24 de Agosto de 2007, sexta-feira (6.º dia)
Programa proposto:
Day 6. A gentle
walk across the plateau leads to Shira two
camp on moorland meadows by a stream (3850m, 1.5 hours). A variety of walks are
available on the plateau making this an excellent acclimatization day.
Dados da expedição para este dia:
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Ponto de partida:
Shira Camp 1 (3500 m)
·
Ponto de chegada:
Shira Camp 2 (3850 m)
·
Progressão em
altitude: 350 m
·
Distância
percorrida: 5 km
·
Tempo de
caminhada previsto: 5 horas (real: 05h04)
Condições do dia:
·
Nascer do sol: 06h53
·
Temperatura: na
tenda, 0º C; no exterior: -1º C
·
Condições de
tempo: céu completamente limpo; sem vento
Como de costume, a alvorada
“oficial” foi às 07h00. E o chá para desfazer o jejum matinal, às 07h30. O
pequeno-almoço, às 08h00. A saída para a jornada de hoje estava prevista para
as 08h30. Os horários continuam a ser cumpridos quase cronometricamente.
Tema de jornada n.º 1 – O Emanuel, o assistente do grupo
É hora
de apresentar o Emanuel. Quem é o Emanuel?
O Emanuel e o Man'el |
O
Emanuel é o membro da
equipa que nos garante o serviço das refeições no acampamento (o pequeno-almoço
e o jantar); e nos faz a entrega da refeição volante do almoço. É, digamos, o
nosso assistente. Todas as manhãs o Emanuel se certifica que nos levantamos à
hora prevista[1], traz-nos as bacias de
água quente para as
breves lavagens da manhã; e a seguir nos serve o chá. Pouco depois chama-nos
para a tenda do pequeno-almoço, onde acabámos por fixar os lugares[2].
A tenda das refeições e os lugares "marcados" |
2 dias mais tarde... Eh! Eh! Eh! |
O
Emanuel ainda nos ajuda
no ritual de preparação e distribuição da água a beber durante
o dia:
A preparação da água para a jornada do dia: a água é fervida no dia anterior, e filtrada; depois são adicionadas pastilhas desinfectantes. Só passadas 2 horas é que a água deverá ser consumida.
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Em rigor, a jornada de hoje
iniciou-se às 09h10. Logo hoje, que falámos da precisão cronométrica! Akuna
Matata!...
A temperatura já
tinha subido para os 14º C. O céu mantinha-se limpo, mas agora soprava um vento
ligeiro, agradável. Percorremos um chão de rocha, muito poeirento.
Aproveitando uma pequena pausa para
descanso, um de nós abordou o assunto das neves do Kilimanjaro com o guia António. Perguntámos-lhe se ele sabia
o que se dizia do aquecimento global e das neves do Kilimanjaro. O António pôs
um ar sério, bem distinto do ar simpático e brincalhão com que ele
constantemente procura manter-nos alegres e bem-dispostos. Percebemos que o
assunto não lhe era desconhecido e que não era a primeira vez que o abordava.
Tomou uma posição intimista, quase secretiva e disse-nos: Já vimos o Kilimanjaro sem neve nenhuma, talvez há 14 anos. E a neve
voltou depois. Já voltou muita. Vai e vem. Mas ele falava com uma expressão
de rosto que não confirmava o que as suas palavras pareciam dizer: que as neves
seriam eternas, num movimento cíclico de vai-vem. Não, a expressão do seu
rosto, e a tonicidade dos seus gestos não transmitiam tranquilidade, nem
confiança; nem receio, também. Mostravam a seriedade de uma questão que estava
ligada a uma forma de ganha-pão, por exemplo, para garantir o prosseguimento
dos estudos da filha; e mostravam também a convicção na crença que a seguir
exprimiu com clareza: Para mim, o Kilimanjaro,
as neves do Kilimanjaro estão na mão de Deus, e só dele. Só ele sabe o futuro
das neves do Kilimanjaro. Estas afirmações denunciam que ele (eles) já se
apercebeu da irregularidade presente das neves que tantos turistas com dinheiro
atrai; denunciam também que é preciso acreditar… ter fé… e, no que dele e dos
seus colegas guias e carregadores depender, defender e preservar aquela imensa
galinha de ovos d’ouro.
Era para nós evidente que o António tinha vontade de continuar a conversa. O
assunto é importante. Não está nas mãos dele, nem dos seus colegas; ou dos
governantes do País. Está nas mãos de Deus. E, se calhar, Deus não tem sido
claro nas suas intenções acerca do Kili. Já pareceu ser uma; e também
a sua contrária.
11h16. Estamos juntos a um pedaço de
Natureza agradável, que convida ao descanso. Sob a orientação dos guias,
largámos as mochilas por uns momentos e baixámos um pouco até uma pequena queda
de água, uma preciosidade da região onde nos
encontrávamos. A temperatura agora é de 18º C. O altímetro diz-nos que subimos à
volta de 120 m nas 2 horas já andadas.
Por volta das 12h20 fizemos paragem
para almoço. Nesta hora subimos tanto quanto nas 2 horas anteriores, mais
precisamente, juntámos 136m à altitude já conquistada. 17º C. O almoço de hoje era
composto por sandes mista (tomate, ovo e pimento), coxinha de galinha frita,
cenoura crua, ovo cozido, banana, laranja e bolinho. Um banquete!...
14h14. Chegamos a Shira Camp 2, com uma temperatura de 16º C. Agora o
céu está nublado, com algumas abertas.
O percurso deste dia foi calmo e,
como deixámos já entender, de declives geralmente suaves. Cruzámo-nos com
poucos caminheiros. A vegetação é cada vez mais rasteira, à base de arbustos e
entrecortada por alguns riachos, que começavam a surgir por entre as rochas.
Viram-se as primeiras lobélias [ver ilustração …], plantas tipo cacto com um
porte médio e cilíndrico, que marcaram a partir de aqui a vegetação da montanha
com menos humidade e mais pedregosa. Ao longo do percurso de hoje aproveitámos
para conversar um pouco mais com os guias. Estamos a tentar compor uma canção
em Swahili, utilizando uma música popular alusiva ao Kilimanjaro e eles vão-nos ajudando a traduzir algumas
palavras.
Assim que chegámos à zona do
acampamento, largámos as mochilas, servimo-nos das bacias de água quente e do sabonete para as ablações
habituais desta hora, e fomos lanchar na tenda. Depois, como de costume,
hasteámos a bandeira portuguesa.
Hoje, a bandeira assim posta à vista
de todos atraiu um grupo de espanhóis que tinham ali antes de nós, estavam num
acampamento próximo, fazendo uma outra rota.
Por volta das 18h00, os
guias conduziram-nos para um passeio de aclimatação, que durou pouco mais de
hora e meia e nos fez subir – e depois baixar – cerca de 150 m. A Cristina e a Isabel, que à chegada ao campo
pareciam incapazes de dar mais um passo que fosse, à vista de “nuestros
Hermanos” ganharam novo fôlego e acabaram por se decidir fazer o passeio de
aclimatação com os restantes membros do grupo e – sobretudo! – com os parceiros
espanhóis.
O passeio foi muito
divertido e proporcionou às meninas uma acentuada melhoria do seu estado físico
e psicológico… E viva Espanha!...
18h05. Hora de
jantar. Sopa de abóbora, com a tradicional farinha de milho que o nosso
cozinheiro (e, ao que parece, todos os cozinheiros) gosta de pôr em tudo; arroz
com cenoura crua, guisado de carne e legumes e salada de couve-flor e feijão
verde. A sobremesa foi laranja e mais chá de gengibre. A Cristina preferiu chá de tília, para acalmar, pois
começa a sentir os efeitos da altitude, nomeadamente no sono.
O gengibre,
embora digestivo, é excitante. Após o jantar estivemos a iniciar a composição
da nossa canção final mas, antes, o Kili presenteou-nos com uma visão da sua face clara
à luz da Lua. O céu estava todo estrelado. O que nos reservará o dia de amanhã?
Há a salientar que, no final do jantar, a Isabel (surpresa!...) não perguntou ao guia Augusto como era possível desistir.
[1]
Bem, na verdade o Emanuel deveria acordar-nos às 7 horas da manhã, como
faz com todos os grupos de montanhistas. Pois… só que, como os guias nos dirão
mais tarde, numa fase de confiança pessoal mais garantida, nós formávamos um
grupo muito activo, autónomo e colaborante, e antecipávamo-nos sempre, e quando ele chegava às nossas
tendas, já nós estávamos a pé… e prontos para o chá do desjejum, ao contrário
da maioria dos grupos; por exemplo, de um recente grupo de alemães, que lhes
deu muito trabalho, logo a começar na hora de tirar o rabinho da cama!... Estes
alemães estilhaçaram-lhes os horários das sucessivas jornadas! É claro que se não
fossemos todos fáceis de levantar da cama, o Man’el se encarregaria de se antecipar ao Emanuel. E,
diga-se de passagem, a nós sabia-nos muito bem essa segurança no despertador
Man’el. Mesmo que a gente falhasse, ele, de certeza, lá estaria. Ele é mais
seguro que o melhor dos Rolex, Ómegas, ou quejandos!
[2] Na
hora de arrumar os apontamentos e as fotografias para este documento final,
constatámos que, afinal, pouco ou nada sabíamos do Emanuel.
Com ele estivemos, com ele ganhámos alguma familiaridade, mas deixámos a
Tanzânia sem saber
um pouco mais sobre ele, a sua vida, as suas aspirações e ambições ou a sua
família. Por qualquer razão, não se proporcionou que conversássemos e nos
conhecêssemos melhor. Agora, a distância, temos pena. Na verdade, a progressão
na escalada em si; o verdadeiramente pouco tempo de contacto com o rapaz, por
causa da necessidade de cumprir os horários – no fundo, os nossos horários são
de férias, mas os do nosso grupo de apoio são de trabalho, mesmo que a
disponibilidade pessoal que todos revelam connosco seja notável); e a
necessidade de se estar bastante atento aos pormenores da subida (as roupas, a
água, a condição física) absorvem-nos completamente a
atenção.
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