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A Mariana não é especial, nem a vejo com olhos de tio-avô coruja. Todas as crianças, que nascem íntegras como normalmente os pais desejam, têm esta aptidão linguística; todas elas têm o mesmo potencial de inteligência. O que faz a diferença entre as crianças é, essencialmente, o ambiente linguístico em que crescem e, em concordância com tal ambiente, a estimulação verbal que recebem das interações sociais com os familiares mais próximos - os pais, os avós e os irmãos -, estimulação essa marcada pela presença da palavra adequada, oportuna - que vem, o mais das vezes, com naturalidade em todas as conversas, por mais banais que sejam, sem que tenham de ter o toque ou o rigor de especialistas da língua.
Voltando à Mariana, estava ainda na casa dos 2 anos, já ela facilmente identificava e falava com à-vontade dos láparos; dos láparos, de outros animais e de outras coisas. Foi, fundamentalmente, o avô materno, que, com conversas sábias, pacientes e feitas sem pressa, levou a Mariana ao domínio tão fácil das palavras e das estruturas básicas da linguagem falada. O segredo foi o próprio prazer do avô nestas interações verbais com a sua tão querida neta.
Hoje de manhã tocou o telefone cá em casa. Era a Mariana, a perguntar-me se queria ir com ela, o avô e a avó ao Oceanário. Claro que queria! A Mariana passou o telefone ao avô e os irmãos acertaram os pormenores da ida.
Há menos de uma semana, a pediatra deu alta à Mariana da varicela habitual nas crianças da sua idade.
Notam-se ainda pintas residuais da maleita nas faces da petiz. Ela sabia que iria encontrar tubarões no tanque principal do Oceanário; mais, sabia - sabe - que os há de espécies diferentes, mesmo que ainda não lhes conheça os nomes. Pronto, para ela, são, por enquanto, todos tubarões. Disse à Mariana que também iríamos ver peixes-lua e perguntei-lhe se conhecia os peixes-lua. Respondeu-me que não, não sabia que havia peixes-lua; e não deixou de perguntar ao avô, enquanto tomávamos a bica antes de entrarmos no Oceanário, se havia peixes-lua. O avô confirmou-lhe a informação do ti' Jorge (que é o nome por que ela me conhece em família, não me conhece por Fernando).
Entrámos. Estávamos há algum tempo junto ao grande tanque central, já alguns tubarões tinham passado por ali. A certa altura passa à frente da Mariana um tubarão cheio de pintas, razoavelmente grande. "Olha, é um tubarão-varicela!..." disse o tal dedo indicador da Mariana, o dedo das crianças que dá nome às coisas.
Ela própria, a minha sobrinha-neta, achou divertido o que disse. Certamente ela sabe que aquela espécie de tubarão não se designa daquela maneira, mas aquela associação mental criativa aconteceu na sua cabeça, e ela achou que tinha algum sentido e que era legítimo mostrá-la. E tinha razão!
Rimo-nos todos e dissemos-lhe: "Pois, Mariana, parece que tem varicela e podia ter esse nome... O nome a sério é outro, mas esse também lhe fica bem. O nome a sério é tubarão-tigre [na verdade, não é um tubarão-tigre, mas é um tubarão-zebra, mas este matiz concetual ficará para ocasião oportuna, nós próprios tínhamos dúvidas; e, neste caso, o mais importante era mesmo validar o seu pensamento criativo da menina], mas esse também lhe fica muito bem!..."
Na verdade, isto não é nada de extraordinário... mas é notável no que mostra das tremendas capacidades do cérebro, do pensamento, da linguagem, do contacto com a realidade e da interação social das crianças pequenas.
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