#TOLERÂNCIA163 - O MUNDO NÃO TOLERA AMBIVALENTIAS
Tenho revisitado os textos de Mia Couto, na sequência das coisas que levei aos alunos nas últimas aulas do secundário, tanto as deles como as minhas.
No Cronicando, na segunda metade do livro, aparece a crónica "O Secreto Namoro de Deolinda". Começa assim:
«Encontrei o marxista não-praticante. Ponha-lhe aspas, quem quiser. Por respeito do marxismo, eu lhe denomino de marxistianista. Pois, o homem. Cara gatafunhada, parecia ter tomado bicarbonato de ódio. E era comigo, motivo das minhas crónicas. Quem faz uma crónica acrescenta uma tónica, isso ele sabia.
»Contudo, eu precisava ser mais directo, de escrita bem pontiaguda. O mundo, adiantava ele, é um
assunto gravíssimo, não tolerando ambivalentias. E sentenciava: há que ser mais contundente. Expliquei-me, eu que de contundentição nem tenho escola. Mas ele, militante, mil e tanto. Ou já eu não alvejava o inimigo de classe, a interna burguesia? Ou considerava eu que a luta de classes, sempre em fase aguda, era uma questão decadente? Ora, decadente, não é a pessoa que tem dez dentes, perguntava eu. Mas ele, em fase de nervoso crescente, não autorizava brincadeira. O marxistianista se pronunciava sempre em maiúsculas. Que o capitalismo, o imperialismo, a África Austral. As suas ideias, de grandes formatos, abrangiam amplos futuros. Enquanto eu apenas me propunha ele decretava ora queixumes ora sentenças. Às duas por triz, eu me surpreendia: pode alguém estar apetrechado de tanta certeza? Parecia o sujeito já tinha lido toda a redacção de Moçambique, enquanto nós andamos num saltitar de olhos, lendo à moda de Mussagy Papá, nosso ilustre e empresariado contorcionista. A história de qualqueríssimo país é um texto de parágrafos salteados. Só o futuro os ordena, alisando as linhas, retocando as versões.»"O mundo, adiantava ele, é um assunto gravíssimo, não tolerando ambivalentias." É um pretexto para voltar ao lugar onde se fala de a Tolerância estar a aumentar ou a diminuir no Mundo. Sim, alinho.
Depois — deixo a sugestão —, aprecie-se a liberdade criativa do autor em tantas palavras e ajuntamento delas que faz só neste bocadinho de texto. Admito que haja quem não goste, quem não... tolere. Por mim, gosto muito.
Sabem qual é a que corrijo nos trabalhos dos meus alunos, os que escrevem em português de Portugal? Onde o autor escreve "Por respeito do marxismo, eu lhe denomino de marxistianista." eu emendo para "Por respeito ao marxismo, eu denomino-o marxistianista." Abrimos aqui outra discussão, outra reflexão? Vamos a isso!
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