#TOLERÂNCIA 5 - OLHAR E VER A TOLERÂNCIA NUM AEROPORTO
Nos aeroportos é fácil observarem-se expressões da tolerância. Da tolerância e da intolerância.
São pequeninos gestos e palavras que, na maioria das vezes, têm a ver com escondidas frustrações e ainda mais bem disfarçadas, ou não, ansiedades, quantas delas, supersticiosas. Deseja-se que o tempo passe depressa ou teme-se ver, na mais pequenina contrariedade, um sinal de desassossego, pela expectativa dum perigo, por causa do voo em que em breve se vai embarcar.
Culpa-se a falta de profissionalismo da senhora que nos atende ao balcão porque não nos disse aquela palavra que queríamos ouvir ou não nos deu a informação que naquele momento era para nós deveras importante (exige-se que todo e qualquer funcionário dum aeroporto esteja permanentemente pronto para responder, nem que seja à pergunta de qual será o próximo ser humano a chegar à Lua) ou classifica-se como mal-educado o senhor que não sorriu francamente ao comentário, tantas vezes banal, que tantas vezes fazemos.
Quando alguma contrariedade de facto acontece, muitas das contidas intolerâncias ganham expressão pública. Nessa altura, é a companhia aérea, o Governo, o Estado; ou o capitalismo ou o socialismo, o bode expiatório.
Um exemplo ilustrativo, que aconteceu comigo hoje:
quando entreguei no balcão de check-in no aeroporto da Horta a mala de porão, a jovem e sorridente hospedeira perguntou-me se eu tinha bagagem de mão e quando eu lhe respondi que sim ela perguntou-me se não queria despachá-la também na bagagem de porão, justificando o seu pedido por causa do meu voo já estar completamente cheio. Declinei o convite-pedido dizendo-lhe que tinha na mala de mão o computador e outros equipamentos electrónicos (estava a pensar nas duas máquinas fotográficas e no 'tablet' em que acabei por fazer este escrito durante a viagem da Horta até Lisboa). Note-se bem: nesta altura tudo indicava que o voo sairia do Faial sem incidentes, à hora prevista, as condições meteorológicas ajudavam, estava sol, talvez um pouco de vento a mais).
Quando já todos os passageiros aguardavam na sala de embarque, nos altifalantes anunciam que o avião tinha sido forçado a aterrar em São Miguel por causa das condições meteorológicas, que depois dariam mais informações. Burburinho geral... Pouco depois, a tal informação actualizada: a partida (inicialmente prevista para as 10h40min) seria feita às 13h00min.
Entre a primeira e a segunda hora de partida, abundaram as teorias da conspiração.
Eu estava mesmo no meio duma delas: à minha direita, sentado como eu (que estava com o computador ao colo), um senhor sensivelmente da minha idade interrogava-se acerca das hipotéticas causas da ocorrência. À minha esquerda, de pé, olhando a pista (nós estávamos ali mesmo encostados às grandes vidraças), um outro senhor, de peito feito e face de sabidão, assegurou tratar-se duma manobra empresarial da SATA: ele "sabia" que a SATA, enquanto não enchesse o avião de passageiros em São Miguel, não sairia de lá para o Faial. Mais, ele até já tinha telefonado para São Miguel e havia lá aviões a aterrar e a levantar.
A segurança no que dizia fez o homem ganhar o senhor cheio de dúvidas para o seu lado, passaram a ser dois a dizer mal da SATA.
Eu olhei para trás de mim, agora também eu via a pista. Naquela altura, chovia e ventava abundantemente.
Meti-me então na conversa e contei aos dois senhores o que se tinha passado comigo no 'check-in'. Calaram-se por um instante e o senhor que estava de pé comentou, aparentando contragosto, que sim, era capaz de ser outra a razão do atraso.
Neste caso, a pedagogia da tolerância passará por facultar aos viajantes — que são, em geral, presas fáceis das frustrações, dúvidas, inseguranças e ansiedades —, informação clara e oportuna. É que a disponibilidade pessoal para a tolerância será directamente proporcional ao sentimento de domínio pessoal da situação em que a pessoa se encontra.
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