Hoje fui a um organismo público, na Baixa de Lisboa.
Já me tinham confirmado, em conversa telefónica, um pouco antes, que lá alguém estaria à minha espera. Entrei onde nunca tinha entrado e dirigi-me ao senhor que estava ao balcão, com um écrã de computador do seu lado esquerdo, em diagonal. O senhor não estava ocupado com nada.
Saudei-o com os bons dias devidos nestas ocasiões, de acordo com a mais elementar etiqueta social, mas o senhor continuou a olhar para além de mim, trespassando-me, com expressão esfíngica mais indecifrável do que a da pedra que a baptizou originalmente. Olhei para trás de mim, uma senhora esperava com ar de que o assunto que a levara ali seria bem mais complicado do que o meu. Olhei outra vez a esfíngica face - esfíngica continuava.
"Instintivamente", olhei para o meu lado direito e dei com uma máquina servidora de senhas de atendimento. Fui-me a ela, A, B, C, D. Era o botão D. Dispara-me a senha 3. Oiço, logo a seguir, o som avisante do mostrador da parede do fundo, é para ele que agora olho. Estavam a chamar pela senha D3, a minha. Quem me chamava? O senhor de composição esfíngica. Desta vez, perguntou-me: «Senha 3?» Sim, respondi-lhe; e voltei a dar-lhe os bons-dias - desta vez respondeu-me; por sinal, educadamente. Perguntou-me o que queria e eu disse-lhe ao que ia, e quem ali me tinha mandado. Levantou-se e pediu-me para esperar um pouco. Aproveitei, e voltei a olhar a repartição toda - sim, ninguém mais tinha entrado naquele lugar. Volta o senhor. Bem!... Ele tinha-se tornado irreconhecível, que simpatia!, que sorriso luminoso!
A senhora que há pouco estava à espera atrás de mim agora sentara-se ao balcão ao lado do meu. A funcionária que fora lá dentro, regressara e dava más notícias à senhora, que eu adivinhara que tinha ali assunto mais complicado do que o meu. «Ai é?, muito bem. Olhe, diga então à dona XXXX que, quando quiser falar comigo, chame-me cá ou vá ter comigo, eu que não volto cá para falar com ela.»
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