É A PRESUNÇÃO DO CONHECIMENTO
Com frequência idêntica, tenho participado neste mês de Fevereiro, em dois conjuntos de reuniões regulares, à distância, através da Internet.
No primeiro, que junta educadoras de infância e professores do ensino básico ao secundário, abordamos as temáticas do Género, da Igualdade e da Cidadania. As reuniões acontecem no âmbito das acções de formação profissional a que as educadoras e os professores estão obrigados a fazerem regularmente. O universo de participantes é o formado pelos profissionais da educação e do ensino sob a tutela do
Ministério da Educação.
No segundo, que junta profissionais “psi” e afins, distribuídos por todo o mundo, conversa-se à volta dos temas da Saúde Mental e da Educação para a Saúde. São encontros de participação livre, com gentes de todo o Mundo. Já consegui identificar colegas de Espanha, França, Itália, Dinamarca, Polónia, Suíça, Argélia, Cabo Verde, Brasil, Martinica, México; e, naturalmente, Portugal.
Neste segundo grupo abundam os cabelos brancos e as cabeças já sem cabelos. São pessoas com muita experiência profissional, em instituições públicas, em acções de rua, em consulta privada. Percebe-se que são pessoas com muita experiência, que lêem muito, que estudam muito; e que estão naturalmente motivados para observarem as realidades concretas, distintas das suas próprias realidades — estão naturalmente motivados para conhecerem mais e melhor, e para aprenderem; até para escaparem ao sempre iminente risco de se conformarem ao que já sabem e mais cedo ou mais tarde faz as pessoas tomarem a nuvem por Juno. Nestas reuniões, a dinâmica é mesmo a da conversa, a da partilha, a da reflexão entre todos. Escuta-se e fala-se. Há uma sede serena de procura da informação.
No primeiro grupo, entretanto, a sensação por que sou tomado é outra. Dispondo o grupo de um recurso digital de comunicação à distância poderoso (de provas dadas ao longo de muitos anos de experiência e aperfeiçoamentos sucessivos), em que se torna possível a dinâmica síncrona e assíncrona da comunicação entre formadora e formandos; e a constituição de bancos partilhados de dados, informações e documentos, a comunicação está reduzida ao mínimo possível, exclusivamente síncrona, com comunicação quase exclusivamente unidireccional, a fazer lembrar intenções de endoutrinamento.
É precisamente este grupo que me impõe à consciência a imagem da ignorância e da presunção sábia. A presunção de que conhecendo uma árvore, a árvore singular, se conhece a floresta toda. É o primado do pensamento sincrético, insuficientemente informado, por isso, produtor de comportamentos desajustados, ambíguos, errados. Ora, na esfera da Educação, do ensino pré-escolar ao ensino universitário, em que as crianças, os alunos, os estudantes vão progredindo, crédulos e cheios de boa-fé na capacitação e na competência de quem os educa ou ensina, isto é perigoso… muito perigoso!
Num notável artigo publicado n’ “O Referencial” (edição de Out-Dez 2020, n.º 139) o Procurador-geral Adjunto Jubilado Pena dos Reis escreve que “o que ameaça o êxito do pensamento científico na sociedade é a extraordinária persistência e generalização do pensamento mágico”, identificando neste 3 níveis. O segundo nível, diz ele, “é aquele que cria modelos susceptíveis de poderem ser confirmados ou infirmados pela observação, mas que desvaloriza o papel desta (da observação) no processo de consolidação do que se pode afirmar como verdade."
Por seu lado, o Professor José Mattoso, na entrevista que o semanário Expresso publicou ontem, quando lhe perguntam «Há uma boa e uma má maneira de fazer a História?» ele responde: «Sem dúvida. Uma maneira má é esquecer a relação entre os factos e as suas causas ou consequências. Os factos não acontecem por acaso. Temos sempre de os medir, situar, contextualizar, atribuir a um sujeito. Só assim podemos fazer deles uma narrativa. Só assim podemos fazer boa História. Além disso, temos de respeitar os factos sem pretender julgá-los. Também não podemos pôr os factos (ou seja, a sua narrativa) ao serviço de uma causa, por melhor que ela seja.»
Podemos praticamente transpor na íntegra estas palavras da História para a Educação e o Ensino.
Sim, o pensamento sincrético, mal informado, que confunde a nuvem com Juno e faz da singular árvore a floresta inteira, é um perigo real que espreita hoje em dia, a todo o momento, a Educação e o Ensino.
Na mesma entrevista ao Expresso, perguntam ao Professor José Mattoso: «A Idade Média é a Idade das Trevas?» Ele responde: «O conceito de Idade das Trevas aplicado à Idade Média resulta de um equívoco ou de ignorância pura e simples. É verdade que a cultura medieval muitas vezes confundia magia e superstição com religião autêntica, e que via milagres e intervenções divinas um pouco por toda a parte. Mas não podemos generalizar a toda a sociedade o que consideramos crendice. Também não podemos esquecer o incalculável valor da arte medieval expressa nas grandes catedrais, nem a genialidade do pensamento teológico demonstrada por um autor como São Tomás de Aquino. Não são produtos das trevas. A expressão Idade das Trevas apareceu primeiro no Renascimento, quando a cultura europeia redescobriu a estética greco-romana e, depois, no século XVIII, quando os intelectuais franceses atribuíram à filosofia iluminista o papel de fonte de toda a política civilizada. O pressuposto depreciativo da expressão só revela a ignorância de quem a usa.»
A mim próprio faço a pergunta: «A Idade dos Dias de Hoje é a Idade das Trevas?», e não me sinto nada bem com a resposta que me vem à cabeça.
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