segunda-feira, outubro 28, 2019

CRESCE O EVITAMENTO AO CONTACTO DIRECTO COM O CONSUMIDOR

CRESCE O EVITAMENTO AO CONTACTO DIRECTO COM O CONSUMIDOR...
... e cresce o email como poderoso objecto contrafóbico

Dir-me-ão, ao ler o que a seguir vou escrever, que de uma andorinha faço a Primavera.

Seria isso, sim senhor, se fosse o primeiro caso que me ocorresse; e se eu não tivesse falado, até mais do que uma vez, nos últimos anos, nas redes sociais, em situações semelhantes.

Liguei para um dos números de telefone que a empresa indicava na Internet. Logo me respondeu uma senhora, «Sim, [o nome da empresa], o que deseja?»

Tentei ser breve, mas disse tudo o que precisava à senhora — o essencial, no fundo, era perguntar se tinham, e onde ficava, uma loja em Lisboa onde eu pudesse ir.
A senhora ficou em silêncio do outro lado da linha, dizendo-me depois: «Sim, temos uma loja em Lisboa, na Rua de São Bento, mas, olhe, espere um bocadinho, se faz favor…»
Esperei.
Desta vez a senhora demorou mais tempo… «Está lá, desculpe a demora, olhe, em vez de vir cá, o melhor é o senhor mandar um email…»
Bem, assim que a senhora falou no email, interrompi-a: «Minha senhora, desta vez quem pede desculpa sou eu. Ora vamos cá ver: à minha escola foi atribuído um equipamento, equipamento esse que é muito interessante e de que eu quero mais 2 ou 3 exemplares. A entidade que nos deu o equipamento disse-me que são os senhores que têm esses equipamentos à venda. Disse-lhe há pouco que, na sessão oficial em que o equipamento nos foi atribuído, eu vi um determinado modelo; na carta de confirmação que depois recebi, mandam-me uma fotografia dum modelo diferente; fui ao vosso ‘site’, e os senhores não têm nem um, nem outro - nem o que me deram, nem o da fotografia. A senhora já me disse que sim, que foi a vossa empresa que forneceu esses equipamentos, confirmou-me que não têm o modelo que forneceram à entidade no mostruário do vosso 'site', reconhece que isso certamente será um lapso,  e, como a senhora também já me disse, têm outros dois diferentes, e a senhora quer que eu escreva um email? A dizer o quê?...»
Novo silêncio da senhora; e depois: «O senhor tem razão, venha cá, a nossa loja está aberta das 9 às 19 horas, de segunda a sexta». «Obrigado! Num dia destes apareço aí, bons dias!» «Bom dia e obrigada!»
E desliguei.

domingo, outubro 27, 2019

A PEDAGOGIA DO PROFESSOR EMPREGADO DE CAFÉ

A PEDAGOGIA DO PROFESSOR EMPREGADO DE CAFÉ (1)
(transcrição integral do 'post' que publiquei hoje no Facebook)

Com toda a sinceridade, eu conheço muitos empregados de café cuja inteligência e capacidade de trabalho me fascinam extraordinariamente; mas imaginar assim os professores, sujeitos aos ditames de tantos (des)governantes da Educação, eh pá!, a caricatura é extraordinária!

E atenção! Se alguém me disser: «Ó Fernandinho, se querias atacar os ministros da Educação socialistas do nosso País, tira o cavalinho da chuva! Estás a ver que é um problema geral?», eu respondo: «Isto só me dá razão! É que a situação aqui identificada e analisada não é de TODOS as sociedades e sistemas educativos, mas tão só daqueles de que somos historicamente dependentes - e gostaria eu muito que desses sistemas imitássemos outras coisas, algumas delas excelentes exemplos de acolhimento e trabalho escolar.»
«Declaração [de Outubro de 2015] de Philippe Meyrieu, pedagogo, sobre as crianças de hoje:

"Vivemos, pela primeira vez, numa sociedade em que a grande maioria das crianças que vêm ao mundo são crianças desejadas. Isso implica uma reversão radical: antigamente, a família "criava filhos", hoje é a criança que faz a família. Ao cumprir o nosso desejo, a criança mudou de ‘status’ e tornou-se o nosso professor: não podemos recusar nada à criança, correndo o risco de nos tornarmos "maus pais"...
Esse fenómeno foi listado pelo liberalismo mercantil: a sociedade de consumo coloca, de facto, à nossa disposição uma infinidade de aparelhos que precisamos de comprar para satisfazer os caprichos dos nossos filhos.
Essa conjunção de um fenómeno demográfico e o surgimento do capricho globalizado, numa economia que faz com que as compras impulsionem a matriz do comportamento humano, prejudicam as configurações tradicionais do sistema escolar.
Por ter ensinado recentemente no CM2(1), depois de uma pausa de vários anos, não fiquei tão impressionado com a queda no nível quanto com a dificuldade extraordinária de conter uma turma semelhante a uma panela de pressão.
No geral, os alunos não são violentos ou agressivos, mas não ficam sossegados nos seus lugares. O professor precisa de gastar do seu tempo tentando construir ou restaurar um quadro estruturante. Ele é muitas vezes forçado a praticar uma "pedagogia do empregado de café", indo de um para o outro para repetir individualmente uma instrução dada coletivamente, acalmando alguns aqui, colocando outros de volta ao trabalho ali.
Ele é vampirizado por uma exigência permanente de interacção individual. Ele esgota-se a tentar diminuir a tensão e a recuperar a atenção dos alunos. No mundo do ‘zapping’ e da comunicação "em tempo real", com uma oferta permanente de efeitos que solicita uma reacção pulsional imediata, torna-se cada vez mais difícil "ir à escola". Muitos colegas preocupam-se diariamente com a impossibilidade de fazer o que Gabriel Madinier definia como a própria expressão da inteligência, "a inversão da dispersão".
Como alguns pais não criam mais os filhos em função do colectivo, mas a bem do seu crescimento pessoal, é de lamentar que a cultura tenha deixado de ser um valor compartilhado ".»
A pista é do Gonçalo Santos. Obrigado! Abraço!
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(1) Extracto duma entrevista ao "Le Monde", em 2 de Setembro de 2011.
(2) Escalão do sistema escolar francês.