Ao longo do desenvolvimento pessoal acontecem duas coisas em simultâneo, no que à informação diz respeito:
Uma delas: sendo naturalmente curiosa, a criança procura as coisas, a informação, o conhecimento.
A outra: a informação vem ter com a criança; mais, procura-a intencionalmente, ataca-a mesmo - vejam-se, por exemplo, os cada vez mais abundantemente conteúdos e canais televisivos que às crianças são dedicados; os sofisticados brinquedos; os jogos electrónicos ali bem pertinho, nos telemóveis dos pais.
As crianças - naturalmente, espontaneamente; deliberadamente, humildemente e sabiamente - procuram digerir o fluxo de informação gerado pelo que criam e também pelo que recebem. Reconhecendo-se incapazes de assimilarem sozinhas toda a informação com que lidam, humildemente procuram ajuda; e fazem-no junto de quem? Junto daqueles que a organização natural, cultural e social dominante lhes atribuiu como interlocutores privilegiados logo desde o nascimento: os pais, e a seguir os irmãos e os avós - ou seja, a família, em geral.
Um pouco mais crescidos, juntam a estes o interlocutor escola.
São incontáveis os exemplos que ilustram a intenção e o esforço das crianças para receberem ajuda no entendimento da informação. Há um que considero especialmente delicioso, de que já falei neste blogue, há mais de 10 anos (Uff! Como o tempo passa!...), em que Philip Roth, num dos seus livros, põe uma criança a perguntar assim à mãe: «Mãe, nós cá em casa acreditamos no Inverno?» (1) (Sim, é mesmo Inverno, não é inferno). A pergunta mostra que a criança sabe espontaneamente que nem toda a informação é válida; mais: que ela própria não é o único juiz que decide acerca de qual é a informação válida - a informação válida é gregária e agregadora, com centro na família de pertença.
Ora bem, aquilo a que assistimos hoje em dia é, na minha opinião, a um cada vez menos lento - e sempre muito trágico - esboroar dos filtros familiares e, em geral, educativos básicos, que permitem à criança peneirar a boa informação. As crianças e os jovens são abandonados à sua sorte, os pais põem-lhes écrãs (cada vez mais tácteis) à frente e esperam que os 'softwares', os programas e as aplicações, desenhadas por "especialistas" da educação entretenham, estimulem cognitivamente e eduquem os filhos. Na escola, os professores são também industriados a seguirem cada vez mais estes caminhos, com as famosas e "poderosas" ferramentas da Educação do Século XXI...
Os anos passam, as crianças crescem... Como foram ajudadas a pensar? Como lhes foi apoiado o desenvolvimento do sentido crítico? Como foi respeitada a sua liberdade de pensar e fazer escolhas?
Grau Zero da discussão: Olhar é proibido, ser atraente é... desaconselhado.
Tese 1: Porque me morrem os manjericos?
Tese 3: Espelho meu, há alguém mais bonito do que eu?
Tese 4: Querem lá ver que o idiota... sou eu.
Tese 5: Quem não precisa de favores de ninguém rega mesmo quando chove.
Tese 6: É a Política, estúpido, mas não só!
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(1) https://fernandonaescola.blogspot.com/2007/04/mam-c-em-casa-acreditamos-no-inverno.html
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Nem de propósito!, Hugo.
ResponderEliminarDepois de ter escrito esta "tese", e a n.º 4, fui ao ginásio, para a sauna semanal. No balneário, logo a seguir a ter escolhido o cacifo, chegou-se um sujeito, enorme, na casa dos trinta e mais alguns anos. Ao lado dele, um pequerrucho, de 3-4 anos e luminosos e fartos caracóis. Eu estou à ponta do longo banco rectangular e eles à minha esquerda, ocupando todo o comprimento. Da secção central do balneário (nós estávamos na primeira) ouve-se um barulho invulgar, barulho que rapidamente cresce aos ouvidos. Eu e a criança olhamos nessa direcção, o pai do miúdo, debruçado sobre o banco, está de costas.
O barulho é de uma muleta metálica, vulgar, segurada por um indivíduo aparentando a redonda meia centena de anos. Está completamente nu, e bamboleia exuberantemente uma paralisia cerebral. Está todo molhado, vem saído do duche. O miúdo segue-o sempre com os olhos, e assim continua até que o sujeito se coloca no nosso banco, do meu lado direito, e em frente do rapaz; o pai continua de costas, é que tinha-se sentado e preparava o equipamento de banho do filho.
Nada preocupado com o sujeito, que continuava a mexer-se exuberantemente, absolutamente limitado pelo seu défice físico e cerebral, o rapazinho virou-se para o pai e perguntou-lhe:
- «Pai, o que é aqu???»
O pai não lhe ligou uma, duas vezes, e o filho insistiu. Eu continuava sem entender bem o engasgamento, a dúvida, do miúdo: umas vezes parecia que dizia "aquilo", outras vezes "aquele". Confirmei-o: sim o atónito miúdo não sabia escolher entre "aquilo" e "aquele". E insistia com o pai. Até que este, sempre sem olhar, puxou o miúdo para si dizendo-lhe: «Vá, anda cá, não interessa, vira-te para aqui.» E o miúdo não teve mesmo outro remédio fazê-lo.
Não interessa?!... Não interessa?!... Claro que interessa!
Não vale a pena estar aqui a pormenorizar todas as dimensões e implicações contidas nesta ocorrência "educativa". Só duas ou três:
1) O miúdo dá atenção a um barulho, e depara-se com uma avalanche de informações que lhe são estranhas, mas ele não quer deixar de entender o que é, o que se passa.
2) O miúdo puxa do "filtro-pai": «Ajuda-me a ver, ajuda-me a entender o que é isto, o que é esta pessoa assim, aqui.»
3) Responder à pergunta da criança seria colaborar com a sua inteligência e com a sua sociabilidade espontânea.
4) A reacção do pai vai, contudo, no sentido de passar a seguinte mensagem ao filho: «Cresce e aparece, não tens inteligência para entender isto, e não deves dar atenção a pessoas assim. Vá, preocupa-te mas é contigo, larga os outros, e arranja-te para irmos p'rá piscina.»