Na sexta-feira passada cheguei à escola um pouquinho mais tarde que o costume. A riscar o estar atrasado! Detesto chegar atrasado às aulas!
Logo que passei o portão de entrada, estuguei ainda mais o passo, para atacar as escadas tão depressa quanto pudesse. Um grito de criança, atrás de mim, obrigou-me a parar, ainda não chegara sequer ao primeiro degrau: "Amigo!..." Voltei-me. A correr para mim, de mão esticada, francamente aberta à procura da minha, um lindo sorriso de criança transportou consigo estas tão aconchegantes palavras: "Que bom começar o dia a cumprimentar um amigo!..."

Ali estava eu, parado, preso às minhas próprias palavras. As nossas mãos trocaram-se. Os olhos do petiz, francamente postos nos meus, eram o eco saboroso do sentido das palavras que agora a memória confirmava. Os dentes brancos, alinhados como se deseja, uns a seguir aos outros, mantinham, bem pertinho, o sorriso luminoso que antes, mais longe, me prendeu à beira das escadas. Sim, tomei consciência que estava a testemunhar que alguém um dia escutou as palavras que eu disse; um dia as sentiu; e as guardou; e hoje as trouxe ao sítio e ao momento de que eu agora quase fugia.
Evidentemente, perdi toda a pressa - aquele era um momento de ouro, que apareceu trazido pelo coração notável de uma criança que sabe reconhecer e sabe ser grata. Que pede pouco e que tem noção do que vale muito - pelo menos para si própria. Olho-a no tamanho que o 5.º ano de escolaridade torna possível aos alunos. Mas só uma criança deste tamanho, com o coração e o pensamento que as crianças deste tamanho têm, faz o que esta fez.
Uma criança, ou jovem, mais velho, aluno da escola, ter-me-ia olhado com benevolência e teria desabafado, pelo menos, em pensamento: "Deixa-o ir, já vai atrasado, coitado..."
Acabei por subir as escadas com o vagar do costume, olhando com quem me cruzava. Os meus alunos, quando pouco depois entrasse na sala de aula, seguramente me perdoariam (hummm... não deveria ter escrito "agradeceriam"?) o excepcional atraso.
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