quarta-feira, maio 22, 2013

O método comunitário e os exercícios intergovernamentais na Europa

Vasco Graça Moura
Li há alguns meses um pequeno e velho livrinho sobre a História da Europa. O seu autor é italiano; não me lembro agora do nome - é a minha tradicional pecha para este tipo de memória declarativa.
Tal livrinho deu-me uma perspetiva sobre a Europa que me fez ganhar uma ideia muito clara do que se está a passar agora na crise atual do Mundo e sobretudo, precisamente, da Europa.
O dr. Vasco Graça Moura escreve hoje no Diário de Notícias um artigo de opinião muito interessante sobre ideias de Europa e as motivações que as alimentam.
Destaco o seguinte parágrafo, que faz menção a conceitos que têm grande valor pedagógico, quer pela clarificação concetual que estimulam, quer pelas atitudes e ações que propõem a governantes executores dos poderes atuais; e propõem também a cidadãos governados, os quais se veem cada vez mais na necessidade de, como a propaganda institucional bem-educada diz, "se empenharem em esforços de cidadania mais participada e ativa".
Escreve, pois, o dr. Vasco Graça Moura:
"Entretanto, o chamado método comunitário, por via do qual essas instâncias exerciam as suas competências e iam encontrando soluções para os sucessivos problemas do sistema, foi sendo substituído por exercícios intergovernamentais cada vez mais frequentes e intensivos, com a consequência desagradável de cada Estado membro se concentrar fundamentalmente na defesa dos seus próprios interesses, perdendo de vista a noção da construção europeia como um todo e a riquíssima, conquanto recente, experiência acumulada na segunda metade do século XX."
(os destaques em itálico e negrito são da minha responsabilidade)
Evidentemente, recomendo a leitura integral do texto, aqui:

2 comentários:

  1. TEXTO COMPLETO DO DR. VASCO GRAÇA MOURA (1.ª parte):
    Durante décadas, a Europa viveu mais ou menos confiadamente no quadro daquilo que hoje cada vez se parece mais com uma utopia, a de uma unidade europeia que corresponderia à recuperação de uma espécie de autenticidade matricial das suas coordenadas civilizacionais.
    Sabia-se da Europa e da sua funesta história como "guerra civil permanente", na caracterização célebre de Fustel de Coulanges, e era por demais evidente que as tentativas de hegemonia imperial sobre as nações do continente tinham falhado da maneira mais sangrenta.
    Provavelmente as tentativas de construção de uma solução, fosse ela a do federalismo europeu, muito inspirada por Denis de Rougemont e pelo seu grupo intelectual, fosse ela de outra natureza, como veio a ser, tinham presente essa necessidade de se encontrar uma solução minimamente estável e duradoura a construir tendo presente um sistema de valores, princípios, representações culturais identitárias e tradições comuns, ainda por cima quando já se desenhava o cenário perturbador de uma guerra fria que tudo levava a crer viesse a ocorrer à escala planetária.
    Com o Tratado de Roma, a saída acabou por ser mais prática do que teórica, construindo-se aos poucos uma situação cujas características de abrangência alcançada a pequenos passos, consciente da inevitabilidade de avanços e recuos, pareciam confirmar o achado de uma fórmula eficaz. E a verdade é que a mesma Europa que se tinha dilacerado em conflitos terríveis viveu entretanto em paz por mais de meio século.

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  2. TEXTO COMPLETO DO DR. VASCO GRAÇA MOURA (2.ª parte):
    Esta situação de paz e prosperidade europeias, que todos julgávamos ter começado a conhecer nas últimas décadas, não parecia condenada a degenerar. Afigurava-se antes que havia modalidades de aperfeiçoamento do sistema com que todos os povos europeus ficariam a ganhar, proclamavam-se as excelências ético-políticas da solidariedade, afirmavam-se as vantagens incontestáveis da convergência, numa palavra, construía-se um horizonte de expectativas para a Europa que acabava por ser desmesuradamente maior do que a própria Europa.
    Houve assim uma época, de resto nem sequer muito distante, em que se acreditou verdadeiramente numa construção europeia bem sucedida. É verdade que nunca se conseguiu interiorizar nos cidadãos dos Estados membros uma consciência profunda de "pertença à Europa" como uma espécie de segunda natureza patriótica, mas ia-se vivendo na convicção de que lá se chegaria mais tarde ou mais cedo e sobretudo tinha-se a sensação nítida de que, mesmo nos casos de mais graves divergências, acabava sempre por se chegar a um entendimento regulador entre as instâncias comunitárias.
    Entretanto, o chamado método comunitário, por via do qual essas instâncias exerciam as suas competências e iam encontrando soluções para os sucessivos problemas do sistema, foi sendo substituído por exercícios intergovernamentais cada vez mais frequentes e intensivos, com a consequência desagradável de cada Estado membro se concentrar fundamental- mente na defesa dos seus próprios interesses, perdendo de vista a noção da construção europeia como um todo e a riquíssima, conquanto recente, experiência acumulada na segunda metade do século XX.
    É muito provável que a crise mundial tenha contribuído para esta dinâmica perversa em que as desigualdades entre os Estados europeus levem a pontos de desequilíbrio e riscos de ruptura numa espiral que acaba por apanhá-los a todos e que, a ser assim, será perfeitamente imparável. Ainda por cima, o mundo não tinha nunca conhecido uma situação semelhante e os próprios instrumentos de análise das instituições mais credíveis e dos melhores especialistas não parecem muito fiáveis. Cada dia se descobre uma nova crise a agravar a anterior e não parece que se consiga descortinar um princípio de solução satisfatória.
    No plano da União Europeia, esta situação gera uma descrença que mina os princípios da sua própria construção e bloqueia o encontro de soluções que permitam ultrapassar os aspectos críticos. Esse é o grande risco que a Europa corre neste momento e que pode levá-la a uma implosão de consequências imprevisíveis. Mas poder-se-á hoje aceitar uma Europa como desencontro, desencanto e desistência?
    (Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico)

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