#TOLERÂNCIA 48 - TOLERÂNCIA E 'FAIR PLAY'
A seguir ao almoço fui à escola básica Bartolomeu Dias, em Sacavém, ver o Guilherme jogar voleibol. O Guilherme é meu aluno de Psicologia. É jogador do escalão júnior.
O jogo começou às duas da tarde, o Guilherme jogava na qualidade de visitante. Ainda não sei em que equipa ele joga, nem tão pouco consegui saber o nome da equipa visitada. Às 3 horas tive de sair para uma reunião de condomínio, que já tinha começado. Quando saí do pavilhão, a equipa do Guilherme perdia por 2 sets a 0.
No primeiro set, a equipa visitada foi claramente superior, notei que os seus jogadores tinham mais desenvolvimento nos gestos técnicos, em geral. Do lado da equipa do Guilherme, a principal fraqueza estava no gesto do remate junto à rede, a inabilidade dos dois jogadores mais altos era quase exasperante — digo exasperante porque, é claro, eu queria que a equipa do Guilherme fosse ganhando os sets.
Durante o primeiro set, gostei de ver a maneira como os jogadores suplentes apoiavam e incentivavam os colegas que estava a jogar. Ambas as equipas, sobretudo quando o serviço era do seu lado, batiam as palmas numa cadência organizada, com uma batida agradável ao ouvido e que me apercebi ter um efeito mentalmente disciplinador e motivacionalmente estimulante. Gostei de ver o ambiente de tranquilidade e de respeito recíproco entre as duas equipas. Assim que o jogador servia, dum lado e do outro paravam as palmas, ninguém perturbava a execução técnica do jogador que servia.
No segundo set, aconteceu uma coisa curiosa: os suplentes da equipa visitada, logo nas primeiras jogadas, sem que se percebesse porquê, perderam a sincronia entre eles na tal batida de palmas organizadora e estimulante. Eles próprios se deram conta, riram-se entre eles, mas não conseguiram voltar à sincronia do primeiro set. O que é que, então, foi curioso?
O que foi curioso foi que, dentro do campo, a equipa perdeu organização, os jogadores começaram a falhar, frequentemente, os passes; os passes e os remates. Consequência: a equipa do Guilherme foi consolidando uma larga vantagem de pontos.
Vendo-se a perder por 6 ou 7 pontos, incapazes de voltarem às boas palmas, o que fizeram os jogadores da equipa visitada? Quando a equipa adversária servia, em vez de voltarem ao silêncio, passaram a gritar e a lançar uivos, nitidamente para prejudicarem a execução do serviço ao atleta adversário. Pouco tempo depois, e mesmo mantendo-se com vantagem, a equipa do Guilherme passou a fazer o mesmo. Quer dizer, o fair play acabou e no lugar dele surgiu a provocação simétrica em escalada.
Saí do pavilhão à pressa, como já disse, em cima das 3 da tarde, para uma reunião de condomínio, o jogo ainda não tinha acabado, qualquer uma das equipas poderia ganhar.
No caminho para casa, pus-me a pensar o que tem a Tolerância de similar ao Fair Play, e o que distingue uma coisa da outra, não há razão para dizer que os jogadores da equipa visitada, vendo-se a perder, perderam também a Tolerância com os jogadores da outra equipa.
A Tolerância e o Fair Play, penso eu, envolvem respeito recíproco, aceitação interpessoal e promoção de ambiente de interacção cordial, não violenta e não provocadora.
Distinguir-se-ão pelo âmbito (mais vasto, no caso da Tolerância; mais específico ao universo do Desporto, no caso do Fair Play). Também poderemos dizer que a Tolerância pode bastar-se pela passividade do comportamento, tolera-se simplesmente não fazendo; ao invés, o Fair Play pede sempre actividade, é intenção deliberada que se faz concretamente. Talvez a situação mais habitual de expressão de fair play aconteça quando, num jogo de futebol de 11, um jogado da equipa adversária se lesiona no decorrer da partida, e um dos adversários chuta a bola para fora do campo para que o jogador queixoso, magoado, seja assistido. A seguir, quando o jogo é retomado, a equipa do jogador entretanto recuperado entrega a bola à equipa adversária por causa do seu gesto de desportivismo.
Ora bem, o que me deixou a pensar foi o desencadeamento do comportamento de "unfair play". Há um momento de impulso motivacional, inconsciente ou deliberado, de sabotar a qualidade do jogo dos atletas adversários, o fair play só se mantém enquanto se tem a sensação de que se está por cima, que a vitória no jogo vai certamente cair para o lado da minha equipa.
Pode a educação da Tolerância dar uma mãozinha ao Fair Play, para que a ânsia de ganhar não se sobreponha ao prazer salutar da competição desportiva? Se sim, como? Não me parece que seja difícil fazê-lo. Tolerar que se possa perder não é bem a mesma coisa que aceitar a derrota, ou celebrar a vitória, com fair play. E parece-me que tal tipo de educação deve ser prevista e feita. Tem bom potencial formativo para o desenvolvimento da personalidade dos jovens atletas.
Até porque — não é de somenos importância e significado dizê-lo —, no jogo que vi hoje, nenhum dos treinadores (no caso, uma treinadora na equipa do Guilherme, e um treinador na equipa da casa) teve qualquer acção junto dos seus atletas, por exemplo, poderiam ter-se chegado a eles, reprovar-lhes o comportamento anti-desportivo e incentivá-los a que voltassem à postura do primeiro set.
Quer dizer, não são só os alunos e os jovens atletas que precisam de ser educados para a Tolerância, os professores e os treinadores também precisam. Foi tão bonito o comportamento dos atletas — todos eles! — durante o primeiro set!
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