sábado, março 01, 2025

#TOLERÂNCIA62 - A APRENDIZAGEM DOLOROSA DA TOLERÂNCIA

 #TOLERÂNCIA62 - A APRENDIZAGEM DOLOROSA DA TOLERÂNCIA

N' "O Clube dos Poetas Mortos", o pai do rapaz que se suicida por causa da severa educação que recebe dele, o pai, e da mãe, não mostra arrependimento e faz do professor John Keating o bode expiatório do trágico destino do filho. O espectador sente-se esmagado, primeiro, com a intensidade da intolerância do pai perante a motivação do filho para o teatro, e depois com a expressão da raiva que projectou como pode para cima do professor do filho. Assim que pode, o espectador diz para si próprio que não passou duma ficção e aos poucos apaga-se da sua mente a possibilidade de essa ficção poder corresponder a casos reais.

N' "O Lado Selvagem", o pai do rapaz que parece entregar-se a um suicídio involuntário — tragicamente, o filho morreu mesmo, muito novo, muito fora de tempo. Morreu da maneira como morreu porque quis libertar-se das amarras do processo educativo que o pai, ou melhor, os pais tinham mantido com mão de ferro com ele —, este pai, dizia eu, arrependeu-se.

No livro em que retrospectivamente refaz a viagem solitária e anónima do jovem Christopher Johnson


McCandless, Jon Krakauer escreve assim acerca do pai de Christopher:

"Quando Walt fala, as pessoas ouvem-no. Se algo ou alguém o desagrada, os seus olhos semi-cerram-se e o seu discurso torna-se mais curto. De acordo com os membros da família, os seus humores podem ser sombrios e inconstantes, embora digam que o seu famoso temperamento tenha perdido muito da sua volatilidade nos últimos anos. Depois de o Chris ter fintado e escapado a toda a gente em 1990, algo mudou em Walt. O desaparecimento do seu filho assustou-o e castigou-o. Um lado mais suave e tolerante da sua personalidade veio à tona."

Esta é uma maneira dura de fazer a aprendizagem da tolerância.

Às vezes, os jovens têm maneiras airosas de dar a volta às exigências severas dos pais. Um músico português de grande prestígio nacional e internacional contou um dia aos meus alunos, numa aula de Psicologia, que o seu pai, à beira de morrer, o fez prometer que tiraria o curso de Direito. O filho prometeu ao pai que sim. Prometeu e cumpriu. Mas assim que cumpriu a promessa, nunca mais se dedicou ao Direito, voltou-se inteiramente para a sua grande paixão, e tornou-se um virtuoso executante da arte musical por que estava apaixonado.

Numa carta que deixou a Ron, um velhote notável que o jovem rebelde teve a felicidade de conhecer algures na sua viagem sem pegada, podemos ler um encantador conselho, um conselho do mais miúdo para o mais graúdo. É um muito precioso aviso aos pais severos e intolerantes. Vale a pena lermos a carta na íntegra:

«Olá, Ron. Fala o Alex. Estou a trabalhar aqui em Carthage, no Dakota do Sul, há quase duas semanas. Cheguei aqui três dias depois de nos termos separado em Grand Junction, Colorado. Espero que tenhas conseguido regressar a Salton City sem muitos problemas. Gosto de trabalhar aqui e as coisas estão a correr bem. O tempo não está muito mau e muitos dias são surpreendentemente amenos. Alguns dos agricultores até já estão a sair para os campos. Já deve estar a ficar bastante quente lá no sul da Califórnia. Pergunto-me se teve oportunidade de sair e ver quantas pessoas apareceram para a reunião do Arco-Íris de 20 de Março nas termas. Parece que deve ter sido muito divertido, mas acho que não se compreende muito bem este tipo de pessoas.

»Não vou ficar aqui no Dakota do Sul durante muito mais tempo. O meu amigo Wayne quer que eu continue a trabalhar no elevador de cereais até Maio e que depois vá trabalhar com ele durante todo o verão, mas eu tenho a minha alma inteiramente virada para a minha Odisseia no Alasca e espero partir o mais tardar a 15 de Abril. Isto significa que me vou embora daqui muito em breve, por isso preciso que envie todo o correio que possa ter recebido para o endereço de retorno indicado abaixo.

»Ron, gostei muito de toda a ajuda que me deu e dos momentos que passámos juntos. Espero que não fique demasiado triste com a nossa separação. Pode demorar muito tempo até nos voltarmos a ver. Mas, desde que eu consiga ultrapassar esta viagem ao Alasca sem problemas, voltará a ouvir falar de mim no futuro. Gostaria de repetir o conselho que já lhe dei antes, no sentido de que penso que deve realmente fazer uma mudança radical no seu estilo de vida e começar a fazer corajosamente coisas que talvez nunca tenha pensado antes em fazer, ou que tenha hesitado demais em tentar. Tantas pessoas vivem em circunstâncias infelizes e, no entanto, não tomam a iniciativa de mudar a sua situação porque estão condicionadas a uma vida de segurança, de conformidade e de conservadorismo, que podem parecer dar paz de espírito, mas, na realidade, nada é mais prejudicial para o espírito aventureiro de um homem do que um futuro seguro. O núcleo fundamental do espírito vivo de um homem é a sua paixão pela aventura. A alegria da vida vem dos nossos encontros com novas experiências e, por isso, não há maior alegria do que ter um horizonte em constante mudança, para que cada dia tenha um sol novo e diferente. Se quer tirar mais proveito da vida, Ron, tem de perder a sua tendência para a segurança monótona e adoptar um estilo de vida que, no início, lhe parecerá uma loucura. Mas quando se habituar a esse estilo de vida, verá todo o seu significado e a sua incrível beleza.

»E assim, Ron, em resumo, saia de Salton City e faça-se à estrada. Garanto-lhe que ficará muito contente por o ter feito. Mas receio que vá ignorar o meu conselho. Pensa que sou teimoso, mas você é ainda mais teimoso do que eu. Na sua viagem de regresso, teve uma oportunidade maravilhosa de ver uma das maiores paisagens do mundo, o Grand Canyon, algo que todos os americanos deviam ver pelo menos uma vez na vida. Mas, por alguma razão incompreensível para mim, não quiseram mais nada senão fugir para casa o mais depressa possível, voltando à mesma situação que vêem dia após dia. Receio que, no futuro, siga a mesma tendência e não consiga descobrir todas as coisas maravilhosas que Deus colocou à nossa volta para descobrirmos. Não se acomode e não fique num só lugar. Mexa-se, seja nómada, faça de cada dia um novo horizonte. Ainda vai viver muito tempo, Ron, e seria uma pena se não aproveitasse a oportunidade de revolucionar a sua vida e passar para um domínio de experiência inteiramente novo. Engana-se quem pensa que a alegria emana apenas ou principalmente das relações humanas. Deus colocou-a à nossa volta. Ela está em tudo e em qualquer coisa que possamos experimentar. Só temos de ter a coragem de nos voltarmos contra o nosso estilo de vida habitual e de nos empenharmos numa vida não-convencional.

»O que quero dizer é que não precisa de mim ou de qualquer outra pessoa para trazer este novo tipo de luz à sua vida. Ela está simplesmente à espera que a agarre, e tudo o que tem de fazer é alcançá-la. A única pessoa com quem está a lutar é consigo próprio e com a sua teimosia em se envolver em novas circunstâncias.

»Ron, espero realmente que, assim que puder, saia de Salton City, ponhas uma pequena caravana na parte de trás da sua carrinha e comece a ver algumas das grandes obras que Deus tem feito aqui no Oeste americano. Verá coisas e conhecer pessoas e há muito a aprender com elas. E deve fazê-lo em estilo económico, sem motéis, cozinhando a sua própria comida, regra geral gastando o mínimo possível e desfrutará muito mais. Espero que, da próxima vez que o vir, seja um homem novo, com um vasto leque de novas aventuras e experiências atrás de si. Não hesite nem se permitas arranjar desculpas. Saia e faça-o. Saia e faça-o. Vai ficar muito, muito contente por o ter feito.

»CUIDE DE SI, RON»(1)(2)

Teremos nós a noção do que é o privilégio de receber uma carta assim dum jovem que está intensamente dedicado ao imenso sonho de descobrir-se e descobrir a Vida, no que a Vida tem de mais belo para dar a todos os seres humanos?

Esta carta poderia ter sido escrita pelo Adolescente Peregrino de Guerra Junqueiro, o qual, para sua sorte, conseguiu regressar são e salvo da ilusão do sonho.

Ao Christopher/Alex (na verdade, o único jovem verdadeiro deste escrito) faltou a atitude educativa tolerante dos pais (mais do que a sorte), por isso teve de se fazer sozinho à aventura sem eles, sem o seu apoio. E se ele o tivesse tido, quão diferente teria sido tudo?

Se o que lhe aconteceu não lhe tivesse acontecido, eu não estaria aqui a falar dele, certamente. E o que vale mais: é a história que ele nos deixou ou a vida que ele perdeu? Continuaremos esta conversa num lugar de encontro, seja ele aberto ou fechado.

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(1) Krakauer, Jon. "Into the Wild". Knopf Doubleday Publishing Group. Edição do Kindle.

(2) Traduzido com a versão gratuita do tradutor - DeepL.com

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