#TOLERÂNCIA69 - O ESTIGMA DA SUPERIORIDADE
Tenho-me surpreendido, mais vezes do que era a minha expectativa, com a reacção de algumas pessoas quando eu faço da Tolerância e do meu interesse da Tolerância. Às vezes é uma reacção de desconfiança ou de dúvida; de recusa ou de evitamento; de reserva, mas chega a ser de repulsa, quase do tipo «Vade retro, Satana!»
Já aqui falei do surgimento, digamos, oficial da Tolerância (apontamento #TOLERÂNCIA29, de 21 de Janeiro): «a palavra tolerância nasceu no século XVI das guerras religiosas entre católicos e protestantes: os católicos acabaram por tolerar os protestantes, e reciprocamente. Depois a tolerância foi reclamada a propósito de todas as outras religiões e de todas as crenças. Finalmente, no século XIX, a tolerância estendeu-se a todo o pensamento livre.»
Se num contexto de reflexão religiosa a ideia, o conceito de Tolerância é pacífico, transporta-nos logo para um objectivo ou ideal de diálogo inter-religioso, ecuménico, de aceitação recíproca entre diferentes credos, num contexto político ou sócio-cultural, o objectivo ou ideal de diálogo e reciprocidade não é imediato.
A justificação dessa desconfiança, contida ou explosiva, em relação à Tolerância é quase sempre a mesma, formulação mais para aqui, formulação mais para ali: «A tolerância é uma atitude e superioridade de alguém sobre outro que se considera inferior.» Superioridade ou arrogância.Penso que até agora não dei a ideia de que considero a Tolerância a panaceia para resolver as oposições, confrontos, divergências, etc., entre as pessoas e os grupos humanos. Ora, nada é nem ninguém tem o Santo Graal da solução das divergências humanas. Peça-se à Tolerância na justa medida do seu valor, que é "só" algum; e que, como qualquer outro valor, ideal, princípio, fim, ou estratégia, pode ser pervertido e usado desonestamente para explorar o Outro.
Recusar liminarmente a Tolerância nesse sentido de ser expressão de superioridade sobre Outrem que se toma como inferior pode ter várias interpretações, de que destacarei duas: a primeira é a cristalização mental duma ideia, um preconceito cognitivo, um pensamento sincrético acerca da Tolerância e do seu valor, sendo isso espelho duma atitude de superioridade por parte de quem pensa que já tem a verdade sobre a Tolerância, que não tem necessidade de se questionar, questionar e dialogar com o Outro; a segunda é que, provavelmente de forma inconsciente, não se quer sair da sua zona de conforto, já que pensar dá trabalho, exige esforço, e o trabalho e o esforço produzem tensão, tensão essa que traz sempre desconforto e desprazer, mesmo para quem corre por gosto.
A Tolerância, assim estigmatizada, conforma-se num estereótipo cognitivo que bloqueia a acção, o diálogo, o confronto.
Pessoalmente, não me preocupa este estigma ou estereótipo da superioridade negativa da Tolerância. Estou seguro de que, nos apontamentos que nas pegadas que deixei em algumas das etapas passadas desta minha caminhada, tenho sugestões que a Pedagogia e a Educação podem usar para fazer romper o estigma da superioridade da Tolerância.
Uma das tomadas de consciência que podemos ir assumindo é a de que, por si só, a Tolerância pouco pode; e que para ser útil e eficaz tem de ser vista na sua relação dinâmica com, por exemplo, a Aceitação e a Compreensão; a Empatia e a Escuta; a Mutualidade e a Interajuda; a Identidade e a Alteridade; a Diversidade e a Semelhança; a Partilha Comum e a Distribuição Singular.
O mal não está na reserva à Tolerância, o mal está na indisponibilidade para pôr a reserva à prova da realidade, caso a caso, situação a situação. Recusar ser tolerante porque se tem arreigado o estereótipo da superioridade (negativa) da Tolerância é, repito, optar por manter-se confinado à sua zona de conforto, é optar por não tentar compreender, nem tentar aceitar.
Sim, a Pedagogia e a Educação têm remédio para o estigma da superioridade da Tolerância.
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