domingo, fevereiro 09, 2025

#TOLERÂNCIA 42 - PEDAGOGIAS: DA TOLERÂNCIA E DA INTOLERÂNCIA

#TOLERÂNCIA 42 - PEDAGOGIAS: DA TOLERÂNCIA E DA INTOLERÂNCIA

Em 2020, quando tivemos, em todo o mundo, de ficar fechados em casa por causa da pandemia do coronavírus SARS-CoV-2, tive tempo para ver as mais de 25 horas da monumental obra de Claude Lanzmann sobre o Holocausto: o "Shoah" e o "Sobibor, 14 de Outubro 1943". O "Shoah" é de 1985 e o "Sobibor" é de 2001. A edição conjunta dos documentários em Portugal é de 2013. Claude Lanzmann nasceu em Paris em 1925.

Os documentários, achei-os assombrosos. Queria que tivessem mais registos, mais horas, muitos mais registos, muitas mais horas. Não era porque quisesse ser espectador perverso de desgraças e horrores humanos, era porque o jeito de recolher testemunhos pessoais e de captação dos lugares, uns e outra sem artificialismos, sem enfeudamento ideológico fosse ao que fosse, tornava os olhos e os passos deles os nossos olhos e os nossos passos. Na contracapa da caixa dos DVD's, lêem-se estas palavras de Simone de Beauvoir, de quem Claude Lanzmann foi amigo: «Uma grande obra. Pela primeira vez, sentimos (este acontecimento terrível) na nossa cabeça, no nosso coração, na nossa carne. Torna-se nosso.»

Os notáveis documentários, entretanto, deixaram-me uma quase excruciante angústia, estou convicto de que o autor colocou aquele registo no final intencionalmente. Arrisco-me a dizer que a generalidade das pessoas que vêem esse registo não se apercebem do que ele contém.

À porta da igreja duma pequena aldeia polaca ocupada pelas tropas alemãs, à saída da missa, as pessoas juntam-se à volta do homem que a revisitava, e que um dia foi rapazinho da aldeia e que, não obstante ser judeu, se salvou do ódio racista e anti-judeu dos alemães porque tinha uma linda voz para cantar. Os oficiais nazis pouparam-no para que o miúdo pudesse entretê-los com as canções que ele sabia e mais as que os alemães queriam que o rapaz lhes cantasse.

No final da cena desse ajuntamento à saída da missa, ainda hoje eu sinto o arrepio e a pele de galinha que intensamente me invadiram quando a vi: era o retorno da intolerância, da milenar intolerância — a de que tinham sido os judeus a denunciar Jesus aos governantes romanos e, por causa disso, Jesus foi perseguido, preso, julgado e crucificado.

A angústia de que fiquei preso tem precisamente a ver com a consciência, com a dúvida, de se alguma vez seremos capazes de vencer a intolerância, ou melhor, de vencer as intolerâncias.

Sobre isto, confesso que não sou optimista; e tenho a bem clara convicção de que não se vence a intolerância apenas promovendo, por melhor que o façamos, a Tolerância. A Tolerância precisa de ser educada, mas a Intolerância também precisa. Não, não são apenas os pólos opostos dum mesmo espectro. As raízes da intolerância são muito profundas, estão-nos na composição do cérebro, são biológicas, são de natureza animal.

Sendo biológica, sendo da natura humana, a intolerância é desculpável ou aceitável? Não, não é, a intolerância não é desculpável, a intolerância não é aceitável. Só é aceitável a intolerância da intolerância — e sobre isto, depois, fica quase tudo por discutir, mas o meu caminho não é agora por aqui.

Na Introdução à "Dança dos Demónios, intolerância em Portugal", com a coordenação de António Marujo e José Eduardo Franco, vinda a público em Outubro de 2009, estes autores (são eles que escrevem a Introdução) começam por citar José Augusto Mourão, Professor da Universidade Nova de Lisboa e frade dominicano, quando ele escreveu «Compreender já é o princípio da cura.» (Repare-se que estamos de volta ao tolerar-aceitar-compreender)

A intolerância e a agressividade andam de mãos dadas. Aprendi com Konrad Lorenz, o fundador da Etologia há quase 100 anos, que os rituais de grupo, os rituais que constroem e mantêm as civilizações, são essencialmente os efeitos das humanas (e animais, os outros animais também têm destes rituais) tentativas de conter a agressividade — a agressividade negativa, a qual, em última instância pode ser perigosa para a própria sobrevivência da espécie humana.

Olhamos à nossa volta e vemos, para nossa tragédia, que os rituais, que tanto trabalho deram a criar, estão em perda, estão a ser delapidados, ridicularizados, dissipados, destruídos. É a voragem da competição à solta, a lei do mais forte (que é o que tem dinheiro e tem armas), na vertigem neoliberal radical que grassa nos partidos políticos e nos dirigentes partidários, sejam eles da direita ou da esquerda do espectro partidário, a lógica neoliberal domina-os a todos.

Quando um dirigente de esquerda vem proclamar, a propósito de eleições autárquicas, que quer juntar a Esquerda para «dar uma lição às direitas raivosas», está a mostrar o que lhe vai na alma. A Direita, essa, até pode ser que seja «raivosa», mas a Esquerda assim está simplesmente a reagir, em espelho, ao que a sua própria mundividência produz. O resultado não pode ser senão a escalada simétrica do conflito, como dizem os psicólogos sociais, ou seja, intensificação da agressividade e da intolerância.

Se a agressividade e a intolerância no Homem não podem ser eliminadas porque fazem parte da natureza humana, podem, como tudo o que é parte da mesma natureza humana, ser reguladas, inibidas, transformadas.

É esse o desafio da Pedagogia e da Educação da (In)Tolerância. Se a Educação da Tolerância é muito necessária, a Educação da Intolerância não o é menos. Sim, são duas frentes de trabalho, ou de combate, diferentes.

Na "Dança dos Demónios" fala-se, em textos razoavelmente longos, em 10 exemplos clássicos de intolerância: o anti-semitismo, o anti-islamismo, o anti-clericalismo, o anti-protestantismo, o anti-jesuitismo, o anti-maçonismo, o anti-feminismo, o anti-liberalismo, o anti-comunismo e o anti-americanismo.

Há mais, e cada um de nós considerará uns mais prementes ou perigosos que outros. Sejam eles quais sejam, estejam listados ou não, do que não quero perder o foco é do sentimento de necessidade de equipar a Pedagogia e a Educação dos recursos e das estratégias de os combater, minorar, regular a sua expressão ao mínimo possível.

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