sexta-feira, agosto 24, 2012

Kilimanjaro 2007 - 24 de Agosto de 2007, sexta-feira (6.º dia)


24 de Agosto de 2007, sexta-feira (6.º dia)


Programa proposto:
Day 6. A gentle walk across the plateau leads to Shira two camp on moorland meadows by a stream (3850m, 1.5 hours). A variety of walks are available on the plateau making this an excellent acclimatization day.

Dados da expedição para este dia:
·                  Ponto de partida: Shira Camp 1 (3500 m)
·                  Ponto de chegada: Shira Camp 2 (3850 m)
·                  Progressão em altitude: 350 m
·                  Distância percorrida: 5 km
·                  Tempo de caminhada previsto: 5 horas (real: 05h04)
Condições do dia:
·                  Nascer do sol: 06h53
·                  Temperatura: na tenda, 0º C; no exterior: -1º C
·                  Condições de tempo: céu completamente limpo; sem vento
Como de costume, a alvorada “oficial” foi às 07h00. E o chá para desfazer o jejum matinal, às 07h30. O pequeno-almoço, às 08h00. A saída para a jornada de hoje estava prevista para as 08h30. Os horários continuam a ser cumpridos quase cronometricamente.

Tema de jornada n.º 1 – O Emanuel, o assistente do grupo
É hora de apresentar o Emanuel. Quem é o Emanuel? 
O Emanuel e o Man'el
O Emanuel é o membro da equipa que nos garante o serviço das refeições no acampamento (o pequeno-almoço e o jantar); e nos faz a entrega da refeição volante do almoço. É, digamos, o nosso assistente. Todas as manhãs o Emanuel se certifica que nos levantamos à hora prevista[1], traz-nos as bacias de água quente para as breves lavagens da manhã; e a seguir nos serve o chá. Pouco depois chama-nos para a tenda do pequeno-almoço, onde acabámos por fixar os lugares[2]
A tenda das refeições e os lugares "marcados"
2 dias mais tarde... Eh! Eh! Eh!
O Emanuel ainda nos ajuda no ritual de preparação e distribuição da água a beber durante o dia: 
A preparação da água para a jornada do dia: a água é fervida no dia anterior, e filtrada; depois são adicionadas pastilhas desinfectantes. Só passadas 2 horas é que a água deverá ser consumida.
          
            Em rigor, a jornada de hoje iniciou-se às 09h10. Logo hoje, que falámos da precisão cronométrica!   Akuna Matata!...
A temperatura já tinha subido para os 14º C. O céu mantinha-se limpo, mas agora soprava um vento ligeiro, agradável. Percorremos um chão de rocha, muito poeirento.
            Aproveitando uma pequena pausa para descanso, um de nós abordou o assunto das neves do Kilimanjaro com o guia António. Perguntámos-lhe se ele sabia o que se dizia do aquecimento global e das neves do Kilimanjaro. O António pôs um ar sério, bem distinto do ar simpático e brincalhão com que ele constantemente procura manter-nos alegres e bem-dispostos. Percebemos que o assunto não lhe era desconhecido e que não era a primeira vez que o abordava. Tomou uma posição intimista, quase secretiva e disse-nos: Já vimos o Kilimanjaro sem neve nenhuma, talvez há 14 anos. E a neve voltou depois. Já voltou muita. Vai e vem. Mas ele falava com uma expressão de rosto que não confirmava o que as suas palavras pareciam dizer: que as neves seriam eternas, num movimento cíclico de vai-vem. Não, a expressão do seu rosto, e a tonicidade dos seus gestos não transmitiam tranquilidade, nem confiança; nem receio, também. Mostravam a seriedade de uma questão que estava ligada a uma forma de ganha-pão, por exemplo, para garantir o prosseguimento dos estudos da filha; e mostravam também a convicção na crença que a seguir exprimiu com clareza: Para mim, o Kilimanjaro, as neves do Kilimanjaro estão na mão de Deus, e só dele. Só ele sabe o futuro das neves do Kilimanjaro. Estas afirmações denunciam que ele (eles) já se apercebeu da irregularidade presente das neves que tantos turistas com dinheiro atrai; denunciam também que é preciso acreditar… ter fé… e, no que dele e dos seus colegas guias e carregadores depender, defender e preservar aquela imensa galinha de ovos d’ouro.
            Era para nós evidente que o António tinha vontade de continuar a conversa. O assunto é importante. Não está nas mãos dele, nem dos seus colegas; ou dos governantes do País. Está nas mãos de Deus. E, se calhar, Deus não tem sido claro nas suas intenções acerca do Kili. Já pareceu ser uma; e também a sua contrária.
            11h16. Estamos juntos a um pedaço de Natureza agradável, que convida ao descanso. Sob a orientação dos guias, largámos as mochilas por uns momentos e baixámos um pouco até uma pequena queda de água, uma preciosidade da região onde nos encontrávamos. A temperatura agora é de 18º C. O altímetro diz-nos que subimos à volta de 120 m nas 2 horas já andadas.

            Por volta das 12h20 fizemos paragem para almoço. Nesta hora subimos tanto quanto nas 2 horas anteriores, mais precisamente, juntámos 136m à altitude já conquistada. 17º C. O almoço de hoje era composto por sandes mista (tomate, ovo e pimento), coxinha de galinha frita, cenoura crua, ovo cozido, banana, laranja e bolinho. Um banquete!...
            14h14. Chegamos a Shira Camp 2, com uma temperatura de 16º C. Agora o céu está nublado, com algumas abertas.
            O percurso deste dia foi calmo e, como deixámos já entender, de declives geralmente suaves. Cruzámo-nos com poucos caminheiros. A vegetação é cada vez mais rasteira, à base de arbustos e entrecortada por alguns riachos, que começavam a surgir por entre as rochas. Viram-se as primeiras lobélias [ver ilustração …], plantas tipo cacto com um porte médio e cilíndrico, que marcaram a partir de aqui a vegetação da montanha com menos humidade e mais pedregosa. Ao longo do percurso de hoje aproveitámos para conversar um pouco mais com os guias. Estamos a tentar compor uma canção em Swahili, utilizando uma música popular alusiva ao Kilimanjaro e eles vão-nos ajudando a traduzir algumas palavras.
            Assim que chegámos à zona do acampamento, largámos as mochilas, servimo-nos das bacias de água quente e do sabonete para as ablações habituais desta hora, e fomos lanchar na tenda. Depois, como de costume, hasteámos a bandeira portuguesa.
            Hoje, a bandeira assim posta à vista de todos atraiu um grupo de espanhóis que tinham ali antes de nós, estavam num acampamento próximo, fazendo uma outra rota.
            Por volta das 18h00, os guias conduziram-nos para um passeio de aclimatação, que durou pouco mais de hora e meia e nos fez subir – e depois baixar – cerca de 150 m. A Cristina e a Isabel, que à chegada ao campo pareciam incapazes de dar mais um passo que fosse, à vista de “nuestros Hermanos” ganharam novo fôlego e acabaram por se decidir fazer o passeio de aclimatação com os restantes membros do grupo e – sobretudo! – com os parceiros espanhóis. 
O passeio foi muito divertido e proporcionou às meninas uma acentuada melhoria do seu estado físico e psicológico… E viva Espanha!...
18h05. Hora de jantar. Sopa de abóbora, com a tradicional farinha de milho que o nosso cozinheiro (e, ao que parece, todos os cozinheiros) gosta de pôr em tudo; arroz com cenoura crua, guisado de carne e legumes e salada de couve-flor e feijão verde. A sobremesa foi laranja e mais chá de gengibre. A Cristina preferiu chá de tília, para acalmar, pois começa a sentir os efeitos da altitude, nomeadamente no sono.
O gengibre, embora digestivo, é excitante. Após o jantar estivemos a iniciar a composição da nossa canção final mas, antes, o Kili presenteou-nos com uma visão da sua face clara à luz da Lua. O céu estava todo estrelado. O que nos reservará o dia de amanhã? Há a salientar que, no final do jantar, a Isabel (surpresa!...) não perguntou ao guia Augusto como era possível desistir.



[1] Bem, na verdade o Emanuel deveria acordar-nos às 7 horas da manhã, como faz com todos os grupos de montanhistas. Pois… só que, como os guias nos dirão mais tarde, numa fase de confiança pessoal mais garantida, nós formávamos um grupo muito activo, autónomo e colaborante, e antecipávamo-nos  sempre, e quando ele chegava às nossas tendas, já nós estávamos a pé… e prontos para o chá do desjejum, ao contrário da maioria dos grupos; por exemplo, de um recente grupo de alemães, que lhes deu muito trabalho, logo a começar na hora de tirar o rabinho da cama!... Estes alemães estilhaçaram-lhes os horários das sucessivas jornadas! É claro que se não fossemos todos fáceis de levantar da cama, o Man’el se encarregaria de se antecipar ao Emanuel. E, diga-se de passagem, a nós sabia-nos muito bem essa segurança no despertador Man’el. Mesmo que a gente falhasse, ele, de certeza, lá estaria. Ele é mais seguro que o melhor dos Rolex, Ómegas, ou quejandos!
[2] Na hora de arrumar os apontamentos e as fotografias para este documento final, constatámos que, afinal, pouco ou nada sabíamos do Emanuel. Com ele estivemos, com ele ganhámos alguma familiaridade, mas deixámos a Tanzânia sem saber um pouco mais sobre ele, a sua vida, as suas aspirações e ambições ou a sua família. Por qualquer razão, não se proporcionou que conversássemos e nos conhecêssemos melhor. Agora, a distância, temos pena. Na verdade, a progressão na escalada em si; o verdadeiramente pouco tempo de contacto com o rapaz, por causa da necessidade de cumprir os horários – no fundo, os nossos horários são de férias, mas os do nosso grupo de apoio são de trabalho, mesmo que a disponibilidade pessoal que todos revelam connosco seja notável); e a necessidade de se estar bastante atento aos pormenores da subida (as roupas, a água, a condição física) absorvem-nos completamente a atenção.

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