#TOLERÂNCIA 28 - ERA AGOSTINHO DA SILVA INTOLERANTE COM A TOLERÂNCIA?
Na sexta das "Sete Cartas a um Jovem Filósofo", Agostinho da Silva (1906-1994) escreve a certa altura o seguinte:
«Temo que o hábito dos filósofos e a vantagem terrível de os perceber com clareza lhe agravem esses defeitos e nos tragam daqui a uns anos um Luís impossível, cheio de si e das suas pobres verdades, repulsor dos homens, dizendo amá-los, só às vezes tolerante e, Santo Deus!, de que inferior e lamentável tolerância. Entre as palavras e as ideias, detesto esta: tolerância. É uma palavra das sociedades morais em face da imoralidade que utilizam. É uma ideia de desdém; parecendo celeste, é diabólica; é um revestimento de desprezo, com a agravante de muita gente que o enverga ficar com a convicção de que anda vestida de raios de sol.
Por que tolerar? Parece-me ainda pior do que perseguir. No perseguir, há um reconhecimento do valor; dá-me a impressão de que os morcegos, aliás, bichos muito simpáticos, se pudessem, perseguiriam a luz; porque a luz brilha e tão ampla se alarga pelo mundo que até os pobres mosquitos nela têm defesa. No tolerar, somos nós os deuses e consentimos que haja, lá muito abaixo de nós, uns mesquinhos seres insignificantes que não têm nem a nossa beleza, nem a nossa inteligência, nem a nossa imortalidade, nem se alimentam como nós de ambrosia e néctar, nem ouvem como nós a música de Hermes, na sua lira roubada. E quando nem sequer temos a certeza de que os outros nos sejam inferiores; inferiores por quê, inferiores em quê? Não sabem matemática? Talvez saibam viver, que é mais difícil. Não entendem filosofia? Talvez sonhem, o que é mais belo. E talvez respondam à nossa tolerância com um amor de que nós, apolíneos, não seremos capazes. Em trezentos milhões de anos que vivêssemos, não acumulávamos o tesouro de amor que eles, às vezes, dispendem num segundo.
Assim como você não ama quando diz amabilidades ou graças às mocinhas, também não ama quando se dispensa de discutir, porque sente o adversário como inferior a você; então tolera-o, com um sorriso. Não é amar as raparigas tratá-las como seres que não entendem senão as suas lisonjas e as suas anedotas; só as amará e só elas o poderão amar a você, para além das enganadoras aparências, quando a sua alma se lhes abrir, e com todos os seus problemas, todas as suas angústias, toda a sua seriedade, toda a sua gravidade humana. E a tolerância, pelo mesmo defeito, é em você, quando muito, uma indiferença; às vezes, no momento em que uma centelha ameaça brilhar-lhe no espírito, há uma tentativa de se pôr ao nível de uma tentativa desajeitada e ridícula, como a de um urso que dança.»
A Pedagogia e a Educação devem promover a leitura deste trecho; mais ainda, toda a carta merece ler lida, ponderada, discutida (preferencialmente, em pequenos grupos, para todos poderem falar e poderem ser ouvidos); pelo menos duas ou três vezes, com algum tempo de ruminação mental, individual, entre elas.
Para já, alguns conceitos envolvidos no pensamento de Agostinho da Silva na escrita dos 3 parágrafos: desdém, desprezo, amor, arrogância, valor, superioridade e inferioridade.
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