segunda-feira, novembro 18, 2013

Dia do Homem, 19 de novembro

Ontem reli, por óbvias razões, o discurso do Nobel de Doris Lessing, no qual a escritora consagrada desafia os assentos cómodos de quem a ouve com história da africana sofrida pela tantas vezes repetente falta de água. Na escassez de tudo, a africana lê intensamente a Ana Karenina de Léon Tolstoi. E com a história do outro africano, a escritora faz eco do lamento que guarda os livros sem, aflitivamente, os ler. Não os lê porque não quer perder a oportunidade de lê-los, mas não o faz por causa medo de que, em os usando, eles se sujem e, por isso, se percam: e os livros são tesouros.
Qual aguilhão, fez-se-me à mente, ato contínuo, em absoluta consciência, o avô Celestiano de Mia Couto; mas não era "esse" o livro de Mia Couto que eu queria, era "aquele" outro que eu tinha na cabeça.
http://www.universodosleitores.com/2013/04/
escritores-mia-couto.html
Hoje (vá lá, não foi preciso passar muito tempo! E vindo - que bom! - ainda a tempo), algures na montanha eternamente kilimanjárica dos livros e papéis, confundidos e amontoados, na minha mesa de trabalho, encontrei "aquele" livro, o tal, de Mia Couto, o que fala de mistérios à volta de um morto e de velhos que passam numa varanda sobre a terra e sobre o mar.
O lema da celebração deste ano do Dia do Homem (que eu, sinceramente, não sei se já alguma vez eu me tinha dado conta de que existisse... Hoje em dia as Nações Unidas, a União Europeia, a Unicef e tantas outras super-entidades celebram tanta coisa!...) é Manter os homens e os rapazes em segurança (Keeping Men and Boys Safe). Seja. A segurança de uns e outros tem muito a ver com a sabedoria que recebem, por tradição dos outros homens, os velhos - os que percebem que os seus corpos se tornaram os espaços de estágio da morte.
Esses, os homens que sabem que vão morrer, entretanto, estão a morrer. Mais, estamos a matá-los. São esses a quem - ironia das ironias; absurdo dos absurdos - estamos a tirar toda a segurança! A segurança que na celebração das Nações Unidas deste ano reclamamos para os que não são ainda velhos. Quer dizer, aos homens e rapazes de hoje estamos a roubar, pelo que hoje roubamos aos homens mais velhos, a oportunidade de um dia serem eles mesmos também velhos. Velhos de idade, velhos seguros por causa da sabedoria que trazem consigo; e velhos sábios por causa da segurança que nós, em sociedades organizadas, soubermos trazer-lhes ao seu cansaço, às suas rugas, às suas experiências de vida.

«- Escute, senhor inspector: o crime que está sendo cometido aqui não é esse que o senhor anda à procura.
- O que quer dizer com isso?
- Olhe para estes velhos, inspector. Eles todos estão morrendo.
- Faz parte do destino de qualquer um de nós.
- Mas não assim, o senhor entende? Estes velhos não são apenas pessoas.
- São o quê, então?
- São guardiões do mundo. É todo esse mundo que está sendo morto.
- Desculpe, mas isso, para mim, é filosofia. Eu sou um simples polícia.
- O verdadeiro crime que está a ser cometido aqui é que estão a matar o antigamente.
- Continuo sem entender.
- Estão a matar as últimas raízes que poderão impedir que fiquemos como o senhor…
- Como eu?
- Sim, inspector. Gente sem história, gente que existe por imitação.
- Conversa. A verdade é que o tempo muda, esses velhos são uma geração do passado.
- Mas estes velhos estão morrendo dentro de nós.
E batendo no peito, a enfermeira sublinhou:
- É aqui dentro que eles estão morrendo.»

Mia Couto, A Varanda de Frangipani (2010). Ed. Caminho, pp. 59-60.

ATUALIZAÇÃO, em 21nov13

Um povo que não respeita os seus avós não tem memória nem futuro – o Papa na missa desta terça-feira



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Um povo que não respeita os seus avós não tem memória e não terá futuro. Esta a mensagem principal do Papa Francisco na missa desta terça-feira na Casa de Santa Marta. No dia de hoje comentou os acontecimentos bíblicos do idoso Eleazar que escolheu o martírio por coerência com a sua fé em Deus e para dar testemunho de retidão aos jovens.
Este homem, Eleazar – disse o Santo Padre – escolheu a morte recusando a atitude de fingir, de fingir piedade, de fingir religiosidade. Eleazar um homem de fé e coerência:

“ A coerência deste homem, a coerência da sua fé, mas também a responsabilidade de deixar uma herança nobre, uma herança verdadeira. Nós vivemos um tempo no qual os idosos não contam. É triste dizê-lo, mas são descartados! Porque incomodam. Os idosos são aqueles que nos trazem a história, que nos trazem a doutrina, que nos trazem a fé como herança. São aqueles que, como o bom vinho envelhecido, têm esta força dentro de si para nos darem uma herança nobre.

Neste momento da homilia o Papa Francisco contou uma pequena história que aprendeu quando era menino. Os protagonistas são uma família: pai, mãe, tantos filhos e um avô que quando comia a sopa sujava a cara. O pai aborrecido com tal comportamento comprou uma mesinha à parte para o avô e explicou o facto aos filhos. Um dia mais tarde, regressando a casa, encontra um dos seus filhos a brincar com um pedaço de madeira e pergunta-lhe o que estava ele a fazer. A resposta não se fez esperar: Estou a fazer uma mesinha para ti, para quando fores velhinho como o avô!

“Esta história fez-me tão bem, toda a vida. Os avós são um tesouro. “
É verdade que a velhice, às vezes, é um pouco triste, pelas doenças que surgem, mas a sabedoria que têm os nossos avós é a herança que nós devemos receber. Um povo que não conserva os avós, um povo que não respeita os avós, não tem futuro, porque não tem memória, perdeu a memória.” (RS) RealAudioMP3 

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