quinta-feira, julho 03, 2025

#TOLERÂNCIA186 - A TOLERÂNCIA E A MORTE

#TOLERÂNCIA186 - A TOLERÂNCIA E A MORTE

Até que um dia a Ciência descubra o segredo da vida eterna, de nada valem os esforços para dela escaparmos. Sendo certa, se calhar a sabedoria estará em cada um viver o melhor possível antes que ela chegue, no incessante voto "Carpe diem!"

Aceitamos a morte dos mais velhos — o tempo a passar, devagarinho, vai-nos preparando para ela. Ficamos estupefatos, incrédulos, revoltados, destroçados com a morte dos mais novos — não era ainda o tempo, como foi tal possível?

Fará sentido falar em tolerar ou não tolerar a morte? Penso que não.

A tolerância tem a ver com as outras pessoas, os seus comportamentos, as suas acções — que agem contra nós ou são sentidas por nós como agindo contra nós, no mínimo, são sentidas como ameaças à nossa segurança e ao nosso bem-estar.

Duma forma rude direi que a morte é bastante democrática: mata toda a gente.

Em Gaza não é a morte que é intolerável, o que é intolerável é as acções deliberadamente praticadas por líderes políticos e militares que querem isso mesmo: matar. Intolerável é matar da maneira como está a acontecer em Gaza, desgraçado e infeliz Povo Palestiniano que tão inumanamente tem sido tratado. Se o Diogo Jota e o irmão, o André Silva, tivessem nascido na faixa de Gaza, se fossem palestinianos, correriam o risco elevado de não conseguirem morrer sequer aos 28 e aos 25 anos.

Como não nasceram na Palestina, foram "bafejados pela sorte" e conseguiram morrer "só", repito, aos 28 e aos 25 anos... Então, por que razão ficámos hoje, em Portugal e em muitos lugares do Mundo, tão consternados com a morte dos dois irmãos?

Essencialmente porque nesses lugares muitas pessoas gostavam muito deles, sobretudo o Diogo, o mais velho, mais conhecido e com sucesso de relevo nos clubes de futebol por onde passou e na selecção

portuguesa de futebol. E se gostavam deles foi porque eles souberam granjear o respeito e o carinho de que gosta do futebol. Quando o Diogo Jota entrava em campo e suava a camisola da selecção nacional de futebol, e dava alegrias aos adeptos nacionais, cresciam os afectos positivos que os portugueses lhe dirigiam. E ele, com a sua maneira de ser, o seu jeito de levar a bola, ajudar a equipa e marcar golos, foi-se tornando cada vez mais merecedor de afecto e carinhos. Portanto, a morte do Diogo Jota foi a morte de alguém que muitos de nós conhecíamos e de quem gostávamos.

A morte dos dois irmãos foi brutal, aparatosa, as impressionantes chamas do carro a arder que já correram o mundo inteiro dizem que o sofrimento dos dois deve ter sido imenso.

As duas mortes foi fora de tempo, muito fora do tempo, quando ambos começavam a consolidar as suas vidas de adultos, e penso que instintivamente o ser humano tende a negar essas mortes fora do tempo, a não aceitá-las, a ser intolerante com elas: por isso o Cristiano Ronaldo disse que «não faziam sentido», que o treinador José Mourinho diz que é «uma injustiça imensa», e o treinador Jürgen Klopp diz «Revolto-me contra este momento. Deve haver um desígnio maior, mas eu não consigo ver qual seja.»

O Diogo Jota, precisamente nesta altura, personificava a fantasia da família feliz que deixava toda a gente contente. Contente e com esperança, a esperança de que pode mesmo haver famílias felizes. Ele estava casado com a a mulher com quem, pelos vistos, se manteve ligado desde pequenos; tinham-se tornado pais de 3 filhos pequenos; e tinham acabado de contrair matrimónio.

Os testemunhos de colegas, treinadores e dirigentes (mais recentes e mais antigos) são unânimes: o Diogo Jota personificava os valores do Desporto que todos nós gostamos de ver nos atletas: alegres, bem-dispostos, entusiasmados, leais, solidários, de forte espírito de equipa, disciplinados, cumpridores; e que suam bem a camisola.

Na vida pessoal, o Diogo Jota era também, vencendo a timidez, ser humano que personificava a amizade, a cordialidade social, a bonomia e a bondade no trato humano. Como muitos desabafam na tal ingenuidade mágica do ser humano, se havia quem não merecia morrer era ele.

Aconteceu. Uns dirão que há horas do diabo, outros dirão que era o destino; outros dirão que juntou-se tudo para ser a tempestade perfeita.

A tragédia que tirou a vida ao Diogo Jota (e ao irmão), no fundo dá-nos, cruelmente, uma lição: nada é mais precioso do que o tempo que partilhamos com os outros — mesmo que estejam do “lado de lá” (estou a pensar nas rivalidades clubísticas, que tantas vezes levam os adeptos a serem intolerantes uns com os outros). A tolerância não é apenas aceitar o outro; é valorizá-lo enquanto cá está. É perceber que, no fim, todos partilhamos o mesmo destino. Que as nossas diferenças são pequenas diante do que nos une: o afecto humano, a dor, a amizade, o prazer de viver, a finitude das nossas vidas.

Eu gostava do Diogo Jota, gostava de vê-lo a entrar no campo de sorriso discreto, de quem está danadinho para entrar e dar um bom contributo à equipa; e gostava dele como jogador de futebol. Sinto uma profunda pena por eles e pela família. Tenho a certeza de que no próximo jogo da selecção portuguesa de futebol vou ser tomado pelo desejo (como são os desejos mágicos das crianças) de o ver entrar em campo ou sentar-se no banco de suplentes... Não vou reprimir tal desejo, nem me vou censurar de o alimentar. Há sempre algum conforto que se ganha para si mesmo no pensamento de pessoas boas.

Uma última nota: a fotografia de homenagem — tantas que têm sido publicadas! — de que mais gostei foi a do Manchester City, em que vemos o Diogo Jota (Liverpool) e o Bernardo Silva (Manchester City) num momento de camaradagem no final ou durante uma pausa de um jogo. A imagem é tirada por trás, vêem-se os jogadores de costas, estão abraçados, um com o braço sobre os ombros do outro, e o outro rodando com o seu braço a cintura do outro, assim ambos demonstrando amizade, respeito, companheirismo, independentemente de estarem em equipas adversárias. Ambos são o n.º 20 das respectivas equipas. Tanto quanto sei das vidas de ambos, sim, são ambos pessoas de 20 valores.

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